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Freud introduz o conceito de pulsão em seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Sobre ela, ele escreve: "Por pulsão podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do estímulo, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes endossomáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico." (Freud, 1905)
Nesta primeira definição, Freud coloca a pulsão como sendo o representante psíquico, e não como tendo um representante. Sabe-se que esta conceituação vai mudar em 1920 quando Freud introduz a pulsão de morte, que seria uma pulsão sem representação.
Freud coloca a pulsão como um conceito fronteiriço, que não está nem no físico nem no anímico. Ou seja, já nesta primeira definição, Freud diz que a pulsão não está dentro do aparelho psíquico, e sim entre este e o somático, num limite entre os dois. Ela é apenas uma exigência de trabalho feita à vida anímica. E o que é uma exigência de trabalho? É uma exigência de representação, de simbolização, como veremos adiante.
O termo pulsão já havia sido usado, mas não conceituado, no Projeto Para Uma Psicologia Científica (1895): "... é assim que surge no interior do sistema o impulso que sustenta toda a atividade psíquica. Conhecemos essa força como vontade - o derivado das pulsões." (Freud, 1895).
Em 1915, no seu artigo Os Instintos e Suas Vicissitudes, Freud retoma o conceito de pulsão, definindo-a como "...o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo." (Freud, 1915)
A partir desta definição, Freud vai introduzir outros conceitos referentes à pulsão, sendo estes sua pressão, sua finalidade, seu objeto e sua fonte.
Por pressão (Drang), Freud a define como o "... fator motor, a quantidade de força ou a medida da exigência que ela representa." (Freud, 1915)
Já a finalidade (Ziel) "...é sempre satisfação, que só pode ser obtida eliminando-se o estado de estimulação na fonte do instinto." (Freud, 1915)
Fonte (Quelle) é "... o processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental por um instinto." (Freud, 1915).
Por fim, o objeto (Objekt) de uma pulsão "...é a coisa em relação à qual ou através da qual o instinto é capaz de atingir sua finalidade. É o que há de mais variável num instinto e, originalmente, não está ligado a ele, só lhe sendo destinado por ser peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação." (Freud, 1915)
É no seu primeiro texto sobre as pulsões que Freud faz a distinção entre pulsão sexual e pulsão do eu: "Propus que se distingam dois grupos de tais instintos primordiais: os instintos do ego, ou autopreservativos, e os instintos sexuais." (Freud, 1915). Freud diz que é o conflito entre as exigências da sexualidade e as do eu que está na raiz das neuroses de transferência (histeria e neurose obsessiva).
Laplanche e Pontalis fazem alguns comentários a respeito da teoria pulsional de Freud: "... na teoria freudiana a pulsão sexual é desde o início contraposta a outras pulsões. Sabemos que a teoria das pulsões em Freud se mantém sempre dualista; o primeiro dualismo invocado é o das pulsões sexuais e das pulsões do ego ou de autoconservação..." (Laplanche & Pontalis, 1986)
Ao tratar da questão das pulsões do eu, Laplanche e Pontalis fazem uma diferenciação: "A introdução da noção de narcisismo não faz caducar imediatamente para Freud a oposição entre pulsões sexuais e pulsões do ego, mas introduz nela uma distinção suplementar; as pulsões sexuais podem fazer incidir sua energia num objeto exterior (libido objetal) ou no ego (libido do ego ou libido narcísica). A energia das pulsões do ego não é libido, mas "interesse". " (Laplanche & Pontalis, 1986)
Mais adiante, eles acrescentam: "As pulsões do ego emanam do ego e referem-se a objetos independentes (por exemplo, o alimento); mas o ego pode ser objeto para a pulsão sexual (libido do ego)." (Laplanche & Pontalis, 1986)
É em sua Introdução ao Narcisismo (1914) que Freud vai fazer esta distinção de uma forma mais clara: "Também vemos, em linhas gerais, uma antítese entre a libido do ego e a libido objetal. Quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia." (Freud, 1914)
É neste texto sobre o narcisismo que Freud faz uma importante vinculação entre a pulsão sexual e a pulsão do eu: " Os instintos sexuais estão, de início, ligados à satisfação dos instintos do ego; somente depois é que eles se tornam independentes destes, e mesmo então encontramos uma indicação dessa vinculação original no fato de que os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e proteção: isto é, no primeiro caso, sua mãe ou quem a substitua." (Freud, 1914)
Este é um ponto importante para algumas discussões adiante.
