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Introdução
No ano de 1994, me foi designada uma disciplina eletiva, no curso de graduação em Psicologia, intitulada Psicologia e Comunidade. Eu acabara de defender minha dissertação de mestrado (RODRIGUES, 1994), dedicada à história da Análise Institucional francesa, e iniciava um novo percurso acadêmico e profissional, no qual o manejo de ferramentas historiográficas como armas para a transformação do presente viria a se tornar uma diretriz de trabalho.
Dentre os temas que decidi abordar naquele curso estavam as ações de Franco Basaglia e os efeitos da Psiquiatria Democrática no Brasil. Durante as primeiras aulas perguntei à turma se já ouvira falar e o quanto, e como de Franco Basaglia. Alguns "sim" evasivos me deixaram curiosa, mas um grupo de alunos logo se prontificou a apresentar um seminário sobre o tema. Forneci alguma bibliografia e marcamos a data dos debates.
Cerca de uma semana depois, fui procurada nos corredores pelos estudantes: entusiasmados com a trajetória basagliana, relataram-me a decepção sentida, e mesmo as lágrimas derramadas por alguns, ao descobrirem, em suas leituras, que o recém-descoberto ídolo...já havia falecido. Naquele momento, tive a efetiva dimensão dos "sim" evasivos e do quanto a história representa um lugar institucional da memória; em especial, quando elabora uma memória das lutas, imprescindível para desencadeá-las (ou prossegui-las) no presente.
Alguns anos mais tarde, Eduardo Vasconcelos publicou um artigo sugestivamente intitulado "Mundos paralelos, até quando?", explorando as relações entre os psicólogos e o campo da saúde mental no Brasil. Referindo-se aos anos 1980, assinalava:
Temáticas como saúde pública, saúde mental, psiquiatria social, psicologia comunitária, epidemiologia psiquiátrica, antropologia voltada para as questões da saúde mental, entre outras, tiveram pouquíssima repercussão nos cursos de Psicologia. Talvez a única temática com alguma penetração simultânea nos novos serviços e nos cursos de Psicologia no período tenha sido a proposta pelas abordagens grupalistas e institucionalistas, fortemente marcadas pela literatura e pelos teóricos argentinos e franceses, ainda que de forma bastante limitada. (VASCONCELOS, 1999:125) [Grifos nossos]
Estas palavras me despertaram algum entusiasmo devido ao valor que atribuo ao paradigma institucionalista , muita curiosidade quanto às razões de sua quase exclusividade e certa inquietação por perceber, no dia a dia, quão pouco ainda o institucionalismo parece ter efetivamente contribuído para rupturas com padrões tradicionais de atenção em saúde mental mediante a criação de um novo plano de consistência teórico-ético-político.
Evocando as lágrimas por um Basaglia recém-conhecido (e já morto!) e apoiando-se em certo grau de penetração da Análise Institucional na formação dos psicólogos, o presente artigo inscreve-se em uma constelação de escritos (RODRIGUES, 1997; 1998; 1999; 1999a; 2003) através dos quais venho procurando construir um enfoque singular quanto ao institucionalismo francês, visando a fortalecer seus virtuais efeitos libertários no âmbito das práticas psi, especialmente na área de saúde mental.
O texto aspira, além disso, a um objetivo mais específico. Julgo que a "forma bastante limitada" que Vasconcelos atribui à penetração do paradigma se ligue, ao menos em parte, à habitual construção de uma sinonímia entre a Análise Institucional e as intervenções a pedido concebidas como aquelas em que um especialista em grupos e instituições, vindo de fora do campo problemático-profissional vivido pelos agentes, estaria apto a revelar verdades escondidas e a restaurar funcionalidades perdidas. Neste sentido, a exposição que se segue constitui uma aposta: a de que uma efetiva historicização de problemas, objetos, sujeitos e campos disciplinares possa ter um efeito de intervenção neste panorama limitado (e limitante) quanto à caracterização da Análise Institucional. Para tanto, o trabalho focaliza justamente o momento em que as intervenções a pedido se multiplicaram no campo do institucionalismo francês, procurando reconstruir a paisagem sócio-histórica de tal tempo (e eventual contratempo).
Do "Maio feito Mao" ao "Gulag"(1968-1974) (1)
Passado o maio de 68, instaura-se na França uma paradoxal presença de profecias a posteriori. Ao apelidar "Maio feito Mao" diferentes tentativas de enclausurar aquele momento em alguma versão totalizante da história e da política, praticamos uma condensação: através do nome do "Grande Timoneiro" sintetizamos, à maneira dos nominalistas, práticas de comandantes de todos os tipos, que buscam conduzir as agitações do maio a águas de calmaria. Seria também viável optar pela expressão "Maio feito Moi", privilegiando, com tal estratagema, os funestos destinos por muitos pretendidos para os modos de subjetivação.
Vale advertir, no entanto, que todos os intentos de fazer de maio de 68 a expressão de alguma totalidade pr econcebida binarismos estruturalistas, tríades dialéticas, modernizações político-evolutivas, revolucionarismos pré-legitimados etc. tiveram, a acompanhá-los, lutas para preservar-lhe a singularidade de acontecimento (2). Aproximemo-nos, conseqüentemente, destas duas linhas de força.
A primeira pode ser figurada pelo gauchismo tendencial (cf. Winock,1977) @. Os grupos e movimentos designados por tal expressão (3) se autodefinem, aprioristicamente, como revolucionários por referência a experiências históricas modelares (soviética ou chinesa, principalmente) e pela denúncia das atitudes meramente reformistas do Partido Comunista Francês (PCF). Introduzindo em suas agendas questões associadas à revolução cultural, também contribuem eventualmente para um degelo da esquerda, facultando a incorporação de novos militantes, pouco adaptáveis ao modelo partidário clássico. Ao mesmo tempo, por contestarem o PCF pela esquerda, forçam-no a procurar aliados à direita. No caso, via uma reaproximação com os socialistas.
Uma das novidades do período, por sinal, é a aparente renovação do Partido Socialista (PS). Decorridos alguns meses das eleições presidenciais de 69 em que Gaston Deferre, candidato da Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO), obtém apenas 5% dos votos , realiza-se o Congresso de Issy-les-Moulineaux. Ali nasce o novo PS e se pretende que morra a SFIO de Guy Mollet @ e das tristes lembranças da Guerra da Argélia (4). Estranha aspiração: o partido está coligado à Convenção das Instituições Republicanas, de François Mitterrand @, político cujas ações durante aquele conflito suscitam recordações igualmente nada agradáveis (5).
Em 1971, no Congresso de Epinay, Mitterrand é eleito primeiro secretário do PS que, para dar imagem à pretensa novidade, muda de logotipo: as três flechas, símbolo da SFIO, cedem lugar ao punho segurando uma rosa. A partir de 1972, os socialistas adotam o lema "Changer la vie" como síntese de seu programa de governo: o título tudo deve ao quotidianismo (6) de maio de 68, porém o conteúdo do projeto, não obstante mencione a autogestão, lembra mais os modelos centralistas do Leste Europeu. Em uma sociedade francesa crescentemente marcada pelo espetáculo, o hino do PS, composto por Paganis e Théodorakis, enaltece o título e silencia o conteúdo: "Ne croyonns plus aux lendemains qui chantent, changeons la vie ici et maintenant" (7).
A etapa subseqüente é a assinatura de um programa comum com os comunistas que, ao contrário do que pensavam os politólogos de então, beneficiará mais o PS que o PCF. Os socialistas obtêm vantagens em duas frentes: defendendo posições libertárias e autogestionárias como as do pensador católico Ivan Illich (8) &, assíduo nas páginas da revista Esprit e nos debates da Confederação Francesa Democrática dos Trabalhadores (CFDT) (9) , conseguem a adesão dos esquerdistas menos antiparlamentares; aliando-se ao PCF, reacendem a chama da Frente Popular dos anos 30, garantindo estar indubitavelmente à esquerda.
As evidências eleitorais não tardam: cerca de 20% dos sufrágios nas legislativas de 73; nas presidenciais de 74, após a morte de Pompidou, Mitterrand é o nome mais votado no primeiro turno, perdendo no segundo para Giscard D'Estaing & por ínfima margem. Poucos meses depois, o PS se vê reforçado por parte do Partido Socialista Unificado (PSU) (10), o que lhe dá créditos ainda maiores entre a militância: mediante esta adesão da já um tanto velha nova esquerda, vai-se desfazendo, como que por encanto, de sua conhecida face oportunista. Em 1976/1977, pela primeira vez após a 2ª Guerra Mundial, o PS será o mais votado partido de esquerda: o Efeito Stalingrado (11) é derrotado pelo Changer la vie por via parlamentar...
Assim, enquanto inúmeros gauchismos tendenciais reivindicam o monopólio dos "amanhãs que cantam", a nova (?!?) esquerda partidária delega ao Poder de Estado a realização dos anseios de transformação da existência. Em meio à intelectualidade, por sua vez, a teoria com maiúsculas ou minúsculas (12) ainda vigia e pune, respondendo, quando interpelada: "Aquilo a que vocês aspiram como revolucionários é a um Mestre. Vocês o terão!"(13).
Até aqui, falamos da primeira linha de força presente no pós-68, ou seja, do que apelidamos "Maio feito Mao". Uma segunda linha, contudo, prefere tempestades a calmarias. Por se compor de múltiplos movimentos, dificulta uma abordagem em grande plano. Porque se o maio nem tudo recusou (14), apesar de apelidado Grande Recusa, agora sim se recusa tudo, cada coisa por sua vez, conectando-a mais, menos ou nada com todas as demais.
Winock (1977) retrata esses movimentos com a expressão gauchismo cultural. Já Michel Foucault & ensaia uma definição mais precisa: trata-se de lutas "transversais" não confinadas a formas particulares de governo que visam aos "efeitos de poder" sobre os corpos, sobre a vida; trata-se igualmente de "lutas imediatas" dirigidas às instâncias de poder mais próximas, batalhando por soluções inadiáveis para amanhãs revolucionários que questionam o "estatuto do indivíduo" ao reclamar o direito à diferença; finalmente, trata-se de lutas contrárias aos "privilégios do conhecimento", às "representações mistificadas impostas às pessoas" concebidos como regimes de verdade ligados aos exercícios de poder , ou seja, lutas desenvolvidas em torno da questão "quem somos?", mas repudiando as abstrações que, ativa e violentamente, ignoram a singularidade das situações (cf. FOUCAULT, 1983:211-212).
