Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
A angústia em Freud, Lacan e Melanie Klein
Joana Souza

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RESUMO:

Apresentamos neste trabalho um breve resumo a respeito do conceito de angústia na psicanálise. Para isso julgamos extremamente relevante retomar os textos clássicos de Freud, Lacan e Melanie Klein a respeito da angústia no sentido de resgatar as bases sobre as quais esse conceito clínico foi construído.

PALAVRAS-CHAVE: angústia, recalque, objeto a, agressividade.

 

INTRODUÇÃO:

Freud, no início de sua clínica, se deparou com a questão da angústia e isso o levou a empreender uma extensa investigação a respeito desse afeto que traz como marca o desprazer, com a emergência de sintomas corporais. Em seu percurso clínico, Freud constatou que esse afeto estava presente em diversos quadros nosológicos, dentre quais se destacam a histeria, a fobia e a neurose obsessiva. Notamos, portanto que Freud preocupou-se em especificar a importância da angústia em sua relação com a estrutura neurótica.

Em 1917, Freud declara na Conferência XXV – A angústia – que esse afeto constitui-se como um ponto central em torno do qual convergem diversas e importantes questões que se constituem como um enigma para a psicanálise. Para Freud, a angústia constitui-se como o afeto por excelência na clínica psicanalítica.

A angústia, desde os tempos de Freud, se manifesta na clínica mascarada por inibições, sintomas, defesas e compulsões e, o que temos presenciado em nossos dias são inúmeras tentativas de fazer calar esse afeto através da medicalização irrestrita. Notamos que na atualidade existe toda uma tentativa de aplacar a angústia, fazendo desaparecer qualquer manifestação de mal-estar subjetivo. No percurso analítico, não se trata de buscar o desaparecimento da angústia, mas sim do seu reencontro e do seu reconhecimento como algo que nos fundamenta.

Se, por um lado, o que conduz alguém a procurar ajuda clínica é geralmente a angústia, o que a psicanálise ensina é que o percurso analítico, também, é marcado pela presença desse afeto, afeto que, segundo Lacan, "não engana". Lacan indica que a angústia funciona como um motor do tratamento, um dispositivo propulsor que orienta o analista, para que este sinta o quanto de angústia um sujeito pode suportar. Saber o quanto de angústia um sujeito pode suportar é para o analista um desafio constante na prática clínica.

Portanto em nossa proposta de teorizá-la, julgamos extremamente relevante retomar os textos clássicos de Freud, Lacan e Melanie Klein a respeito da angústia no sentido de resgatar as bases sobre as quais esse conceito clínico foi construído.

FREUD E A ANGÚSTIA

A angústia é um dos temas centrais da obra freudiana, constituindo-se como um dos pilares da experiência psicanalítica. Nas origens da clínica freudiana está a questão da angústia, fato que conduziu Freud a destacar sua importância nos desdobramentos do tratamento psicanalítico. O que Freud nos ensina, em sua vasta exposição sobre o tema, é que a angústia é algo estrutural fazendo parte, portanto, da constituição do sujeito e por isso nunca é definitivamente curável.

Em suas investigações Freud formulou duas teorias sobre a angústia. A primeira, onde se destaca a perspectiva econômica, ou seja, o fato de que seria o "excesso de energia sexual" não descarregado aquilo que se transformaria em angústia. Nesse primeiro momento a angústia em sua etiologia sexual é concebida como resultante do recalque. (Freud, 1895). Em 1894, Freud já havia postulado o conceito de conflito psíquico relacionando-o a um "excesso de energia", contra os quais o eu criaria defesas. A noção de economia psíquica se estende em toda obra de Freud destacando a relação entre o fator quantitativo e a capacidade do psiquismo de suportar determinados níveis de estimulação.

O interesse de Freud pela angústia é constatado nas cartas endereças a seu amigo Wilhelm Fliess, que também era médico. Dentre essas cartas destacamos: Rascunho A (Freud, 1950[1892?]/1996), Rascunho B (Freud, 1950[1893a]/1996) e Carta 14 (Freud, 1950[1893b]/1996), quando Freud escreve a respeito da etiologia sexual da neurose de angústia. É no Rascunho E (Freud, 1950[1892?]/1996), intitulado "Como se Origina a Angústia" que Freud registra a concepção que vai predominar na primeira teoria freudiana da angústia.