Também é de fundamental importância a questão da constituição do eu, que é o tema central deste texto. Sobre isso, Freud nos diz: "... uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto-eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo - uma nova ação psíquica - a fim de provocar o narcisismo." (Freud, 1914)
A questão do auto-erotismo nos remete ao conceito de pulsão parcial, que vai se ligar a alguma zona erógena determinada. A satisfação auto-erótica refere-se a uma satisfação no próprio corpo, através do investimento das pulsões parciais, sem que estas formem uma organização, ou seja, uma unidade, que seria o eu.
Em 1920, Freud provoca uma reviravolta em sua teoria pulsional, no texto Além do Princípio de Prazer (1920). Ele escreve este texto com a intenção de dar conta de alguns casos clínicos que sua teoria pulsional não estava conseguindo explicar. O exemplo típico é a compulsão à repetição, assim definida por Laplanche e Pontalis: "Ao nível da psicopatologia concreta, processo incoercível e de origem no inconsciente, pelo qual o sujeito se coloca ativamente em situações penosas, repetindo assim experiências antigas sem se recordar do protótipo e tendo, pelo contrário, a impressão muito viva de que se trata de algo plenamente motivado na atualidade.
"A compulsão à repetição na elaboração teórica de Freud é considerada um fator autônomo, irredutível, em última análise, a uma dinâmica conflitual onde só entrasse o jogo conjugado do princípio de prazer e do princípio de realidade. É referida fundamentalmente ao caráter mais geral das pulsões: o seu caráter conservador." (Laplanche & Pontalis, 1986)
A compulsão à repetição é algo que não pode ser explicado pelo princípio do prazer, mesmo que se tratasse de um desejo inconsciente. Laplanche e Pontalis questionam: "...devemos admitir que a repetição deve ser, em última análise, relacionada com o que há de mais "pulsional", de "demoníaco", em todas as pulsões, a tendência para a descarga absoluta que é ilustrada na noção de pulsão de morte? " (Laplanche & Pontalis, 1986)
É a parir dos questionamentos sobre a compulsão à repetição que Freud vai escrever seu Além do Princípio de Prazer. Freud inicia o texto afirmando: "Na teoria da Psicanálise não hesitamos em supor que o curso tomado pelos eventos mentais está automaticamente regulado pelo princípio de prazer, ou seja, acreditamos que o curso desses eventos é invariavelmente colocado em movimento por uma tensão desagradável e que toma uma direção tal, que seu resultado final coincide com uma redução dessa tensão, isto é, com uma evitação de desprazer ou uma produção de prazer." (Freud, 1920)
Mais adiante, ele retifica este postulado: "...é incorreto falar na dominância do princípio de prazer sobre o curso dos processos mentais. Se tal dominância existisse, a imensa maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada pelo prazer ou conduzir a ele, ao passo que a experiência geral contradiz completamente uma conclusão desse tipo." (Freud, 1920)
A partir daí, Freud conclui: "...existe realmente na mente uma compulsão à repetição que sobrepuja o princípio de prazer." (Freud, 1920)
Após todas essas reflexões, Freud introduz a grande novidade deste texto: "Parece, então, que um instinto é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob pressão de forças perturbadoras externas, ou seja, é uma espécie de elasticidade orgânica, ou, para dizê-lo de outro modo, a expressão da inércia inerente à vida orgânica.
"Essa visão dos instintos nos impressiona como estranha porque nos acostumamos a ver neles um fator impelidor no sentido da mudança e do desenvolvimento, ao passo que agora nos pedem para reconhecer neles o exato oposto, isto é, uma expressão da natureza conservadora da substância viva." (Freud, 1920)
Logo adiante, Freud fecha a questão: "Estaria em contradição à natureza conservadora dos instintos que o objetivo da vida fosse um estado de coisas que jamais houvesse sido atingido. Pelo contrário, ele deve ser um estado de coisas antigo, um estado inicial de que a entidade viva, numa ou noutra ocasião, se afastou e ao qual se esforça por retornar através dos tortuosos caminhos ao longo dos quais seu desenvolvimento conduz. Se tomarmos como verdade que não conhece exceção o fato de tudo o que vive, morrer por razões internas, tornar-se mais uma vez inorgânico, seremos então compelidos a dizer que o objetivo de toda vida é a morte, e, voltando o olhar para trás, que as coisas inanimadas existiram antes das vivas." (Freud, 1920)
Por fim, Freud conclui: "...fomos levados a distinguir duas espécies de instintos: aqueles que procuram conduzir o que é vivo à morte, e os outros, os instintos sexuais, que estão perpetuamente tentando e conseguindo uma renovação da vida..." (Freud, 1920)
Foi, portanto, em 1920, que Freud percebeu a impossibilidade de um Princípio de Prazer para dar conta de todo o funcionamento psíquico. O Princípio de Prazer é insuficiente por si mesmo.