Dentre os momentos mais conhecidos dessas lutas, é possível evocar: 1969, publicação do n º 46 de Partisans, sob o título "Garde-fous, arrêtez de vous serrer les coudes" (pontapé inicial da antipsiquiatria francesa); 1969, primeiro número de L'Idiot International (início da imprensa cultural gauchista, contestadora dos profissionais da informação); 1970, primeira manifestação pública do M.L.F. (Movimento de Liberação Feminina), colocando duas bandeirolas sobre o túmulo do soldado desconhecido ("Há alguém mais desconhecido que o soldado desconhecido: sua mulher"); 1970, alusão à luta das mulheres e dos homossexuais em Tout!, jornal do grupo Vive la révolution!; 1970, fundação do Secours Rouge (organização que combate todas as formas de repressão) por J. P. Sartre @, C. Tillon @ e G. Montaron @; 1971, criação do GIP (Grupo de informação sobre as prisões) por M. Foucault, J.-M. Domenach @ e P. Vidal-Naquet @, com envolvimento de inúmeros militantes, sobretudo maoístas; 1971, manifesto de 343 mulheres em favor do aborto livre e do acesso generalizado aos contraceptivos; 1971, décimo-segundo número de Tout! com a primeira fala pública da F.H.A.R. (Frente Homossexual de Ação Revolucionária); 1971, nascimento da agência de imprensa Libération (15); 1971, criação de Choisir (associação em favor dos direitos da mulher) por G. Halimi @ , J. Monod @ e M. Chevalier @; 1971, instauração da seção francesa de Anistia Internacional; 1972, criação da associação Médicos sem Fronteiras (para fornecer assistência a vítimas de guerra, repressão, exílio etc...) por C. Malthuret; 1973, declaração de 331 médicos, dentre eles quatro prêmios Nobel, reconhecendo que realizam abortos por julgarem que a decisão de ter filhos pertence integralmente à mulher; 1974, primeira manifestação dos autonomistas da Bretanha; 1974, nascimento do Movimento Ecológico Francês, que lança candidato próprio (R. Dumont) @ à presidência da república.
Quiçá tenha sido Felix Guattari quem encontrou a melhor denominação para todos esses fragmentos: "revoluções moleculares". Ou seja: agenciamentos coletivos de enunciação, ação e subjetivação sem sujeito-centro; constelações funcionais de fluxos sociais, materiais e semióticos constitutivos do desejo. Não deve ter sido muito árduo fazê-lo, visto que, neste pós-68, Guattari prossegue ativo em contrabandos, bruxarias, misturas mágicas de teorização-análise-militância. Envolve-se mais, ou menos de perto com inúmeros grupos que se esforçam por operar um corte radical com a psiquiatria clássica. Em 1969 cria o CERFI (Centre d'Études, de Recherches et de Formation Institutionelles), que ambiciona praticar o político sob todos os ângulos, combinando ação profissional e militância. Este centro de estudos diferente tanto incorpora gente recém-saída da União dos Estudantes Comunistas (UEC), União Nacional dos Estudantes Franceses (UNEF) e movimento 22 de março (denominação atribuída aos comitês de ação de maio de 68) quanto pesquisadores renomados (da Universidade e do Centre National de Recherches Scientifiques CNRS), aos quais se mesclam os novos atores dos conflitos do momento (advogados especializados em flagrante-delito, inspetores de prisões, professores suspensos de suas funções etc.).
A questão urbanística preocupa Guattari de modo particular. Numa França cada vez mais moderna, a erguer bairros e cidades a todo vapor, julga que os "equipamentos de poder" (16) devam ser construídos com a colaboração de arquitetos, médicos, "psis", filósofos e, principalmente, das pessoas que os irão utilizar ou habitar. No contexto do CERFI, que acolhe pesquisas encomendadas pelo Ministério de Urbanismo, Guattari se aproxima de G. Deleuze e M. Foucault. Em 1971, estará presente na formação do GIP. Em 1972 virá O Anti-Édipo e, com ele, o batismo oficial da Esquizoanálise.
Indisciplinando saberes
Há que problematizar esta denominação, pois, afinal, o que é Esquizoanálise? Enquanto os socioanalistas, reunidos na Universidade de Paris VIII (Vincennes) ou nos GAIs (Grupos de Análise Institucional) organizados em várias cidades, constituem um referencial bem definido, o modo de ação guattariano perturba a apropriação ao estilo acadêmico. Porém Deleuze, invariavelmente hábil em criar circunstâncias ou planos de consistência (17), não vê empecilhos em que, para abordar algo, seja preciso referir-se a um livro. A única exigência reside em dele construir leituras singularizadas:
" uma boa maneira de ler, hoje, é chegar a um livro como se escuta um disco, como se olha um filme ou um programa de televisão, como se é tocado por uma canção (...) os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que convêm a você ou não, que passam ou não passam (...). Não há nada a compreender, nada a interpretar" (DELEUZE e PARNET, 1980:8).
Que O Anti-Édipo seja um livro-acontecimento demonstram-no o modo de escritura, bem como o percurso de seus dois-múltiplos autores. A escritura conecta, sem hierarquização, a fala louca ou desobradora de um Artaud e um Schreber à fala teórica ou produtora de obra de um Sartre, um Lacan, um Marx, um Freud. Há, é claro, também um Nietzsche, barqueiro entre as duas séries. O percurso faz com que um psicanalista (?!?) afaste um filósofo (?!?) da Psicanálise (18) durante o "período de latência" (cf. GUATTARI, 1981b:98) que se segue a 1968 tempo para encontrar maneiras de intensificar a conjunção de revoluções moleculares então ocorridas, em lugar de fazer delas "Mao" ou "Moi":
Pareceu-nos que não nos podíamos contentar em prender um vagão freudiano ao comboio do marxismo-leninismo. Era preciso, em primeiro lugar, desfazermo-nos de uma hierarquia estereotipada entre uma infra-estrutura opaca e superestruturas sociais e ideológicas concebidas de tal modo que recalcam as questões do sexo e da enunciação para o lado da representação, o mais afastado possível da produção. (...) Trata-se de fazer passar o desejo para o lado da infra-estrutura, para o lado da produção, enquanto se fará passar a família, o eu e a pessoa para o lado da anti-produção. É o único meio de se evitar que o sexual fique definitivamente separado do econômico (DELEUZE e GUATTARI, 1976: 58-59).
O desejo ganha, por conseguinte, um lugar no conjunto (marxista) das forças produtivas. Não mais imaginário ou simbólico, e sim real e material como qualquer força, ele se historiciza: suas transformações remetem aos modos sempre contingentes pelos quais é regulado. Nem estrutura universal significante nem energética essencial subjacente, todo desejo é produção e toda produção é desejo, inevitavelmente agenciados, circunstanciados. Deleuze e Guattari encontram, com isso, uma linha de fuga aos universalismos ordeiros que voltam a povoar este início dos anos 1970. Ao invés de utilizar o pensamento para validar a prática política, ou a prática política para desacreditar o pensamento, fazem dos modos de intervenção um intensificador dos conceitos e, destes, um multiplicador das molecularizações (cf. FOUCAULT, 1991:81-84).
Jacques Donzelot sintetizou admiravelmente o produtivismo-construtivismo da esquizoanálise, contrastando-o com as apreensões paranóicas de todos os tipos:
"O pólo esquizofrênico (molecular) corresponde ao desejo produtivo, o pólo paranóico à disposição da falta. De um lado, o desejo tomado na ordem real de sua produção, comportando-se pois como um fenômeno molecular desprovido de fins e intenções; de outro, o desejo prisioneiro de grandes objetividades totalizantes, significantes, que fixam as organizações, as faltas e os fins (...) a falta não é original, mas constituída pelo dispositivo que capta e registra as produções (DONZELOT, 1976:175-176).
Esquizofrenização do desejo, via fluxos e cortes; paranoicização do desejo, via territorializações e codificações pólos que se expandem em razão inversa. Capitalismo e esquizofrenia: a desterritorialização é levada a seus extremos os trabalhadores livres só dispõem de sua força de trabalho para vender. Capitalismo, paranóia e anti-produção: codificação (e/ou sobrecodificação) permanente que redunda em uma axiomática do capital. Aqui, os fluxos estão regulados, embora sempre disponíveis para novas superfícies representativas de registro, que apelam a uma subjetividade inconsciente feita teatro para o consumo de imagens: fantasmas originários, libido universal, família privatizada, edipianização, castração, falta, reconhecimento, restauração do narcisismo perdido etc.
Com O Anti-Édipo, a desgastada noção de alienação ganha um sentido original: nada se perde, pois nenhum centro havia; alienamo-nos simplesmente porque se agencia, como origem do desejo, o que não é senão regulação de suas ilimitadas virtualidades. E a surrada idéia de conscientização-superação perde suas virtudes salvadoras:
(...) investimentos diversos e opostos podem coexistir em complexos que não os do Édipo, mas que dizem respeito ao campo social histórico, aos seus conflitos e às suas contradições pré-conscientes e inconscientes (...) e de quem só podemos dizer que se rebatem sobre o Édipo, Marx-pai, Lenine-pai, Brejnev-pai. Há cada vez menos pessoas que acreditam nisso, mas isso não tem qualquer importância, já que o capitalismo é como a religião cristã: vive precisamente da falta de crença, não precisa dela para nada - pintura matizada de tudo aquilo em que já se acreditou. (DELEUZE e GUATTARI, s.d.:302)
Afirma-se, deste modo, um Édipo-dispositivo versus um Édipo-estrutura; um desejo-usina versus um desejo-teatro. Contudo, a despeito do rótulo anti-psicanalítico, a Esquizoanálise não tem a Psicanálise por alvo privilegiado. A grande máquina mortificante desta última é apenas um dentre os ilimitados dispositivos capitalísticos de anti-produção a apreender as subjetividades numa planetária "síndrome de carência e captura" (cf. ROLNIK,1989): desterritorialização do que jamais foi natural regulações pré-capitalísticas e capitalísticas "atrasadas" e sobrecodificação em sempre novas supostas essências, nas quais sequer se precisa crer para que nos "carenciem", restringindo-nos a vida ao ponto do sufocamento.
O título é O Anti-Édipo, mas poderíamos falar em Anti-Sociologia, Anti-História ou Anti-Geografia: tudo o que era sólido se desmancha no ar. Irresumível, este livro-ferramenta é puro funcionamento a falar de funcionamentos: nada representa ou expressa, tudo maquina ou instaura. As máquinas desejantes não querem dizer coisa alguma: são processos de constituição de um real somente visível/dizível em nível micro ou maquínico, em evidente contraste com esforços outros para restringi-lo ao registro/consumo macro ou mecânico. Mesmo a grande ficção da evolução da humanidade das origens até nossos dias o terceiro capítulo, denominado "Selvagens, Bárbaros, Civilizados" (19) , a despeito do título, é o Anti-Morgan e o Anti-Hegel: nada evolui, progride ou sintetiza; tudo devém ou se cartografa. Portanto, ao ser teoria do desejo maquínico, O Anti Édipo é, igualmente, dispositivo em prol da maquinação do desejo.
Avaliam Deleuze e Guattari que em 68 algo da ordem do desejo se fez visível à escala do conjunto da sociedade, sendo invisibilizado a seguir tanto pelas forças do Poder do Estado quanto pelos partidos e sindicatos (ditos "operários"), gauchismos tendenciais e imperialismos significantes da intelligentsia. Não estando o problema na alienação de alguma verdade primeira, tampouco em falsas crenças ou ideologias, há que procurar na produção de subjetividade capitalística o engendramento da cumplicidade inconsciente que se propaga "do Poder aos burocratas, dos burocratas aos militantes e dos militantes às próprias massas" (DELEUZE e GUATTARI, 1976:57).