Freud (1950[1894?], p.235-237) anuncia para Fliess suas descobertas a respeito da etiologia sexual da angústia situando-a na "esfera física" quando a idéia de que uma "acumulação de tensão sexual", sem que haja descarga (relação sexual) se transforma em angústia é, então, apresentada:

(...) na neurose de angústia, essa transformação de fato ocorre, o que sugere a idéia de que, nessa neurose, as coisas se desvirtuam da seguinte maneira: a tensão física aumenta, atinge o nível do limiar em que consegue despertar o afeto psíquico, mas, por algum motivo, a conexão psíquica que lhe é oferecida permanece insuficiente: um afeto sexual não pode ser formado, porque falta algo nos fatores psíquicos. Por conseguinte, a tensão física, não sendo psiquicamente ligada, é transformada em angústia. (Freud, 1950 [1894?] p. 238).

Freud (1895) em seu artigo "Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome denominada neurose de angústia" sublinha a sintomatologia da neurose de angústia registrando diversos sintomas físicos que distinguiriam essa síndrome da neurastenia e da histeria. No decorrer do artigo, Freud volta-se para a etiologia da neurose de angústia afirmando que, tanto nessa síndrome, assim como na neurastenia, a causa precipitante do distúrbio é somática, enquanto que na histeria e na neurose obsessiva a causa origina-se no campo psíquico. Enquanto a neurastenia está ligada ao "empobrecimento da excitação", a neurose de angústia se definiria por um "acúmulo de excitação". (Freud 1895 [1894], p.114-115).

Prevalece nesse artigo a ideia da etiologia sexual da angústia, tal como descrita na carta endereçada a Fliess, quando afirma que é a ausência de descarga da excitação sexual o fator desencadeante da neurose de angústia. Para Freud, a neurose de angústia é o "equivalente somático da histeria". (Freud, 1895[1894], p. 115). Ainda nesse artigo Freud propõe que a angústia não pode ser simplesmente localizada no acúmulo de excitação, ela precisaria passar por uma transformação para se transformar em angústia.

Considera, nesse período, que as relações sexuais não satisfatórias (coito interrompido) poderiam com o tempo desencadear a neurose de angústia. Freud (1895[1894], p.238-39) explica, ainda, que a dimensão física deve ser transposta para a dimensão psíquica, de maneira a produzir o que ele chamou de libido e é, exatamente, isso que não ocorre nesses casos. Assim fica claro que a exigência feita pelo corpo só é percebida pelo psíquico quando avança um certo limiar. Quando esse psíquico não é ativado não há como o sujeito ansiar por uma descarga (relação sexual) e, assim sendo, a única saída é um escoamento da tensão por meio da angústia.

A primeira teoria freudiana da angústia prima por seu caráter econômico: um excesso de energia sexual que invade o sujeito, encontrando impedimentos para ser escoada pelo corpo por via da atividade sexual não sendo representada na esfera psíquica.

Mais a diante, com o artigo "A interpretação dos sonhos" Freud (1900) afirma que o sonho seria a realização de um desejo, porém uma questão fica a ser elucidada: "como podem os sonhos aflitivos e os sonhos de angústia ser realizações de desejos?" (Freud 1900, p.170). Freud responde a essa pergunta constatando a existência da uma censura que atuaria nos sonhos como uma defesa contra o desejo – ocasionando a angústia e promovendo a distorção no sonho. (Freud 1900, p.176-180). Essa distorção teria a função de fazer com que o desejo fosse mantido sob a ação do recalque.

O tema da angústia nunca foi abandonado por Freud em suas pesquisas. Veremos que em 1915 o estudioso publica dois artigos que vão localizar a origem da angústia como derivada do recalque.

Em "Os instintos e suas vicissitudes" Freud, (1915, p.148) propõe a definição da pulsão como "um conceito limite entre o psíquico e o somático". A pulsão é identificada a uma "pressão" em direção a um alvo tendo como meta a satisfação, ou seja, a obtenção de prazer. O que liga esse artigo à teoria da angústia é a proposição de Freud de que "forças motivacionais que se contrapõem ao avanço das pulsões", se constituem como "modos de defesa contra as pulsões". O recalque como um mecanismo de defesa, impede que a pulsão atinja seu objetivo que é a obtenção de prazer, produzindo assim a angústia.