Antes mesmo de nascer, o sujeito já está inserido no domínio da linguagem, ele já é nomeado pelo desejo dos pais. É sobre isto que Freud escreve em sua Introdução ao Narcisismo (1914): "Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução de seu próprio narcisismo, que de há muito abandonaram." (Freud, 1914)
Freud está tratando, neste trecho, da inserção do sujeito no simbólico, no campo da linguagem. Esta inserção ocorre antes mesmo do nascimento da criança.
No texto do Narcisismo, Freud diz que o eu (ego) não existe desde o início, ele precisa ser desenvolvido. As pulsões auto-eróticas (sexuais), ao contrário, existem desde o início. Uma nova ação psíquica precisa ser acrescentada à estas para que ocorra o narcisismo. Que ação psíquica é esta?
O investimento em objetos sempre houve. E o primeiro objeto de investimento da criança é a mãe ou quem a substitua. Este investimento fracassa devido a uma total impossibilidade da existência de uma relação dual mãe-bebê. Esta relação é sempre permeada por um terceiro, que é a linguagem. Nunca houve uma relação fora do simbólico.
Quando a criança é nomeada, ela já se diferencia em relação ao seu objeto. O fracasso deste investimento vai fazer com que a libido investida no objeto retorne ao eu. A constituição do eu vai ocorrer neste retorno da libido sexual. É a partir disto que Freud diz, conforme citado anteriormente, que existe uma antítese entre a libido do eu e a libido objetal. Quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia.
Esta perda, esta espécie de ferida narcísica vai constituir o eu. O eu vai se constituir a partir da perda do objeto impossível (Das ding). É a existência de uma falta que nos marca enquanto sujeitos desejantes. O desejo só é possível quando alguma coisa falta.
Freud fala sobre este investimento fracassado da criança numa passagem de Além do Princípio de Prazer: "O florescimento da vida sexual infantil está condenado à extinção porque seus desejos são incompatíveis com a realidade e com a etapa inadequada de desenvolvimento a que a criança chegou. Esse florescimento chega ao fim nas mais aflitivas circunstâncias e com o acompanhamento dos mais penosos sentimentos. A perda do amor e o fracasso deixam atrás de si um dano permanente à autoconsideração, sob a forma de uma cicatriz narcisista..." (Freud, 1920)
Logo adiante, Freud completa: "As explorações sexuais infantis, às quais seu desenvolvimento físico impõe limites, não conduzem a nenhuma conclusão satisfatória; daí as queixas posteriores, tais como Não consigo realizar nada; não tenho sucesso em nada. O laço da afeição, que via de regra liga a criança ao genitor do sexo oposto, sucumbe ao desapontamento, a uma vã expectativa de satisfação, ou ao ciúme pelo nascimento de um novo bebê, prova inequívoca da infidelidade do objeto da afeição da criança. Sua própria tentativa de fazer um bebê, efetuada com trágica seriedade, fracassa vergonhosamente. A menor quantidade de afeição que recebe, as exigências crescentes da educação, palavras duras e um castigo ocasional mostram-lhe por fim toda a extensão do desdém que lhe concederam. Estes são alguns exemplos típicos e constantemente recorrentes das maneiras pelas quais o amor característico da idade infantil é levado a um término." (Freud, 1920)
Segundo Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem. O simbólico é como uma linguagem, pois é formado por uma cadeia de significantes que se ligam uns aos outros. Freud trata desta mesma questão em muitos momentos de sua Interpretação dos Sonhos: "Seguimos uma cadeia de associações que parte de um elemento até que, por uma razão ou outra, ela parece romper-se. Se tomarmos então um segundo elemento, é de se esperar que o caráter originalmente irrestrito de nossas associações se estreite, pois ainda temos a cadeia anterior de associações em nossa memória e, por essa razão, ao analisarmos a segunda representação onírica, é mais provável que esbarremos em associações que tenham algo em comum com as da primeira cadeia." (Freud, 1900)
Podemos perceber, portanto, a natureza associacionista da teoria freudiana. Associação esta que ocorre dentro de uma cadeia de significantes. Daí vem, portanto, o método da associação livre, criado por ele. É através dela que o sujeito fala, é a fala do inconsciente.