Sendo nossa sociedade colonizadora da vida, urge repudiar os missionários de todas as religiões político-discursivas. Porque há uma lição analítica a aprender com maio de 68: não é o mesmo desejo, em qualquer conjunto de agenciamentos, que nos fará pensar/agir/ser diferentemente do que até hoje fizemos. Neste sentido, a Esquizoanálise se dá uma tarefa:
Descobrir, sob o rebatimento familiar, a natureza dos investimentos sociais do inconsciente. Descobrir, sob o fantasma individual, a natureza dos fantasmas de grupo (...) levar o simulacro até o ponto em que ele deixa de ser uma imagem de imagem para encontrar as figuras abstratas, os fluxos-esquizo que ele oculta. Substituir o sujeito privado da castração, clivado em sujeito da enunciação e sujeito do enunciado, e que remete apenas para as duas ordens de imagens pessoais, pelos agentes coletivos que remetem para arranjos maquínicos. Reverter o teatro da representação na ordem da produção desejante.(DELEUZE e GUATTARI, s.d.:217)
Cada vez mais conexões
Em março de 1973, o CERFI lança o 12º número de Recherches, intitulado "Três milhões de perversos", anunciado como "grande enciclopédia dos homossexualismos". Colaboram Gilles Deleuze @, Michel Foucault, Jean Genet @, Jean-Paul Sartre, Georges Lapassade @ e vários integrantes da F.H.A.R. Ali se conta "o que acontece nos mictórios das Tulherias, de que modo o vício chega às crianças, o que duas mulheres podem realmente fazer juntas na cama, como cuidar dos olhos do cu machucados e como acabar com a homossexualidade de papai" (apud ROUDINESCO, 1988:536).
A apresentação da revista rejeita o pseudo-objetivismo das pesquisas sociais do gênero Relatório Kinsey onde as pessoas falam o que entrevistador e financiador querem ouvir , os preconceitos psicanalíticos prolongamento da sexologia tradicional, que mantém a homossexualidade no quadro das perversões e da falta e o homossexualismo militante tradicional defensor quase corporativo das minorias oprimidas do "3º sexo" , propondo um "descentramento radical da enunciação científica":
(...) não basta "dar a palavra" aos sujeitos envolvidos (...), é preciso antes criar condições para um exercício total, leia-se paroxístico, desta enunciação. A ciência nada tem a ver com justas medidas e compromissos de bom tom!. (GUATTARI, 1981c:38)
Não pensam assim os censores: a publicação é apreendida, os exemplares destruídos e Guattari condenado a uma multa de 600 francos, por atentado ao pudor. Em uma confirmação em ato de que "os homossexuais falam em nome do todos (...) e colocam em questão todas as formas, quaisquer que sejam elas, de produção desejante"(idem:39), as forças coercitivas se orquestram: em abril de 1973, a Caixa de Seguros-Doença questiona um convênio assinado dez anos antes com a Clínica de La Borde (20), ameaçando-a de extinção. Os motivos oficialmente invocados não convencem ninguém: critica-se a orientação esquerdista, a longa duração das internações e o alto custo do empreendimento. O estabelecimento sobrevive, após aguda polêmica, não sem antes revelar que a política de setorização (21) atua para quebrar nexos entre revoluções moleculares. Mesmo não sendo muito mais que um "alienismo esclarecido" (22), La Borde se afigura um front excessivamente luminoso para uma sociedade que se deseja bem disciplinada. Ciente disso, Guattari assim responde ao tribunal por ocasião do processo:
Na verdade, este número de Recherches não coloca fundamentalmente senão problemas políticos. A acusação de pornografia é apenas um pretexto, fácil de invocar neste domínio particular; o essencial é reprimir "para servir de exemplo".(GUATTARI, 1981c:41)
Já estão findos, porém, os tempos de eficácia do "castigo exemplar". A despeito da repressão concentrada policiais cada vez mais bem equipados ou em rede legislação especial (23), conexão Recherches-La Borde , vários grupúsculos, mais tendenciais ou mais culturais, prosseguem com suas invenções. Em maio de 1970, por exemplo, fazem uma investida literalmente deliciosa: um comando da Gauche Prolétarienne invade o Fauchon a loja de especiarias mais cara de Paris , imobiliza sem violência os vendedores e enche grandes sacolas com trufas, foie gras, marrons glacés, bebidas finas e caviar. À saída, panfletos explicam:
Não somos ladrões.
Somos maoístas.
Salário médio de um O.S.: 3,50 francos por hora
1 kg de foie gras: 200 francos, ou seja 60 h de trabalho
1 kg de cake: 18,50 francos, ou seja 6 horas de trabalho
1 kg de marrons glacés: 49 francos, ou seja 8 horas de trabalho
E agora? Quem são os ladrões?
(apud HAMON e ROTMAN, 1988:170)Revolucionários que são, os maoístas desembarcam com os prazeres da mesa em uma favela perto de Saint Dennis e os distribuem aos moradores. Fazem o mesmo em um foco de trabalhadores africanos de Ivry, oferecendo-lhes a chance de descobrir "os sabores comparados do caviar russo e iraniano" (HAMON e ROTMAN, 1988:171).
A imprensa oficial não sabe o que fazer: fabricante de uma opinião pública que deve ser simultaneamente ordeira e boa, não tem como condenar o gesto à Robin Hood sem jogar fora o segundo adjetivo. Os partidos e centrais sindicais parecem menos sensíveis: o PCF e a CGT o desaprovam sem reservas; a CFDT, em honra ao passado católico, o reprova apenas tecnicamente, taxando-o de inútil. O governo quer castigar os responsáveis pela GP e seu jornal, La Cause du peuple. Patrono da publicação, Sartre pede a mesma punição para si próprio, alegando ser "um escândalo" a existência de uma firma como Fauchon. Nesta França pós-68...seremos todos gourmets?
Generalizar a socioanálise?
Sem dúvida, este sonho de generalização é também o dos socioanalistas: em parte herdeiros, pela via de Lefebvre * e Sartre, da tradição hegeliana da grande reconciliação, maio de 68 se lhes afigura como mais um dos episódios em que quase se realizou a epopéia da História. Em 1977, num livro publicado pela editora anarquista madrilenha Campo Abierto, René Lourau & se expressará no condicional ("se...") para dar conta das condições de emergência da Análise Institucional. Passando pelo fracasso da II Internacional (1914) e dos conselhos operários alemães (1918), pelo massacre de Cronstadt por Trotsky e Lênin (1920), pelo aniquilamento do movimento libertário espanhol (1937) e pela entrega das armas da Resistência Francesa ao governo após a derrota do ocupante nazista (1944), chega ao presente próximo:
(...) se, em 1968, em Paris e Praga, a rebelião houvesse desembocado na dissolução do Estado ou na derrota do ocupante estrangeiro (...) é provável que, na franja das ciências sociais, no entrecruzamento de várias destas ciências e da herança histórica dos movimentos revolucionários do mundo inteiro, não se tivesse nunca visto aparecer ou se desenvolver a análise institucional como teoria crítica das formas sociais (LOURAU, 1977:82).
A esta gênese social da análise institucional como teoria se agrega uma gênese teórica da socioanálise como modo de intervenção. Os "se...", neste caso, voltam-se para a triste figura do marxismo praticado pelas organizações que se dizem revolucionárias, em tudo distante de uma doutrina que propugne pelo desaparecimento do Estado. Ao sintetizar os dois conjuntos de circunstâncias gênese social e gênese teórica , Lourau se mostra uma espécie de Hegel-post-soixante-huitard:
Ah! Se o marxismo não se tivesse convertido em uma filosofia de Estado! (...) Se, de repente, o internacionalismo ativo tivesse rompido a hegemonia da forma estatal e, por conseguinte, de todas as formas sociais instituídas...! A análise institucional teria ficado no limbo de uma temporalidade paralela, por estar realizada numa temporalidade real. Porém, de fato, desde agosto de 14 (ou qualquer outra data que desejem escolher) não somos nós que estamos vivendo em uma temporalidade paralela, em um universo abortado (...) com relação à História maiúscula prometida ou prevista pelo cristianismo ou o marxismo?(idem:93)
Este é, porém, um texto algo tardio em relação ao período que ora focalizamos. Em 1969, Lourau defendera sua Tese de Estado, intitulada A análise institucional. O trabalho se divide em duas partes: a primeira percorre a história das teorias da instituição (na filosofia do direito, no marxismo e na sociologia), concluindo pelo caráter polissêmico, equívoco e problemático do conceito; a segunda avalia diferentes formas de intervenção (psicanalítica, psicossociológica e pedagógica), nas quais tal caráter é examinado em situação. A obra se encerra com uma exposição da socioanálise, método em vias de elaboração cujo objetivo é "analisar o material ocultado ou desfigurado pelos outros tipos de intervenção" (LOURAU, 1975: 143).
Tempos depois, Lourau avaliou sua tese como um trabalho frio sobre um assunto candente. Deve-se ter em conta que os socioanalistas apelidam "efeito quente e frio" a alternância de temperaturas nos sistemas sociais: nos períodos quentes, as sociedades atravessam fases de efervescência revolucionária e a Análise Institucional como atividade especializada é praticamente nula; nos frios, a mudança social passa por atividades de negociação, dentre as quais se incluem as consultas a analistas reconhecidos. Os socioanalistas supõem, contudo, que se possa intervir, através dessas mesmas consultas, objetivando esquentar períodos frios, a despeito da situação contraditória assim configurada. Neste sentido, nos anos imediatamente posteriores a 1968, Lourau está decidi do a esquentar um período que tantos outros procuram congelar: trata-se justamente da época em que proliferam as intervenções a pedido.
Antes de 68, os socioanalistas tinham realizado uma meia dúzia de intervenções experimentais, colagens entre uma psicossociologia no modelo da ARIP (Association pour la Recherche et lIntervention Psychossociologique) (24) e uma sociologia das organizações sob a influência de Van Bockstaele (25). Além das mais conhecidas, desenvolvidas na UNEF (1962-1964) e no Grupo de Técnicas educativas (1963), podem-se citar as ocorridas com grupos de jovens na cidade de Plozevet (1965), o seminário de Melun com uma associação de enfermeiras (1965) e as efetuadas em organismos cristãos, como o Centro Péguy de Tours (1967-1968) e a Paróquia Universitária de Hendaye (1967) (26). Na maior parte dessas situações, encomendas de conferências, seminários, formação psicossociológica ou animação cultural foram transformadas em dispositivos de intervenção/análise institucional.
A partir de 1969/70, todavia, multiplicam-se, na França e fora dela, encomendas explícitas de intervenção socioanalítica a tese de Lourau institucionalizara a expressão , principalmente por parte de estabelecimentos ou organizações que haviam experimentado, durante maio de 68, análises internas generalizadas, prescindindo da presença de especialistas. Podemos destacar as intervenções levadas a efeito na Universidade de Quebec, Montreal (1970) (27); no Centro Universitário de Cooperação Econômica de Nancy (1970); no CEFAR, um organismo belga de formação (1971); na Universidade de Louvain, Bélgica, com estudantes de sociologia (1972); no Brasil, em diversas organizações estudantis e estabelecimentos universitários (1972) (28); mais uma vez na Bélgica, a convite de Grupos de Intervenção Crítica (1973); em Poitiers, no Centro Protestante do Oeste (1973); na mesma cidade, com estudantes do Centro Regional de Formação em Carreiras Sociais (1974) (29).