Essa idéia é desenvolvida no artigo "O recalque" onde Freud, (1915) afirma que as forças pulsionais são lançadas para fora do consciente, se tornando, portanto, inconscientes. A idéia (representação) sofre o processo de recalque enquanto a quota de afeto (libido), no caso das neuroses sofre três destinos: ele pode ser suprimido de forma que não fosse mais encontrado (como se verifica numa conversão histérica), ele pode aparecer como um afeto que "de uma maneira ou outra é qualitativamente colorido", pois se torna deslocado sofrendo (esse caso, o afeto se liga a outra representação), ou ser transformado em angústia. Nesse momento, quando ainda vigora a primeira teoria da angústia o aparecimento desse afeto é concebido como resultado do mecanismo do recalque.

Mais tarde, na Conferência XXV, "A angústia", Freud (1915) diferencia a angústia real da angústia neurótica. A primeira teria como função preparar o sujeito para se defender diante da percepção de um perigo externo e seria uma manifestação da compulsão a autopreservação, fato extremamente vantajoso para o homem. Freud, porém, relativiza essa idéia ao afirmar que se a angústia for demasiadamente grande, ela paralisaria o sujeito impossibilitando a fuga. (1915, p.395).

A angústia neurótica também chamada de "angústia expectante" foi definida como "uma espécie de angústia livremente flutuante, que está pronta para se ligar a alguma idéia que seja de algum modo apropriada a esse fim" (1915, p.399). Freud menciona uma angústia ligada diretamente às fobias descrevendo-a como sendo "psiquicamente ligada e vinculada a determinados objetos ou situações". Partindo do axioma "se há angústia há algo a temer" Freud anuncia que na angústia neurótica o perigo está na exigência feita pela libido ao ego, que diante dessa idéia empreende uma tentativa de fuga. O ego ao apreender uma atitude de defesa daria lugar à formação de sintomas.

Entre os anos de 1920 e 1923, acontece a reformulação de alguns conceitos psicanalíticos fundamentais. Com o artigo "Mais além do princípio de prazer" (1920) Freud introduz uma nova teoria das pulsões trazendo à tona o conceito de pulsão de morte, indicando que nem toda descarga pulsional teria como finalidade a obtenção de prazer. A seguir, em 1923, publica o "Ego e o id" trazendo o contexto teórico da segunda tópica do aparelho psíquico. Nesse último artigo, Freud afirma que "o ego é a sede real da angústia" indicando sua origem primária na experiência de separação. Articulado a essa perspectiva o autor repensa a experiência da angústia, introduzindo a segunda teoria da angústia em 1926, no artigo "Inibições, sintomas e angústia" quando anuncia uma reviravolta teórica em torno da noção de angústia.

A partir dessa data, esse afeto é agora visto à luz da segunda tópica, deixando de ser considerado como resultante do recalque, mas ao contrário, como aquilo que promove o recalque. Nesse artigo de 1926 afirma que a angústia "é reproduzida como um estado afetivo de conformidade com uma imagem mnêmica já existente" que se relaciona com as primeiras "experiências traumáticas originais". (Freud, 1926 p.97).

Freud utiliza o caso do pequeno Hans (1909) para ratificar a sua tese. Ele aponta como o recalque incide sobre os impulsos edipianos na tentativa de aplacar o desejo. A angústia emerge como um sinal diante do perigo da castração. A angústia é angústia de castração (Freud 1926, p.109) e, portanto, conclui que é a angústia que produz o recalque e não o contrário como pensava até então.

Nesse mesmo artigo, Freud (1926) vai considerar o desamparo biológico vivido pelo bebê, no momento do nascimento, como o modelo da experiência da angústia. É a separação do bebê do corpo da mãe, com o excesso de excitações advindas do mundo exterior e a incapacidade de simbolização desta experiência, que levaria a um estado de desamparo que, segundo Freud, serviria de protótipo da primeira experiência de angústia vivida pelo ser humano.

Posteriormente, as experiências de angústia, funcionariam como uma sinalização da possibilidade de retorno da experiência de desamparo do sujeito, um sinal de perigo, cujo protótipo é o trauma do nascimento. Freud assinala como um importante momento da constituição do sujeito a passagem da angústia automática para a angústia sinal, que permitiria ao sujeito um preparo diante daquilo que poderia vir a ser traumático.

A partir desse momento, o perigo passa a ser a perda do objeto, ou seja, a perda de uma imagem primária que no início da vida representa aquele que atende às necessidades da criança impedindo a repetição da situação de desamparo originário. Freud acentua que a significação da "perda do objeto" se estende para outras situações e se torna determinante das posteriores experiências de angústia vividas pela criança. Posteriormente, o perigo é transposto para o medo da perda de um objeto muito valioso (o órgão genital), transformando a angústia em angústia de castração. (Freud 1926, p. 137). Freud chega à conclusão de que cada etapa da vida possui um determinante da angústia, porém, considera que é a "angústia de castração [a] única força motora dos processos defensivos que conduzem a neurose". (Freud 1926, p. 140-141).