Esta cadeia de significantes, porém, apresenta uma dificuldade. Quando o sujeito entra na linguagem é preciso abrir mão dos objetos para lidar apenas com as representações destes objetos. E o significante, por si, não significa nada. Ele pode se atrelar a qualquer significado. Não há um sentido último nesta cadeia. É daí que vem a insuficiência da linguagem. Algo sempre lhe falta.
Neste ponto, pode ser inserida a questão pulsional. A pulsão é uma demanda, uma exigência de trabalho. A princípio, Freud fazia a distinção entre pulsão do eu e pulsão sexual. A libido (energia da pulsão sexual) vai investir tanto o eu quanto os objetos. A pulsão do eu refere-se ao interesse pelas necessidades autopreservativas.
Este foi o primeiro dualismo pulsional criado por Freud em sua 1ª tópica.
Havia uma tentativa de colocar a pulsão sexual regida pelo Princípio de Prazer e a pulsão do eu regida pelo Princípio de Realidade. Sobre isso, Laplanche e Pontalis escrevem: "No quadro do funcionamento do aparelho psíquico, Freud mostra como as pulsões de autoconservação, em oposição às pulsões sexuais, são particularmente aptas a funcionarem segundo o princípio de realidade." (Laplanche & Pontalis, 1986) As duas classes de pulsão estariam, portanto, em conflito, conforme Freud escreve em 1910: "De muito especial importância para a nossa tentativa de explicação é a inegável oposição que existe entre as pulsões que servem à sexualidade, a obtenção do prazer sexual, e as outras que têm por meta a autoconservação do indivíduo, as pulsões do ego; todas as pulsões orgânicas que agem no nosso psiquismo podem ser classificadas, segundo os termos do poeta, de Fomeou de Amor. " (Freud, 1910)
Esta tentativa freudiana de manter o dualismo pulsional fica ameaçada em 1914 quando, devido à críticas de Jung, é escrito o artigo sobre o narcisismo. Quando Freud introduz a idéia de que o eu também pode ser investido pela pulsão sexual, seu dualismo pulsional fica ameaçado. Ao dizer que a libido pode investir tanto o eu quanto os objetos, Freud se aproxima da noção junguiana de uma libido originária e dessexulizada.
Foi para dar conta da compulsão à repetição e para tentar manter seu dualismo pulsional que Freud escreve Além do Pricípio de Prazer, em 1920.
Freud não consegue compreender como poderiam os pacientes repetir situações desagradáveis sem que houvesse a menor possibilidade de algum prazer ser obtido a partir disso. É como se existisse uma "necessidade de repetição", para usar o termo de D. Lagache. Freud percebe a existência de alguma coisa que estava para além do princípio de prazer.
O Princípio de Prazer, portanto, não dava conta de toda a vida psíquica. Alguma coisa lhe escapava. Por que isso acontecia? Por impossibilidades internas do próprio princípio.
O prazer absoluto e universal não pode acontecer simplesmente porque o sujeito se constitui na clivagem, na divisão. Todos nós somos marcados por uma falta e é esta falta que nos caracteriza enquanto sujeitos desejantes. Apenas pode desejar aquele que algo lhe falta. Se não existisse a falta, não existiria o desejo.
A satisfação nunca é completa, portanto, a pulsão é sempre parcial. Ela sempre busca a descarga, que nunca é completa, por isso, alguma coisa sempre retorna. A compulsão à repetição fala desse retorno. Seria um "retorno ao inanimado" (Freud, 1920), como fala Freud? Ou seria, mais especificamente, um "retorno a um estado anterior de coisas"? (Freud, 1920). E que estado anterior de coisas seria este?
Talvez este seja o cerne da questão que sempre se impôs a Freud. Quando ele institui o Princípio de Realidade, ele já sabia que um prazer absoluto era impossível. O inconsciente é constituído por uma cadeia de significantes, que trazem a marca de uma impossibilidade. O mito edípico e a fantasia da castração são criados para dar conta dessa impossibilidade. A interdição do incesto vem de um terceiro que não é o pai, este apenas o representa. A interdição provém do próprio simbólico, da própria linguagem, que sempre permeou a relação mãe-bebê. O objeto impossível (Das ding) é perdido e a repetição é a tentativa de encontrá-lo. Por isso, qualquer objeto satisfaz a pulsão. Porque nenhum deles é o objeto.
A pulsão de vida fala dessa tentativa de ligação a objetos dentro do circuito pulsional, dentro da cadeia de significantes. É uma tentativa de obter a satisfação que nunca é completa e que faz com que o sujeito continue desejando. Já a pulsão de morte é a sua contrapartida, a sua outra face. Ela está fora da cadeia de significantes, não é representada. Seu pulsar é silencioso, por não ter como se representar. A pulsão de morte seria a pulsão por excelência.