Todas essas intervenções foram encomendadas ora a R. Lourau ora a G. Lapassade, e realizadas por algum deles em separado, ou por ambos. Com freqüência se incluíram outros interventores, pertencentes a algum dos GAIs criados, a partir de 68, em diversas cidades (Reims, Paris, Bruxelas, Dijon, Grenoble etc.). Não temos o intuito de detalhar o andamento de cada trabalho, mas sim o de realçar as direções então privilegiadas, quais sejam: o estabelecimento de um modelo de intervenção socioanalítica; uma preocupação especial com os problemas da encomenda e da demanda; a fixação de ba ses doutrinárias, destacando-se os conceitos de transversalidade e analisador, bem como a teorização dos efeitos e dos modos de ação.
Em 1971, Lourau e Lapassade publicam, em co-autoria, Chaves da Sociologia. Ali, diferenciam cuidadosamente a intervenção socioanalítica da psicossociológica ou organizacional, singularizando-a mediante algumas operações-chave: análise da encomenda e da demanda; autogestão pelo coletivo-cliente; regra do tudo-dizer ou livre expressão; elucidação das transversalidades; elaboração da contratransferência institucional; elucidação ou elaboração dos analisadores. Durante os anos imediatamente subseqüentes, cada uma dessas operações será objeto de controvérsia, acontecimento previsível se levarmos em conta a seguinte afirmação:
Os conceitos de encomenda, demanda e intervenção são antes de mais nada de origem sociológica. Os de livre expressão, transferência e contratransferência institucional provêm da psicanálise, da psicossociologia e da psicoterapia institucional, que encontrou, em Pavlov, o conceito de analisador (LOURAU e LAPASSADE, 1972:172).
Com apoio neste fragmento, seria fácil atribuir uma irremediável menoridade epistemológica à Análise Institucional socioanalítica. Afinal, reunir a psicossociologia à psicanálise, a p sicoterapia institucional a Pavlov e este último ao conceito guattariano de analisador não se afigura procedimento dos mais edificantes para os que privilegiam as cartas de nobreza do espírito científico. Mas, apaixonados pela dialética, os socioanalistas esforçam-se por praticar sínteses simultaneamente superadoras e conservadoras das séries conceituais com que operam. Em 1989, durante visita de Lourau ao Rio de Janeiro, um dos alunos do curso por ele ministrado na UFRJ assim manifestou sua surpresa com o procedimento: "Pensamento engraçado esse, que se alimenta de várias tendências para, em seguida, criticá-las uma a uma!". A nosso ver, este modo de teorização tanto é fator de produtividade como fonte de incompreensões para a socioanálise. Exploremos brevemente tal panorama.
Como dissemos, estabeleceu-se um modelo de intervenção socioanalítica, difundido através da edição e das cátedras universitárias. Quando da encomenda provinda de Montreal, por exemplo, foi um jovem psicólogo, aluno do Centro de Censier onde Lapassade lecionara sociologia em 1968-69 quem fez a sugestão ao secretário geral da Universidade de Quebec, o qual, por sua vez, a passou ao reitor, autor oficial do convite. Na chegada do socioanalista ao Canadá, assim lhe respondeu o secretário quando indagado a respeito dos motivos da encomenda: "Inteiramo-nos de que a análise institucional é um produto novo no mercado das ciências sociais"( apud LAPASSADE, 1981:132).
Para retratar a experiência, Lapassade escolhe um título kafkiano: "o agrimensor". Como o personagem de O Castelo, não sabe muito bem por que está ali, o que afinal querem dele. Tempos depois, mais do que sublinhar a indeterminação do pedido, virá a dizer que o objeto de uma análise institucional não é senão sua própria instauração ou instituição, isto é, o que institui a situação de intervenção: encomenda, demanda, contrato, tempo, dinheiro etc.
Como novo produto no mercado de bens de salvação, a Análise Institucional socioanalítica se vê instada a explicitar sua diferença frente aos concorrentes. Para tanto, torna-se indispensável clarificar, mais que um simples modelo de intervenção produto novo, técnica distinta , o próprio conceito de instituição e, inclusive, de instituição da análise institucional. Vale observar, em acréscimo, que a quase totalidade das encomendas provém de estabelecimentos de educação ou formação. Sobre a especificidade desta clientela, Lapassade levanta hipóteses: o ponto de partida da análise institucional socioanalítica reside na "formação" (seminários de dinâmica de grupo) e na pedagogia institucional (primeiras experiências de autogestão em Gennevilliers (30) e outros estabelecimentos de ensino); as obras têm difusão sobretudo em meio pedagógico, sendo freqüentemente incluídas nos programas de Ciências da Educação, mas não, ou apenas muito pouco, nos de sociologia ou psicologia (31); ideologicamente, os praticantes da Análise Institucional estão classificados (e quiçá encerrados) na esquerda marginal e contestatária, pelo valor que atribuem aos dissidentes ditos analisadores ; por sua vez, são geralmente esses dissidentes que originam as encomendas dos estabelecimentos (cf. LAPASSADE, 1981:140).
Através destas observações, vemo-nos mergulhados no campo dos conceitos de encomenda e demanda, onde, talvez mais do que em qualquer outro lugar, são sensíveis as conseqüências da pluralidade disciplinar: nas articulações entre os dois termos, pode-se encontrar desde a relação interpretativa (superficial/profundo) até a produtiva (territorialização/desvio). É fácil verificá-lo nos escritos da época. Em Chaves da Sociologia, afirmam os autores:
A análise da demanda compreende a encomenda oficial do "staff-cliente" (responsáveis da organização), a demanda implícita defasada em relação à encomenda ou escondida por trás dela, e a demanda do "grupo cliente" composto pelos membros e usuários da organização.(LOURAU e LAPASSADE, 1972:170)
No fragmento transcrito, a relação entre encomenda e demanda evoca seja algo latente a ser desvelado por uma espécie de leitura psicanalítica de estilo hermenêutico seja um nível grupal, supostamente livre e espontâneo, que representaria a verdade das organizações e burocracias. Algo inteiramente distinto, contudo, aparece na pena de Lourau em Sociólogo em tempo inteiro:
Um grupo de responsáveis que encomenda uma sessão (...) não tem os mesmos interesses, as mesmas estratégias que a base, a qual, em geral, não foi consultada e que não deseja (...), na maior parte das vezes, fazer apelo a um "especialista" para resolver seus problemas. Não se trata aqui de um nível profundo oposto a um nível manifesto, mas de dois campos em luta (...) a encomenda deve ser não só alargada, mas desviada"(LOURAU, 1979:30).
A linguagem torna-se outra, mais bélica que representativa: estratégias, campos em luta, desvios. A relação entre encomenda e demanda se vê circunstanciada pelo dispositivo socioanalítico de intervenção, em lugar de remeter a profundidades, verdades, sentidos ocultos e/ou níveis essencializados.
Problema análogo está presente na conceituação de transversalidade, termo tomado à Psicoterapia Institucional e, particularmente, a Felix Guattari. Vejamos a definição incluída em Chaves da Sociologia:
A elucidação da transversalidade das filiações positivas e negativas, das referências positivas ou negativas aos numerosos grupos, categorias, ideologias e outras particularidades vem negar a filiação comum à organização (...). A análise da transversalidade não pode senão se chocar contra resistências, reveladoras das relações que os atores mantêm com as instituições de sua transferência institucional (LOURAU e LAPASSADE, 1972:171).
A proximidade entre o conceito institucionalista de transversalidade e o psicanalítico de transferência faz com que o primeiro não difira significativamente de uma idéia ampliada do segundo, ou mesmo de um mero conjunto de transferências que, apesar de adjetivadas como institucionais, mais se aparentam a vínculos grupais e/ou organizacionais. Na pena de Lourau, entretanto, logo descobrimos ensaios mais originais:
No caso da intervenção socioanalítica, aquilo a que se chama "a análise" (institucional) reside em boa parte nesta (...) destotalização das totalizações parciais e alienadas colocadas sob o signo da verticalidade ou da horizontalidade, e a retotalização sempre inacabada (...) das relações transversais, inconscientes ou não sabidas ou desconhecidas, que são reveladas pela análise da encomenda e do pedido, a análise das implicações de cada um e do socioanalista, a perturbação do instituído pela autogestão da base material, sem esquecer a ação subterrânea ou espetacular dos analisadores (LOURAU, 1979:38-39).
O parágrafo nos mostra a maneira pela qual, ao longo da primeira metade dos anos 1970, não só a transversalidade como todos os conceitos socioanalíticos se deslocam dos campos de referência originários psicanalítico, pedagógico, psicoterápico, psicossociológico , passando a se articular ao próprio dispositivo de intervenção. Cada vez mais, tais conceitos se fazem artifícios em uma situação artificialmente instalada, cuja singularidade produz um novo campo de coerência: a transversalidade distancia-se da transferência de tipo clínico (dual ou grupal); a análise das implicações (32) afasta-se da análise da contratransferência-segredo-para-sessões-de-supervisão; em lugar de ideário político-ideológico, a autogestão se torna mito provocador, desvinculando-se, em acréscimo, da "associação livre" psicanalítica e da "livre expressão" não-diretivista (33); a ação dos analisadores marca todo o processo, passando a situação de intervenção enquanto tal a ser integralmente vista como um analisador construído.
Surgida entre 1962 e 1968 em meio às agitações dos meios estudantis e intelectuais época em que seus atores participam de experiências inovadoras nas escolas, liceus, agremiações políticas e profissionais , a Análise Institucional socioanalítica se defronta, na primeira metade dos anos 70, com uma situação paradoxal: tentando dignificar-se a olhares epistemológicos por um intenso trabalho de singularização do quadro conceitual, associado às intervenções a pedido, vê-se ameaçada, através do mesmo processo, de uma indesejável institucionalização. Sabe-se que trabalha com conceitos que não se confundem com os de outros tipos de intervenção, mas se pode encomendá-la como a qualquer outra atividade mercantil. Sabe-se que, com ela, a instituição não se confunde com o estabelecimento distinção facilitada pela temporária interrupção das análises internas (34) , mas, também por isso, cristaliza-se uma relação externa de clientela.
Em 1973, o número 29/30 da revista L'homme et la société faculta tomar ciência do modo como os socioanalistas apreendem este panorama. Levando em conta as lutas alternativas presentes no corpo social greves selvagens, anti-psiquiatria, deserção escolar e familiar, reivindicações de minorias etc..., René Lourau se mostra quase otimista: "Os analisadores naturais, os analisadores históricos, remetem o analista, reconhecido ou não, à lata de lixo das especialidades derrotadas"(LOURAU, 1977a:18). Lapassade, por seu turno, voltando os olhos mais para a análise sob encomenda (dita consultante) do que para a militante, faz um diagnóstico muito diferente:
(...) apesar do ruído feito em torno e a propósito da análise institucional, apesar de sua moda atual, não se avança muito. Porém se organizam "happenings" institucionais bastante bons, com clientes um pouco cúmplices e que preferem um happening, durante um fim de semana, à mudança (LAPASSADE,1977:207).