As experiências traumáticas originais marcam o aparecimento da angústia automática ou real, sendo que, posteriormente, o aparecimento da angústia sinal, assinalaria o perigo de reviver essas experiências, uma espécie de preparo para que o eu possa se defender do perigo eminente. Aqui, evidencia-se a importância da constituição do eu em suas relações com a angústia. A angústia na segunda teoria está ligada àquilo que Lacan denomina de real, um excesso pulsional irredutível e impossível de simbolizar.

As descobertas freudianas a respeito da angústia acontecem como conseqüência de sua prática clínica no atendimento a sujeitos neuróticos. O que Freud nos esclarece é que nas origens da estrutura neurótica está a angústia automática ou real, que desencadeia a instauração do recalque originário, linha divisória entre as estruturas neurótica e psicótica. (Leite, 2009).

A ANGÚSTIA EM LACAN E MELANIE KLEIN

Lacan, no Seminário 10 (1962-1963), "A angústia", toma como ponto de partida para elaborar seu trabalho o artigo freudiano "Inibições, sintomas e angústia", publicado em 1926, quando é acentuado o caráter traumático da angústia. Como já foi indicado, nesse artigo, é enfatizada a origem da angústia no desamparo humano, cujo protótipo é o nascimento (trauma original), momento de encontro com aquilo que é impossível de receber representação simbólica, encontro com algo que é inassimilável para o sujeito. O trauma é o encontro com o real.

Como afirma Leite (2010), existe uma aparente contradição entre a perspectiva freudiana e a lacaniana no que diz respeito à angústia e ao objeto. Freud ao considerar que, na infância, a experiência da angústia se relaciona à perda do objeto, ou seja, a (...) sentir falta de alguém que é amado e de quem se sente saudades (FREUD, 1926, p.160), destaca que é a ausência da imagem mnêmica da pessoa amada e intensamente investida que pode se transformar em angústia. Esta angústia tem toda a aparência de ser uma expressão do sentimento da criança em sua desorientação, em seu desamparo mental porque (...) a criança descobre, pela experiência, que um objeto externo perceptível pode pôr termo à situação perigosa [original] (...) E, a partir daí, (...) o conteúdo do perigo que ela teme é deslocado da situação econômica para a condição que determinou essa situação, a saber, a perda de objeto. É a ausência da mãe que agora constitui o perigo, e logo que surge esse perigo a criança dá o sinal de angústia, antes que a temida situação econômica se estabeleça (Freud, 1926, p.161). É esse momento que Freud indica como representando um grande passo do ponto de vista da criança, a passagem da vivência da angústia automática e involuntária, para a angústia como um sinal de perigo. Ou seja, o sinal indica para o ego o perigo de perda do objeto e, sua conseqüência, que é o retorno da situação traumática.

Lacan, (1962-1963) relaciona a emergência da angústia com a presença do objeto, mas não indica que este objeto seria o objeto amado. O objeto da angústia em Lacan — objeto a — diz respeito ao momento do encontro com o enigma do desejo do Outro - exatamente quando se ausenta a imagem do objeto amado – momento de quebra do imaginário e, consequentemente, da imagem do corpo próprio. Leite (2010), retomando o texto freudiano de 1933, Angústia e vida pulsional, coloca em destaque a aproximação da discussão lacaniana da perspectiva de Freud quando este afirma que: (...) o que é temido, o que é o objeto da angústia é invariavelmente a emergência de um momento traumático – que prima pela ausência da imagem amada - que não pode ser liquidado seguindo as normas do princípio de prazer (Freud, 1933[1932] p.118). O que em Lacan, portanto, se denomina de objeto a, em Freud se explicita como sendo algo de ordem econômica, ou seja, um excesso que o sujeito não é capaz de simbolizar e que a presença da imagem do objeto amado permitiria recobrir.

É esse excesso que, do ponto de vista do bebê, ou seja, nas origens do sujeito se exemplificaria através do chamado trauma do nascimento, modelo de um momento de passagem de um ambiente a outro – da água para o ar – que obrigaria a criança a aprender a respirar. Lacan, afirma que este é o verdadeiro trauma original – uma invasão que o bebê experimenta ao ter que aspirar um ambiente totalmente outro.