Na verdade, Freud não conseguiu conservar o dualismo que lhe era tão importante. Ele sempre cai numa dualidade. A pulsão é sempre uma só: antes e depois de ser representada pelo aparelho. A pulsão de morte é uma pulsão sem representação. Ela é uma pura exigência. O retorno que ela propõe não é uma volta ao inanimado, mas um recomeço. Ela se manifesta quando a cadeia de significantes do sujeito não deixa passar o desejo. Como ela não possui uma representação, sua única forma de se manifestar é fazendo o sujeito repetir as mesmas situações desagradáveis, até que aquele circuito seja destruído. É isto que pretende a pulsão de morte: a destruição de uma cadeia de significantes. Esses significantes podem se atrelar a qualquer significado. Quando ocorre a fixação de um significante a um significado, a cadeia fica fixa, sem deixar que o desejo circule. A pulsão de morte vai apontar essa fixação, vai atuar sobre ela, através da repetição.
A pulsão de vida, ao contrário, tem um caráter conservador. Ela quer manter a cadeia de significantes formada. Neste ponto, pode-se fazer uma articulação entre a pulsão de vida e a pulsão do eu. É o eu que tenta manter o que já está formado.
Ao tratar do Estádio do Espelho, Lacan vai dizer que o eu se forma na antecipação de uma imagem para fugir da experiência de despedaçamento: "O corpo despedaçado enmcontra sua unidade na imagem do outro - que é sua própria imagem antecipada - situação dual em que se esboça uma relação polar, porém não simétrica." (Lacan, 1954-55) O eu é decomposto em várias pulsões parciais, que lhe conferem uma satisfação auto-erótica. Esta experiência é angustiante e, portanto, o eu vai formar sua imagem de forma antecipada, identificando-se com a imagem do outro. É o olhar desejante do outro (mãe ou quem a substitua), que vai sustentar esta imagem do eu. Sobre isso, Lacan continua : "O sujeito é ninguém. Ele é decomposto, despedaçado. E ele se bloqueia, é aspirado pela imagem, ao mesmo tempo enganadora e realizada do outro, ou, igualmente, por sua própria imagem especular. Lá ele encontra sua unidade." (Lacan, 1954-55) É, portanto, como diz Freud, o retorno da libido para o eu que vai formá-lo. O eu tem, então, um caráter conservador, porque ele não quer perder sua imagem.
É aí que podemos ver a pulsão de morte por trás da pulsão de vida. A pulsão de vida não abre espaço para a mudança, para a renovação. E tudo o que não muda morre. A pulsão de morte, por sua vez, possui um aspecto positivo, um aspecto criador. Ela traz a exigência de destruição de algo que não mais funciona, não mais propicia prazer. O problema é que, como ela não possui representação, ela destrói um discurso sem propor nada para substituí-lo. É preciso arriscar e pagar para ver, porque ela não oferece garantias. Quando alguma coisa é representada, deixa de ser pulsão de morte e passa a ser pulsão de vida.
A pulsão de vida representaria, portanto, algo que já está ligado a um objeto, já possui uma representação, um traço no aparelho. Seria, então, sexualizada.
Já a pulsão de morte seria apenas uma exigência, sem uma representação. Esta definição está bem de acordo com a primeira definição que Freud dá de pulsão em 1905 e já citada anteriormente: A pulsão em si mesma não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. É por isso que podemos dizer que a pulsão de morte é a pulsão por excelência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
.FREUD, SIGMUND (1895) Projeto Para uma Psicologia Científica. 2ª Edição (1988). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume I. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1900) A Interpretação dos Sonhos, parte II. 2ª Edição (1988). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume V. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. 1ª Edição (1996). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume VII. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1910) A Concepção Psicanalítica da Perturbação Psicogênica da Visão. 1ª edição (1970). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XI. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1914) Sobre o Narcisismo: uma Introdução. 3ª Edição (1988). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XIV. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1915) Os Instintos e suas Vicissitudes. 3ª Edição (1988). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XIV. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.FREUD, SIGMUND (1920) Além do Princípio de Prazer. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XVIII. Rio de Janeiro, Editora Imago.
.LACAN, JACQUES (1954-55) O Seminário , Livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise. 2ª edição (1987) Rio de Janeiro, Zahar Editores.
.LAPLANCHE, J. & PONTALIS, B. (1986) Vocabulário da Psicanálise. 9ª edição. São Paulo, Editora Martins Fontes.