Lourau e Lapassade passam, conseqüentemente, a adotar estratégias díspares. Lourau insiste em acentuar o nexo entre análise institucional e questão política através de um trabalho teórico acerca dos efeitos, dos modos de ação e, em especial, dos analisadores. Já Lapassade esforça-se por combater os excessos verborrágicos ("parolistes") das intervenções socioanalíticas mediante uma aproximação com as teorias e técnicas corporais ligadas à bioenergética (35). Examinemos em grandes linhas os dois percursos.
Ferrenhos adversários da sociologia positivista, os socioanalistas preferem os efeitos às leis. Os efeitos são concebidos como formalizações de fenômenos recorrentes, que só se produzem/reproduzem em certas condições. Devem ser conhecidos não para que se os reverencie à maneira de uma legalidade positivista ("assim é...assim dever ser"), e sim para que se os possa analisar, combater ou favorecer no campo (da intervenção, da pesquisa, da escritura, do movimento social etc...). Havendo-se tornado freqüentes as intervenções por encomenda, é preciso lutar, em primeira instância, contra a mühlmanização. Por "efeito Mühlman *" (36) entende-se
o processo mediante o qual forças sociais marginais, minoritárias ou anônimas (...) se corporativizam, são reconhecidas pelo sistema das formas sociais já presentes. O instituído aceita o instituinte quando pode integrá-lo, quer dizer, torná-lo equivalente às formas já existentes (LOURAU, 1977a:15).
Ao Efeito Mühlman se agregam alguns outros, cada um recebendo o nome de um personagem, a saber: efeito Weber * quanto mais a sociedade é desenvolvida e racionalizada, mais se torna opaca aos indivíduos que a compõem; efeito Lukács * à medida que progride, a ciência esquece as bases materiais e sociais em que se origina, voltando as costas à totalidade; efeito Heisenberg (37) * as "relações de incerteza" estão inevitavelmente presentes no campo das ciências humanas, em função das implicações do analista com as instituições em análise.
A batalha relativa à efetuação de efeitos passa por múltiplas estratégias e, nesta linha, Lourau destaca a criação de contra-instituições. Apesar das contradições que as configuram, as intervenções por encomenda são concebidas como invenções, ainda que breves, de dispositivos contra-institucionais: instalam um tempo analítico-crítico que combate o " não saber social" veiculado por determinados efeitos institucionais. Ao mesmo tempo, caso a socioanálise seja pensada como prática militante generalizada, se verá incorporada aos movimentos utópico-ativos, que instauram alternativas concretas ao invés de se limitar à denúncia (38) do existente:
Diferentemente da ação não institucional que rechaça a via institucional oficial, mas não coloca diretamente o problema da prática nova (...) a ação contra-institucional coloca uma alternativa prática, uma exigência de deserção das instituições atuais e de colocação à prova hic et nunc das idéias que alimentam a crítica revolucionária (LOURAU, 1977a :28).
Mas é indubitavelmente o conceito de analisador aquele que melhor funciona como agenciador dos combates contra a institucionalização. As atenções de Lourau se tinham voltado para os analisadores naturais (39) já em sua Tese de Estado. Lapassade elevará o conceito a principal vetor da socioanálise em 1971, com L'analyseur et l'analiste coletânea de textos teóricos e de intervenção. Em Les analyseurs de l'église, Lourau o incluirá no conjunto de efeitos, batizando efeito analisador a emergência inesperada de desvios, delírios, lapsos e incoerências que reenviam ao conjunto da sociedade por constituírem "o reservatório de sentido recalcado pela estrutura social" (LOURAU, 1973:18). É perceptível o quanto o efeito analisador atua em contraposição aos efeitos Mühlman, Weber e Lukács: quando trazido à luz pelos agentes sociais, o primeiro favorece a análise e o movimento; os últimos, por sua vez, são efetuações de desconhecimento, recalcamento e cristalização que repudiam (ativamente) os analisadores.
Em L'analyseur et l'analiste, Lapassade associa o conceito de analisador ao próprio processo de conhecimento:
O conhecimento não é imediato. Passa pela intermediação de dispositivos analisadores. Pavlov dirá (...) que também o olho e o cérebro funcionam como ferramentas quase experimentais (...) O olho pensa. No transporte do conceito se produziu (...) um deslizamento de sentido. Nas ciências da natureza se entende por analisador um dispositivo construído pelo experimentalista (...) Aqueles de que fala o fisiologista - o olho, o cérebro - são, pelo contrário, analisadores naturais que funcionam segundo o modelo dos analisadores construídos: de modo, pois, que o analisador de laboratório passa a ser algo assim como um simulador dos analisadores corporais. Porém, em ambos os casos (...) a análise se efetua no analisador e através dele, que é, assim, uma máquina de decompor, seja natural, seja construída (LAPASSADE, 1979:17-18).
Ao seu estilo, Lapassade curto-circuita diferentes campos disciplinares, instalando-se no dispositivo ou artifício, na máquina, na decomposição da ordem presumida. No entanto, caso o abordemos historicamente, veremos que o conceito de analisador, a princípio físico e fisiológico, vem a se encontrar com o institucionalismo pelas mãos dos "psiquiatras pavlovianos" da primeira geração da Psicoterapia Institucional (40). Consumada a ruptura no seio deste movimento, o conceito ressurge na segunda geração na pena de Guattari, já desviado de sentido:
Será empregado para designar, simultaneamente, tanto na prática institucional como na teoria que a acompanha, analisadores naturais (o louco, em determinado momento, na clínica psiquiátrica) e analisadores construídos (a "grade" (41) que distribui as atividades do pessoal que atende no hospital) (idem:18).
A apropriação do conceito pelos socioanalistas redunda em novas derivas teóricas e políticas. Primeiramente, via um confronto entre o analista e o analisador, em que o segundo termo é privilegiado. Reelaborando um artigo originalmente redigido em 1950 A regra fundamental da psicanálise , Lapassade (1979a: 37-67) afirma que, contrariamente à opinião difundida, as mudanças porventura obtidas pela intervenção psicanalítica pouco devem à interpretação. São os analisadores construídos cerimonial da cura, instituição da relação transferencial que, a seu ver, fazem progredir qualquer processo analítico. Em seguida, uma série de técnicas psi testes, entrevistas, trabalhos grupais em psicoterapia e pedagogia são reinterpretadas na qualidade de dispositivos analisadores: catalisam ou precipitam (em um sentido quase químico) o que até então se encontrava disperso. Finalmente, as experimentações sociais de análise coletiva Comuna de Paris, autogestão espanhola dos anos 30, maio de 68 etc. são consideradas acontecimentos analisadores, verdadeiros laboratórios sociais que o dispositivo socioanalítico de intervenção a pedido simula nos períodos "frios" da história.
Por volta de 1973-1975, Lapassade procura pôr em cena a materialidade dos analisadores, aproximando cada vez mais suas elaborações/intervenções da questão do corpo. Eterno viajante, fascinado com as experiências de possessão presentes nos países africanos ou marcados por tal cultura Tunísia, Madagascar, Marrocos, Brasil (42) , empenha-se na produção de crises a frio, que deseja propiciadoras de efeitos de liberação semelhantes aos do transe coletivo. Para tanto, mescla grupos de encontro rogerianos, espontaneidade moreniana, provocações gestaltistas, terapias de ataque tipo Synanon * e recursos bionergéticos, temperando-os com a vertente contracultural do movimento do potencial humano.
O choque do transe, da contracultura, é talvez o que mais falta nas práticas institucionalistas das intervenções atuais (socioanálise). Estamos próximos da ideologia da contracultura sob certos aspectos (sobretudo sexualidade) (...) Mas a contracultura não passou às práticas, às técnicas, que continuam sendo técnicas de Assembléia, marcadas pela violência de um discurso (LAPASSADE, 1977:217).
Ao ver de Lapassade, a partir de 1962 se constata uma explosão do movimento ortodoxo da dinâmica de grupo: na França, em uma direção institucionalista, voltada para o político e o social; nos Estados Unidos (Califórnia), em uma direção expressionista, dirigida para o indivíduo, seu corpo e suas emoções. Em 1973, durante uma intervenção realizada em uma Associação de Conselheiros Conjugais de Marly-le-roy, descortina a possibilidade de unificar as duas correntes. Em meio a uma socioanálise que vê como demasiado "organizacional" plena de organogramas, especificação de funções, busca minuciosa de centros de poder etc. introduz alguns exercícios bioenergéticos em substituição ao manejo interpretativo: o grupo-cliente e os analistas gritam "não!" repetidas vezes, a partir das emoções do momento. Lapassade vê este ato como capaz de levar às últimas conseqüências o lema que julga primordial em Análise Institucional: "São os analisadores que fazem a análise" (LAPASSADE,1980:275). Todavia, parafraseando Kant, acrescenta:
A socioanálise sem o potencial humano é vazia; porém as técnicas do potencial humano sem a análise institucional são cegas (...) como todas as técnicas de psicoterapia, inclusive a psicanálise (...) Então, é preciso fazer a análise institucional da instituição "potencialista" e "expressionista"(idem:idem).
Sendo assim, Lapassade propõe uma linha de trabalho em que se aceita (e deseja) a presença material e analisadora do grito, do transe e da descarga emocional, mas se rejeita a ideologia do amor e da reconciliação, própria aos movimentos californianos. Paralelamente, a teorização se transforma, tendendo a uma linha próxima à desenvolvida por Deleuze e Guattari: em (e com) Reich, não há senão uma economia a libidinal ou desejante , inseparável da produtiva ou social, porque a ela imanente.
Em La bio-énergie, Lapassade reavalia algumas de suas definições anteriores de instituição, dizendo-as excessivamente presas à idéia de um inconsciente que, conquanto social e político, ainda seria pensado como representativo e passível de uma leitura hermenêutica (interpretação do não-dito institucional). Passa então a considerar instituinte a energia social-desejante livre e instituída a ligada, apreendendo a intervenção socioanalítica como instauradora de um dispositivo analisador que, mais do que uma "associação livre" ou "livre expressão", deve provocar uma liberação energética. Com isso, a socioanálise se faz "crise-análise" ou "transanálise" (cf. LAPASSADE, 1978:119-125).
Esta deriva dá início ao que J. Ardoino (1980:18) denomina cisão entre uma tendência estético-sociológica vertente Lourau, ênfase nos analisadores sociais e uma tendência político-existencial vertente Lapassade, intervenções que implicam o corpo e o desejo. Para usar uma terminologia hegeliana cara aos dois socioanalistas, diríamos que cada um deles encontra no contexto sócio-histórico de então a realização de sua profecia: Lapassade a entrevê nos movimentos político-desejantes das minorias (antipsiquiatria, antipedagogia, liberação homossexual); Lourau, nos acontecimentos da fábrica Lip, que passamos a examinar.