O momento da angústia é aquele em que surge a questão: "Che vuoi? O que sou para o Outro? O que o Outro quer de mim"?(1962-1963 p.14). Enigma que é gerador de angústia. A angústia não é a dúvida, a angústia é a causa da dúvida, como afirma Lacan. (1962-1963, p.88). Em outras palavras, trata-se do encontro com a falta – falta de sentido que exige do sujeito um trabalho de simbolização.

Ao ser inscrito no desejo do Outro o sujeito apreende esse desejo como uma "ausência", uma falta que o confronta com o real da sua própria castração. Lacan (1962-1963, p.55) utiliza o estádio do espelho para explicar que "nesse lugar, i(a), no Outro, no lugar do Outro, perfila-se uma imagem apenas refletida de nós mesmos", "essa imagem caracteriza-se por uma falta, isto é, pelo fato de que o que é convocado aí não pode aparecer".

A partir do lugar do Outro, o sujeito chega a construir uma identificação com a imagem especular, sendo que ele só reconhece sua própria imagem especular em referência a um campo significante, simbólico. O que vai se estabelecer é uma relação imaginária onde o sujeito apreende que esse Outro não lhe oferece nenhuma garantia de satisfação. O desejo é caracterizado como ligado a uma "ausência", um furo que perpassa o sujeito barrado ($). O problema é que o sujeito faltoso é convocado no momento da angústia a reconhecer sua própria castração.

Lacan (1962-1963) considera que a angústia é sempre sinal do real. No Seminário 10 – A angústia p.193 – afirma que a angústia é um termo intermediário entre o gozo e o desejo, pois somente depois de superada a angústia é que o desejo se constitui. Leite, (2009 p. 214) destaca que: "ao situar na divisão significante do sujeito a experiência da angústia entre o gozo e o desejo, Lacan substitui a ideia freudiana de angústia automática pela própria experiência de encontro com o real, ou seja, aquilo que Freud denominou de angústia automática ou real, Lacan nomeou como gozo, localizando-o no primeiro patamar da divisão significante do sujeito."

A noção de gozo em Lacan articula-se ao conceito de pulsão de morte definida por Freud como a tendência a reduzir as tensões ao mínimo de excitação reconduzindo o ser vivente ao estado inorgânico. (O gozo em Lacan é a entrada em ação de uma marca – um traço unário – que é a marca para a morte). Segundo Lacan é a fantasia que permite ao sujeito lidar com a pulsão de morte, ou seja, com o gozo. A fantasia surge a partir do recalque originário que para Lacan, (1957-1958 p. 181) é uma operação agenciada por um significante, o significante Nome-do-Pai, parte constitutiva da metáfora paterna.

No Seminário 5, "As formações do inconsciente" (1957-1958 p.169), Lacan ao discutir a questão da metáfora paterna faz uma importante referência ao que denomina de paradoxo essencial constituído pela obra de Melanie Klein. Afirma que (...) Por um lado, há o que ela diz, o que ela formula em seu discurso, e o que ela quer dizer, na medida em que há em seu sentido, separando o querer e o dizer, sua intenção. E, continua, indicando que (...) às vezes, ela diz um pouquinho mais do que isso.

Tal indicação nos remete a abordar a temática da angústia também em Melanie Klein, procurando estabelecer as semelhanças e diferenças entre o pensamento dessa autora e a perspectiva freudiana e lacaniana.

Melanie Klein, (1930) fundamentou sua teoria na observação do bebê em seu primeiro ano de vida, e isso resultou na identificação de situações de angústia profundas e poderosas nas fases iniciais da constituição do psiquismo.

Klein concebe a relação objetal como um eixo fundamental e primordial para se pensar a relação primitiva entre o lactente e a mãe.

De modo contrário a Freud que privilegiou a libido, Melanie Klein tomou como foco a agressividade e sua influência no desenvolvimento psíquico do sujeito. Em seu artigo "A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego" escrito em 1930, afirma que "O excesso de sadismo dá origem a angústia" (p.252), determinando assim, que a angústia tem sua origem no excesso de agressividade experimentado pelo bebê nos primeiros meses de vida. Neste mesmo artigo explica que o ego é obrigado a lidar com a angústia que advêm desse excesso pulsional, tendo que dominá-la e que para isso cria mecanismos defensivos. Nesse estágio, para se defender o ego expulsa de si a agressividade e dirige-a contra o objeto com a intenção de destruí-lo. No entanto nesse percurso a agressividade se torna a própria fonte de perigo, pois ao liberar a ansiedade, estabelece-se o medo da retaliação por parte do objeto atacado. A autora conclui que é essa angústia inicial que põe em movimento o mecanismo de identificação, impulsionando o bebê a avançar para outra posição em seu desenvolvimento mental. (Melanie Klein, 1930 p.252).