Um novo tempo?
A fábrica de relógios Lip sempre parecera um imutável patrimônio francês: na Rádio Luxemburgo soava "Lip!" de hora em hora. Pouco a pouco, no entanto, em outras emissoras passam a tiquetaquear o Timex (made in USA) e o Seiko (made in Japan). Em 1973, alegando queda nos lucros, Fred Lip já cedera um terço de seu capital. Falta pouco, portanto, para que os suíços se tornem acionistas majoritários, desejosos que estão de rivalizar no mercado com americanos e japoneses. Há apenas um empecilho: os trabalhadores vigiam atentamente o processo. Nessas circunstâncias, o grupo Ebauches S.A., do qual a fábrica depende, assume provisoriamente a administração a fim de dar tempo ao tempo, procurando esvaziar, pelo cansaço, inquietações e agitações.
Enquanto as centrais sindicais reprovam a greve deflagrada em abril, Jean Raguenès & padre dominicano há três anos "estabelecido"(43) na Lip suscita a criação de um comitê de defesa, logo apelidado comitê de ação: a partir dos quatro participantes iniciais, faz conexões múltiplas e se expande à maneira de um inconsciente deleuze-guattariano. Ao mesmo tempo, prosseguem as formas tradicionais de luta: centrais sindicais batem à porta do Estado, operários reduzem cadências de trabalho, manifestantes se reúnem na praça. Nada acontece: os trabalhadores continuam ignorando o que os espera, embora temam demissões em massa.
Quando, à saída de uma Assembléia Geral, descobrem nos escritórios da administração que a verdade é pior do que imaginavam existem fichas de informação sobre operários suspeitos, prepara-se um futuro bloqueio de salários e o fim da escala móvel , a reação não demora. Em junho, a fábrica é ocupada e Charles Piaget &, sindicalista da CFDT, escolhido como administrador selvagem.
Os trabalhadores invadem o que especialistas em relojoaria chamam câmara fria e de lá retiram 25.000 aparelhos prontos, transferindo-os, qual reféns, para um lugar seguro. Ao mesmo tempo, apropriando-se de peças isoladas, capacitam-se a montar mais 32.000 relógios. Em Besançon, começam a ser saudados como heróis, "os Lip". Charles Piaget e Jean Raguenès &, ligados a círculos católicos progressistas, ocupam as igrejas com sua novíssima classe operária, que autogere a fábrica, a venda e os rendimentos. "É possível: nós fabricamos, nós vendemos, nós nos pagamos" clama seu lema (cf. HAMON e ROTMAN, 1988:515). Diariamente se realizam assembléias gerais onde a palavra é livre, decisória e franqueada a sindicalizados e não sindicalizados.
No começo de agosto, uma distribuição selvagem de salários mantém os rendimentos diferenciados que eram percebidos antes do começo do movimento, embora o comitê de ação tivesse lutado para que se oferecesse a todos o mesmo montante (1500 francos). Não obstante as disputas entre centrais sindicais dificultem o desencadeamento de ações resolutamente contra-institucionais, os acontecimentos são contagiantes: operários de uma fábrica de roupas em processo de falência põem as máquinas a funcionar e se dispõem a trocar duas calças por um relógio; o congresso do Partido Socialista, em Grenoble, compra 200.000 francos em produtos "Lip".
Nem tudo é dinheiro, porém, nesta aventura contra-institucional. Um episódio particular desvela uma situação em que a axiomática do capital, ainda que momentaneamente, perde seu domínio:
A mais bela peripécia do período é decerto a escapada a Besançon de um comerciante vindo do Kuwait, Mohamed Saatchi &. Ele desembarca de improviso na cantina e propõe o pagamento cash de trinta mil relógios - o dinheiro está lá, dentro de uma maleta. Depois de deliberar, os Lip recusam. Os relógios, eles os querem vendem um a um, diretamente, porque somente assim se podem difundir os objetivos que simbolizam.(HAMON e ROTMAN, 1988:517)
Mas estamos em 1973, ano em que, como vimos anteriormente, as forças da ordem odeiam, mais do que tudo, a expansão da vida. Assim, na madrugada de 14 de agosto, 3.000 policiais vindos de Paris caçam a equipe de guarda da Lip, formada por cinqüenta grevistas sonolentos. Às três da tarde, as 10.000 pessoas concentradas em protesto nas ruas de Besançon provam que a máxima "tempo é dinheiro" pode ser derrotada quando se difundem objetivos um a um (mesmo que sob a forma de relógios). Alguns dias depois, Georges Pompidou tenta & ignorar o adversário, declarando: "Lip não interessa senão aos intelectuais de esquerda"(cf. HAMON e ROTMAN, 1988:518). A não ser que uma maré erudita e sinistra tenha percorrido a população da França, ou que os institutos de pesquisa tenham invertido radicalmente suas tendenciosidades, o presidente se equivoca seriamente: em setembro, uma pesquisa anuncia que Lip é o acontecimento mais importante do ano para 50% dos franceses.
Desalojados da fábrica, em lugar de passar às chorosas manifestações pelo fim de mais uma esperança, "os Lip" se instalam num ginásio cedido pela municipalidade, dele fazem atelier clandestino e retomam a produção, sob o lema: "A fábrica está onde estão os trabalhadores" (idem:519).
A frase ecoa nos campos e logo operários, ecologistas e camponeses estarão juntos em manifestações nas quais o tradicional "J'accuse" (44) denuncia neo-colonialismos estatais, conforme as palavras de um viticultor do grupo Luta Ocitânea:
Acuso o estado francês de ocupar nosso país, implantando por toda parte zonas militares (...), de utilizar o modernismo, a técnica, (...) a fim de aniquilar e escravizar os trabalhadores da terra (...), de liquidar a classe operária ocitânea. Ele fecha as fábricas existentes, expede nossas matérias primas para o Norte sem tratamento (...) Acuso o estado francês de dividir os trabalhadores divulgando mentiras na imprensa e televisão (...), de genocídio cultural do povo ocitâneo, chamando a língua de dialeto e ocultando sua história.(apud HAMON e ROTMAN, 1988:523)
O autonomista ocitâneo René Lourau não poderia ficar indiferente. Em 1974 publica L'Analiseur Lip, exaltando o acontecimento como ação exemplar dentro do projeto sociológico-político-estético de uma análise institucional generalizada. O livro é uma exigência: qual maio de 68, Lip vem sendo vampirizado pelas agremiações políticas, que tentam torná-lo objeto de alguma forma de violência interpretativa. Para tanto, nada melhor do que aparentá-lo a maio de 68, dizendo-o festa imotivada sem tomada da Bastilha, a ser posta na trilha correta por alguma união eleitoral (eleitoreira, diríamos) de esquerda. A conclusão de Lourau é radicalmente distinta.
(...) se a palavra de ordem "Lip por toda parte" parece prematura a alguns, que nos seja permitido sublinhar (...) uma outra "lição" indiscutível do caso: aquilo que, não atingindo diretamente "no centro" o sistema político-econômico mundial, o revela em sua nudez e acelera seu desaparecimento, é o fato de não se fazer nada daquiloo que o sistema espera (inclusive suas instituições indispensáveis que são os partidos e os sindicatos). (...) Nada fazer que possa entrar, a título de representação nova ou antiga, dentro do sistema. Ou seja: abandone tudo... o que você pode abandonar sem que sejam abandonadas as suas possibilidades de gozar e sobreviver.(LOURAU, 1974:181-182)
Lip detona um novo começo e anuncia um começo de fim: começo (ou re-começo) do revolucionamento contra-institucional da vida cotidiana; começo de fim do revolucionarismo tendencial-teleológico, mesmo que extra-oficial. Não que venha sozinho nessas duas séries, mas, qual um relógio, lhes marca o tempo. Em 1972, os maoístas tinham visto surgir seu mártir indesejado: Pierre Overney &, jovem operário de recentes simpatias "chinesas", fora estupidamente morto a tiros por um segurança da Renault-Billancourt. Em represália, o recém-nascido (e natimorto) Grupo Pierre Overney de Resistência Popular raptara R. Nogrette @, chefe de relações sociais da empresa. A porta do terrorismo estava aberta, como resposta às medidas repressivas cada vez mais descabidas. Entretanto, os maos não ultrapassam o umbral; em poucos dias o burocrata é solto, acompanhado de um comunicado:
Não é nossa função decidir o momento em que será necessário começar a exterminar o inimigo de classe, mas ao povo, apenas ao povo. Nosso papel é simples: mostrar ao povo que não há terror que não possa ser combatido (apud HAMON e ROTMAN, 1988:414).
Sendo do povo a causa, não cabe aos grupúsculos fazer justiça com as próprias mãos. Tampouco a justiça popular parece dotada da transparência que termos tão simples levam a supor. Coincidindo com o momento do assassinato de Overney, Les Temps Modernes publica um diálogo entre Michel Foucault e Pierre Victor & (pseudônimo de Benny Lévy &), um dos líderes da Gauche Prolétarienne. O maoísta defende a criação de tribunais populares para julgar crimes praticados pela polícia ou pela burguesia, invariavelmente inocentados pelos tribunais burgueses. Mas enquanto Victor exalta as virtudes revolucionárias do Exército Vermelho e das instâncias chinesas de jurisdição, Foucault põe em análise a forma tribunal, hipotetizando que ela não seja uma natural expressão da justiça do povo, tendo por função, ao contrário, "reduzi-la, dominá-la, sufocá-la, reinscrevê-la no interior de instituições características do aparelho de Estado"(FOUCAULT, 1979:39).
A despeito desta preciosa ontologia do presente, os maos exigem "justiça popular" durante todo o ano de 1972 para um crime ocorrido em Bruay-en-Artois: uma jovem humilde de 16 anos fora assassinada à noite em um terreno baldio, sendo um notário chamado Leroy o primeiro suspeito *. A moça é filha de operários; Leroy, um burguês. Segundo La cause du peuple, em um texto não assinado, "só um burguês podia ter feito isto" (cf. ERIBON, 1990:230). O artigo é de um realismo (socialista) digno @dos tempos stalinistas. A partir dele, a unidade mao começa a se esvair. Na reunião do comitê de redação, Jean-Pierre Le Dantec & exige os nomes dos que redigiram tantas tolices, e o consegue: vão de um "operário-modelo" (Joseph Tournel &) a uma aprendiz de jornalista (Danielle *), passando por um professor de filosofia (F. Ewald @), tudo aprovado por Serge July &, o chefe regional. Após violenta polêmica, Le Dantec se retira do grupo e da publicação. Em agosto, P. Gavi @ faz a crítica pública da imprensa gauchista em Les Temps Modernes, transformando a afirmação anterior em pergunta ("Só um burguês podia ter feito isso?) e substituindo a vulgata pela análise do cotidiano: "Não se trata de politizar o fait divers, mas de mostrar como, em 1972, o fait divers é necessariamente político"(apud LAVENTURE DES IDÉES, 1988:91).
A frase é lúcida, mas o mundo oscila. No mês seguinte, o terrorismo internacional está lançado: nos jogos olímpicos de Munique, onze israelenses são executados por um comando palestino. Justiça popular? Politização do comum? Midiatização do político? Um ano depois, La Cause du Peuple lança seu último número, dois dias após o assassinato do presidente socialista chileno Salvador Allende. Sendo o cotidiano indubitavelmente político, haverá possibilidade de fazer frente à ferocidade com que este político se exerce sem recorrer às mesmas armas?
Os gauchismos não sabem ainda se sim ou se não, mas o estado francês não parece preocupar-se com questões analíticas: em junho de 1973, sob o pretexto da ocorrência de alguns atentados contra cafés freqüentados por trabalhadores norte-africanos, dissolve não apenas Ordre Nouveau a organização fascista que os promovera como o grupo trotskista LCR,* verdadeiro alvo da medida. Os maos da GP antecipam-se ao golpe do estado: não há motivos para optar entre o sim e o não quando se percebem ultrapassados pelo que apelidam "bando de católicos" da Lip. O & mais perturbador é que esses católicos "tomam de empréstimo vias estranhas à ala CGTista do mundo operário (referência única da G.P.) e, no entanto, mais audaciosas: escolhem a ilegalidade sem afrontar o Estado, encorajam a espontaneidade sem cassar o aparelho sindical"(Maurice Clavel, apud HAMON e ROTMAN, 1988:529-530). Em face desta terceira via de ação política, os membros da G.P., que aparentemente só conhecem duas (a russa e a chinesa), optam pela autodissolução. O manifesto é publicado em janeiro de 1974 nos Cahiers prolétariens: "Toda organização deve aprender constantemente a morrer, a recusar-se a perseverar em seu ser, quando está em desacordo com as exigências do movimento de massa" (apud LOURAU, 1980:191).
A deserção do gauchismo tendencial se dá suavemente, timidamente mesmo, deixando a definição do caminho da Verdade às invenções da história. Posteriormente muitos tentaram, sem sucesso, definir por que as coisas se passaram assim. Certo apenas é que as táticas dos comandos palestinos de Munique, das Brigadas Vermelhas italianas ou as que o Bando de Baader levava a efeito na Alemanha não ganharam a adesão dos revolucionários franceses.
Poderíamos encerrar o período aqui, delimitando-o pelo fim dos profetas ou da escatologia histórica. Optamos, no entanto, por enfatizar um marco de ressonâncias midiático-internacionais ligado a um livro e um personagem. Até o final de 1973, apenas os conhecedores da língua russa podem ter acesso a O Arquipélago Gulag. Nessas circunstâncias, os esquerdistas menos poliglotas acompanham a expulsão de Soljenitsyne * da URSS, em fevereiro de 1974, como mera repetição do passado, indigna de atenções maiores, e logo se entusiasmam com a Revolução dos Cravos portuguesa liderada pelos capitães ou com a queda da ditadura dos coronéis gregos. Além do mais, a equipe da revista Tel Quel (P.Sollers *, J. Kristeva *, R. Barthes e * F. Wahl @) acaba de regressar quase unanimemente encantada da China, a celebrar um socialismo finalmente sem Deus e sem Homem. Porém F. Wahl, voz dissidente entre os telquelistas, já não parece seguro de que "só um burguês" possa cometer erros: A China sem utopia é o título, por si só revelador, do artigo que publica em Le Monde.
Dissonâncias e ressonâncias serão incontroláveis a partir de julho, mês em que a Editora Seuil faculta visitar, em língua francesa, as ilhas do arquipélago soviético (45). A situação difere da que caracterizara o pós-guerra: em 1974, não é que não se saiba dos crimes do stalinismo, denunciados à exaustão. Os próprios comunistas-anti-stalinistas tanto sabem que definem sua originalidade política exatamente por este saber e por dele falar. Mas não o dizem assim, com esta banalidade, este horror cotidiano feito literatura:
Em uma casa que conheço, onde vivem velhos Z/K, observa-se o seguinte ritual: em 5 de março, dia da morte do Assassino em chefe, dispõem-se sobre as mesas as fotos das vítimas, fuziladas ou mortas nos campos, algumas dezenas, aquelas que se conseguiu reunir. Durante todo o dia, reina na casa uma atmosfera solene, como em uma igreja ou museu. Ao som de uma música fúnebre, os amigos vêm olhar as fotos em silêncio: eles escutam, falam-se em voz baixa e depois se vão sem formalidades...(SOLJENITSYNE, 1974:316).
À página seguinte, os crimes de Stalin, que na França se tinham tornado quase-conceitos, ganham rosto e nome: Elizabeth Ievguenievna Anitchkova &, Victor Petrovitch Pokrovski &, Alexandre Andreïvitch Svetchine & etc. Sabe-se, pois, de uma nova maneira na pena deste Soljenitsyne que Hamon e Rotman (1988: 568) apelidam "barqueiro de sombras". Passa-se a possuir uma certeza que nem mesmo os trabalhos eruditos de filosofia política tinham conseguido instaurar: a de que a reviravolta que lança o marxismo contra o povo é mais do que uma ocasional desventura da dialética na URSS. Faz-se prioritário indagar, como o fará Foucault, se o sonho revolucionário da libertação total não poderia ser, no fundo, um sonho bárbaro. Ou, numa linguagem deleuze-guattariana, se acaso não estará instalado um Comitê Central-em-nós. Ou ainda, acompanhando Lourau, se todo e qualquer Estado não tem por efeito a gulaguização dos analisadores sociais.
Considerações (e efeitos) finais
Nem sempre o conceito de efeito tem recebido a devida atenção por parte dos estudiosos e praticantes da Análise Institucional. Talvez porque seu emprego esteja eventualmente acompanhado de um tom brincalhão e por ser bastante receptivo a inventividades de ocasião, é a ferramenta sobre a qual menos se tem trabalhado teoricamente: ao que parece, sequer entre os institucionalistas é fácil admitir que o riso, a criação e o rigor sejam compatíveis.
A reconstituição histórica que acabamos de empreender poderia, no entanto, ser posta sem receios sob a égide do conceito de efeito. Caso contrário, como compreender que a cada particular configuração de forças os analistas institucionais se ponham a produzir escritos, a alterar conceituações, a modificar modos de intervenção, a construir dispositivos, a instaurar aproximações e/ou afastamentos entre práticas ou entre saberes? Se as configurações recém-mencionadas não fossem igualmente efeitos melhor dizendo, efetuações , essa intensa atividade (simultaneamente teórica, prática e política) seria, aprioristicamente, inútil e despropositada. Apenas porque são, sem dúvida, efeitos, e por serem os efeitos contingências (repetidas e reforçadas), é que se pode pensar em lhes agregar elementos de intensificação ou, ao contrário, em sobre eles tentar exercer contra-efetuações. Por conseguinte, uma história pensada como história das lutas é igualmente uma narrativa de efeitos.
Contudo, se tem sido raro o trabalho teórico sobre o conceito, não param de se multiplicar, ao mesmo tempo, os efeitos ideados pelos analistas institucionais. Em uma pequena obra de síntese, Hess e Savoye (1993: 78-83) reportam, além dos tradicionais já abordados no presente artigo , os efeitos Goody * (modo como o contexto da justificação determina, a partir do futuro, o da d escoberta), Lapassade ou Al Capone (relação direta entre a complexidade técnica de uma instituição e a inventividade dos usuários para contorná-la), Barbier * ou Ben Barka * (ignorar o adversário, fazendo-o desaparecer, como maneira de desqualificá-lo teórica e/ou politicamente), Basaglia * (tendência das sociedades atuais a rejeitar para a periferia social camadas crescentes da população), Lefebvre (o estatismo como forma social mundializada) e Guizot * (relação entre a competência das instituições científicas e a conjuntura político-social).
Também nós gostaríamos de propor mais um, o Efeito Lourau, emprestando-lhe dupla conotação. A primeira é mais clássica se o termo não ofende os analistas institucionais e remete ao permanente esforço, na trajetória da AI, para acentuar o nexo entre gênese teórica e gênese social esforço do qual René Lourau foi, decerto, o mais ardente promotor. Acompanhando a tendência a definir efeitos em termos análogos a funções, sugerimos a seguinte formulação: "quanto maior a preservação de tal nexo, menor o risco de que um pensamento ou prática se torne mera técnica a consumir no mercado capitalistico". Neste mesmo sentido, evocamos uma brilhante frase de efeito: "Os analisadores não vêm a nosso encontro somente nos momentos e lugares onde somos instituídos especialistas da Análise Institucional, e sim ao longo de nossos dias e noites brancos ou negros "(LOURAU, 1977a: 19).
A expressão "frase de efeito" não porta intenções críticas. Em um artigo recente, também Gilles Monceau (2003) fala de um Efeito Lourau, apontando, com isso, a algo análogo a um passe ou chute de efeito, como dizemos no jargão futebolístico. Ou seja, pela expressão designa e o acompanhamos, em nossa segunda conotação a singular trajetória (quanto a teorização, ação cotidiana e escritura) de René Lourau, capaz de contagiar, qual fazem os ases da bola com companheiros de equipe e torcedores. Deste sentido do conceito de efeito fala novamente a história construída no presente trabalho: permanente imposição de um desvio ou curvatura àquilo que normalmente fazemos como intelectuais, tornando visível um aquém (ou além) das práticas especializadas.
As lágrimas derramadas por Basaglia e a presença, mesmo limitada, da Análise Institucional nos cursos de formação de psicólogos no Brasil (com sua ainda tímida associação ao movimento da Reforma Psiquiátrica) são testemunhas da presença desta folha seca (46), bem como do sentido anterior, mais clássico, do recém-batizado Efeito Lourau: sabendo que nossas disciplinas se enraízam nos movimentos sociais, que os analisadores nem sempre estão sob a égide de nossas teorias e técnicas e que podemos imprimir algum efeito especial a nossas intervenções em situação, ainda nos cabe aspirar à criação de contra-instituições de análise coletiva, generalizada , mesmo num mundo que se deseja o do pensamento único.
A Análise Institucional insiste em se fazer ouvir em nossa formação: incorporar o Efeito Lourau a nossa ferramentaria quiçá nos possa ajudar a efetuar um desvio quanto aos limites que a cerceiam. Tentei contribuir aqui com um pedaço tão significativo da história da A.I. francesa, no intuito de exibir as inegáveis conexões entre as formas assumidas por ação, intervenção, teorização e escritura, e o diagnóstico do presente. Pois se a Análise Institucional é, inclusive, intervenção por encomenda, tal marca se liga a certo tempo. Caso o ignoremos, corremos o risco de fazer, de uma simples contingência, um restritivo contratempo.
Sendo assim, creio que nada melhor, para finalizar, do que evocar mais uma frase de (e do) efeito. No título de uma intervenção por encomenda na área de saúde mental, René Lourau (1992), enfaticamente, proclama: "A Psiquiatria,....isso se cura!".