Melanie Klein (1930 p.253) acreditava que a capacidade do ego se relacionar com a realidade está intimamente ligada ao grau de tolerância deste ao lidar com a pressão causada pelas primeiras situações de angústia, sendo que "uma certa quantidade de angústia é a base necessária para que a formação de símbolos e a fantasia ocorram em abundância" . Percebemos como a autora coloca a angústia em uma posição central em relação ao desenvolvimento psíquico do sujeito.

Em seu artigo de 1946 "Notas sobre alguns mecanismos esquizóides" Melanie Klein traz um relato detalhado acerca do desenvolvimento psíquico do bebê em seus primeiros três meses de vida. Neste período a autora afirma que o bebê está na posição esquizo-paranóide, cuja principal característica é a cisão, tanto do eu quanto do objeto. A mãe é uma mãe excindida: a mãe boa é aquela que o satisfaz, sendo que a mãe má é aquela que lhe nega a satisfação. A cisão do objeto que deriva da agressividade que lhe é dirigida acarretará também a cisão do eu, e segundo a autora, este processo se repete nos casos de esquizofrenia. Portanto, a resolução da posição esquizo-paranóide dependerá da capacidade do eu em transformar o objeto cindido em um objeto total possível de ser internalizado pelo eu à medida que este se identifica com o objeto. Este processo é determinante na instauração da estrutura psíquica, pois uma fixação na posição esquizo-paranóide poderá desencadear a psicose em um momento posterior da vida do sujeito. Entre três e seis meses o bebê passará à posição depressiva onde estabelecerá uma relação com o objeto total sendo que o sentimento de culpa e de reparação se constituirá como marcas em seu desenvolvimento. Nessa fase ainda haverá alternâncias entre a posição esquizo-paranóide e a posição depressiva, porém uma maior integração do eu tornará possível uma maior compreensão da realidade psíquica e melhor percepção do mundo externo. A culpa e o medo vivenciados nessa fase são resultado da agressividade dirigida contra o objeto amado e o impulso em reparar e proteger o objeto é que capacitará o eu para se relacionar melhor com os objetos sendo capaz de fazer sublimações, o que faz com que o eu se integre cada vez mais. A autora coloca que angústias arcaicas são vivenciadas nesse período, porém elas perdem força à medida que a posição depressiva é elaborada.

Segundo Melanie Klein (1946 p.34), no caso de o eu não ser capaz de fazer frente à angústia vivenciada nesse período e elaborar a posição depressiva, acontecerá uma regressão do mesmo à posição esquizo-paranóide, o que serviria de base para o desencadeamento posterior da psicose ou o fortalecimento de traços depressivos devido à desintegração cada vez maior do eu.

Considerações finais

Ao analisarmos esses pressupostos teóricos percebemos que Freud, diferente de Melanie Klein, postulava que a emergência do eu é posterior à primeira experiência de angústia. O que Freud nos esclarece é que nas origens da estrutura neurótica está a angústia automática ou real, que desencadeia a instauração do recalque originário, linha divisória entre as estruturas neurótica e psicótica. (Leite, 2009).

Lacan pontua que a emergência de toda fantasia acontece a partir do recalque originário, que para este autor, é uma operação agenciada por um significante, o significante Nome-do-Pai, parte constitutiva da metáfora paterna. Isso nos leva a compreensão de que o eu só se constitui a partir da operação da metáfora paterna, que em Lacan equilave ao conceito de recalque originário postulado por Freud.

Verificamos que tanto Freud como Lacan defendem a idéia de que a emergência da primeira experiência de angústia vivida pelo bebê no momento do nascimento instaura o recalque originário, sendo que, é a partir deste que o eu se constitui. Portanto, Melanie Klein se distancia da perspectiva freudiana e lacaniana a respeito da angústia ao postular a existência de um eu anterior a primeira experiência de angústia. No entanto, ressaltamos que ao tomar a relação objetal como um eixo fundamental da vivencia da angústia, Lacan aproxima-se da perspectiva kleiniana no sentido de priorizar suas pesquisas nas fazes iniciais do desenvolvimento do bebê, ao mesmo tempo em que demarca a importância do Outro primário na constituição do sujeito.

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