Notas
1. Em nossa dissertação de mestrado (Rodrigues, 1994), para periodizar os regimes de verdade, poder e subjetivação que caracterizaram o panorama intelectual francês a partir do pós-guerra, estabelecemos os seguintes marcos: Do "Efeito Stalingrado" à "ruína das plantações do escritor" (1944/45-1956); De "quando Bandung substituiu Billancourt" à "Grande Recusa" (1955/56-1968); Do "Maio feito Mao" ao "Gulag" (1968-1974); Do "arrependimento" ao "triunfo da rosa" (1974-1981); Os "anos de inverno" (1981-....).
2. Em uma perspectiva apoiada em Foucault e Deleuze, designamos por acontecimento algo bem distinto do fato das histórias positivistas: o conceito remete a momentos em que forças sociais se revertem, configurando novos regimes (de saber, prática e subjetivação).
3. Winock (1977:349-351) destaca: os defensores da autogestão pela base; a constelação trotskista [Liga Comunista Revolucionária (LCR), Associação da Juventude Socialista (AJS) e Luta Operária]; a constelação maoísta [Gauche Prolétarienne (G.P.), com o jornal La cause du peuple; Vive la Révolution (VLR), com o jornal Tout! e o mais ortodoxo Partido Comunista Marxista Leninista Francês (PCMLF)].
4. Em 1956, Guy Mollet fizera aprovar poderes especiais, dando às forças armadas direitos ditatoriais sobre a Argélia.
5. Quando se iniciou a guerra de descolonização (1954), F. Mitterrand, então ministro do governo, defendeu enfaticamente a tese da "Argélia Francesa".
6. Por quotidianismo (termo ligado às idéias de Henri Lefebvre), designamos lutas pela efetivação imediata de mudanças no dia-a-dia, através da ação direta.
7. Não acreditemos mais nos amanhãs que cantam / Mudemos a vida aqui e agora.
8. Padre demissionário, atuante no México (Cuernavaca). Publicou, à época, Une société sans écoles (Seuil, 1971), defendendo a realização da educação via supressão da instituição escolar.
9. Herdeira da desconfessionalização da Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos, constitui central sindical alternativa à Confederação Geral do Trabalho (CGT), de hegemonia comunista.
10. Criado em 1960, o PSU se apresentava então como nova esquerda socialista, desvinculada das posições da SFIO quanto à Argélia e ardente defensora da autogestão.
11. Designação-síntese do prestígio adquirido pelos partidos comunistas após a Segunda Guerra Mundial, em função dos êxitos dos soviéticos durante aquele conflito. Na França, tal efeito foi reforçado pela participação maciça de membros do PCF na resistência à ocupação nazista.
12. Por teoria (ou Teoria), referimo-nos ao ideário estruturalista..
13. Fala de Lacan no seminário realizado em Vincennes (agosto de 1969), em resposta às provocações dos estudantes (apud DOSSE, 1992:193).
14. Para um detalhamento dos espaços de luta não acatados em maio de 68 prisioneiros de direito comum, drogados, delinqüentes, psiquiatrizados , ver Guattari, 1981.
15. Libération começa a vir a público em 1973 e, no ano seguinte, passa a funcionar autogestionariamente: todo o poder à Assembléia Geral; autofinanciamento; salário idêntico para toda a equipe, dos trabalhadores manuais aos jornalistas.
16. Para apreciar trabalhos do CERFI nesta linha, consultar Guattari et al., 1978.
17. Ao longo de sua trajetória filosófica, Deleuze adverte repetidas vezes que os conceitos devem ser circunstanciados: dotados de uma geografia, um clima, uma data, personagens etc. Já Guattari, levando Sartre ao limite, gosta de dizer que "a consistência precede a existência". A respeito consultar, respectivamente, Deleuze e Guattari (1992) e Guattari (1981a).
18. Em Apresentação de Sacher-Masoch (1967) e Lógica do sentido (1969), Deleuze elaborara análises que, embora não integralmente conformes à Psicanálise, poderiam conciliar-se com ela.
19. Título inspirado, à maneira de simulacro, em Morgan.
20. Estabelecimento privado criado em 1953 por Jean Oury (em Cours Cheverny), no prolongamento das experiências psiquiátricas liberalizantes desenvolvidas em Saint Alban durante a Segunda Guerra Mundial. Guattari foi colaborador de La Borde durante toda a vida.
21. A partir de 1960, a setorização tornou-se a política oficial no campo da saúde mental francesa. Consiste em uma divisão do território em espaços geográfico-administrativos, dotados de um conjunto completo de dispositivos de atenção (da prevenção à reabilitação).
22. La Borde permanece tributária da tradição psiquiátrica da Psicoterapia Institucional. Embora se humanizem as relações, conservam-se a nosografia clássica e os tratamentos tradicionais (do eletrochoque à psicoterapia).
23. O governo francês passou a implantar medidas extremamente duras contra os grupúsculos políticos, destacando-se a Lei Anticasseurs: restrição ao direito de reunião, responsabilizando os organizadores caso as manifestações redundassem em danos de qualquer espécie.
24. Uma das associações de psicossociologia criadas na França nos anos 1950.
25. Criador do termo socioanálise, animou um centro sociológico de pesquisa e intervenção que visava a combater os excessos de intimismo-psicologismo das práticas grupais.
26. Para um relato dessas primeiras intervenções, ver Lapassade, 1981; no que tange às desenvolvidas em meio cristão, consultar Lourau, 1973.
27. Sobre esta intervenção, ver Lapassade, 1971.
28. Para uma apreciação da presença de Lapassade no Brasil, consultar Lapassade, 1974; Revista de Cultura Vozes, maio de 1973; Rodrigues et al., 2000.
29. Com exceção das já referidas, as demais intervenções podem ser encontradas em Lourau, 1979.
30. Na escola de Gennevilliers, ao início dos anos 1960, Ramon Fonvieille trabalhava como professor de turmas de adolescentes. Nelas instaurou o dispositivo conselho, pelo qual se auto-gestionavam todas as atividades da classe. Acerca da experiência, ver Fonvieille, 1988.
31. A situação não é muito diferente no Brasil. Nos cursos de psicologia, por exemplo, a Análise Institucional só recebe destaque maior nas cadeiras de Psicologia Escolar.
32. O deslocamento da contratransferência institucional à análise das implicações tem matizes situacionais e conceituais. Na contratransferência, mesmo adjetivada como institucional, trata-se de analisar em segredo situações de supervisão, avaliação etc. o modo como o analista se vincula aos sujeitos, grupos e organizações com os quais trabalha. Na análise das implicações, trata-se da análise pública efetivada no próprio campo de intervenção dos vínculos que tanto analistas quanto participantes mantêm com as instituições em jogo (dinheiro, tempo, saber, comunidade científica, Estado, a própria análise institucional etc.). Por este motivo, uma análise das implicações generalizada deriva na idéia de transversalidade: rompe-se a ilusão de totalidade fechada; ninguém mais é apenas o que parece ser membro de um grupo, de uma organização etc.
33. No processo de transformação da autogestão de ideário em mito provocador, a autogestão do pagamento dos analistas emerge como elemento fundamental. No processo de artificialização, é articulada à construção do analisador D (Dinheiro): decisão coletiva acerca de quem paga, quanto paga, como o faz e com base em que campos de análise do valor.
34. A distinção entre análise interna conduzida por alguém que pertence a um estabelecimento ou organização e externa efetuada por um interventor vindo "de fora" tem sentidos diversos conforme a encaremos via história das idéias ou via história institucional. No primeiro caso, trata-se de um equívoco teórico: ninguém está fora das instituições, por mais "externo" que seja a um estabelecimento ou organização. No segundo, remete às diferenças de poder de provocação que a análise institucional teve (e tem), em cada um dos casos, em diferentes momentos históricos.
35. Em 1974, Lapassade publicará La bio-énergie; em 1975, Socioanalyse et potentiel humain.
36. A idéia deste efeito a institucionalização como função do fracasso da profecia foi tomada por Lourau a Mühlman, W. @ - Messianismes révolutionaires du tiers monde (Paris: Gallimard, 1968) e articulada ao princípio de equivalência. Este último foi proclamado pela Revolução Francesa no campo do direito e das trocas (a mesma lei para todas as províncias, as mesmas medidas de comprimento, peso etc...) e por Marx * no da economia (o dinheiro como equivalente geral de toda mercadoria e a mercadoria como equivalente geral de toda relação capitalista).
37. W. K. Heisenberg formulou, em 1927, o "princípio da incerteza" em Física: estando as partículas afetadas de um componente de posição e outro de movimento, quanto mais se tenta conhecer com precisão um dos componentes, mais o outro se torna difícil de apreender. A limitação não decorre da imprecisão dos instrumentos, mas da interação entre um objeto quântico (a partícula) e um macroscópico (o dispositivo de mensuração). Sendo assim, só há conhecimento no interior de um desarranjo, de uma perturbação (cf. Hess e Savoye, 1993:78).
38. Lourau distingue os modos de ação institucional (práticas que se integram ao funcionamento do instituído e o reforçam) e antiinstitucional. O modo antiinstitucional pode configurar-se como não institucional (unicamente transgressivo, denunciador, quanto ao instituído) ou contra-institucional (experiências concretas, levadas ao campo da ação cotidiana, de transformação da vida coletiva).
39. Em A análise institucional, R. Lourau identifica três tipos de dissidentes, atípicos ou desviantes que funcionam, nas organizações, como analisadores naturais: o ideológico, o libidinal e o organizacional. Cita a criança, a mulher, o doente, o velho e o louco como analisadores naturais que nos falam de separações instituídas pelo sistema social, arbitrariamente promovidas a normas inquestionáveis da ação. O adjetivo natural não remete a qualquer natureza última, pois todo analisador é sócio-histórico: natural se define por oposição a construído. O analisador natural vem ao encontro da situação sem ser intencionalmente proposto ou controlado, enquanto o construído é um dispositivo artificialmente instalado.
40. Segundo Castel (1978), a hegemonia alcançada pela segunda geração da Psicoterapia Institucional (psicanalítico-lacaniana) não nos deve levar a omitir a existência da primeira geração (eclética, mas predominantemente comunista, em função da ativa presença de psiquiatras que eram membros do PCF).
41. A "grade" é uma tabela de dupla entrada tempo e qualificações criada para dar conta das tarefas em revezamento, compatibilizando atividades de tratamento, animação e relativas à vida cotidiana. Combate o estabelecimento de chefias ou gerências, bem como a cristalização das divisões técnica e social do trabalho.
42. Consultar Lapassade e Luz, 1973; Lapassade, 1970.
43. "Estabelecer-se" junto à classe operária é uma das estratégias de ação muito usadas, à época, pelas organizações cristãs de esquerda e por alguns grupos maoístas. Consiste em assumir as condições de vida e de trabalho daquela classe.
44. Título da famosa carta aberta de Émile Zola, publicada em LAurore (1898), questionando o governo francês pela condenação do capitão Alfred Dreyfus por espionagem.
45. Soljenitsyne, A. - L'Arquipel du goulag. Essai d'investigation littéraire 1918-1956, vol. 1. O segundo tomo será publicado em dezembro de 1974.
46. Denominação atribuída ao chute de curva de Didi, famoso jogador de futebol brasileiro.
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