Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Vocês têm nome de que?
A Questão do Nome Próprio em Psicanálise
Gustavo Capobianco Volaco

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"Pêndulo Sou
Não sou
Inércia Sou
Se Desejo
Se sou
Quem sou?"

Wagner Rengel

Shakespeare descreve mais ou menos a cena assim: Julieta vê da sua sacada seu amado entrando no jardim, o Romeu impossível de ser seu por chamar-se Montechio, e se pergunta desesperada: What’s in a name? O que há num nome de tão importante que é capaz de separar dois amantes de forma tão brutal? Essa é uma pergunta forte, não tanto pela tragédia que encerra, mas pela própria questão que perpassa os séculos. Que ecoa em Joyce, por exemplo no famoso capítulo passado na Biblioteca de Dublin em Ulisses e que Lacan – com inúmeras variantes – retoma a partir de seu primeiro seminário, nos anos de 1953-54 e hoje a faço com vocês: O que há num nome? O que é um nome? Para que serve? O que fazemos com ele e o que podemos fazer com ele numa análise?

Essa centelha interrogativa foi reacendida em mim quando, há pouco tempo atrás, me dedicava ao seminário Problemas Cruciais Para a Psicanálise e encontrei, pela enésima vez, Lacan tratando do assunto. Onze anos se passaram desde Os Escritos Técnicos de Freud e Lacan mais uma vez traz o problema à tona e, em 1975, lá está ele de novo pensando coisas a respeito. Mas não pensem que nesse ínterim todo, o tema esteve fora de seu escopo. Muito pelo contrário. É impressionante notar como essa questão do nome aparece na obra de Lacan. O seminário dA Identificação temos pelo menos duas aulas que tratam com muito cuidado daquilo que chamamos nome próprio e de fato, basta abrir um seminário qualquer e não tardamos a encontrar, ao menos de passagem e às vezes com outras conseqüências, alguma consideração sobre o nome. Poderíamos pensar que chegando ao seminário 23 encontraríamos as últimas palavras sobre o assunto? De certa forma sim, Lacan morrerá alguns anos mais tarde e Realmente se calará, mas de forma alguma podemos dizer que foram As Últimas Palavras e ponto final, que teríamos aí um axioma que nos afiançaria naquilo que é um nome próprio, para que serve e assim por diante.

Esse percurso bastante aberto, que se nega à última palavra, me fez aproximar o ensino de Lacan daquilo que Joyce – é a segunda vez que seu nome aparece aqui e isso não é sem razão como veremos mais tarde – chamou de work in progress. Quando o escritor irlandês começou a por no papel sua obra máxima que hoje conhecemos como Finnegans Wake - trabalho que durou 17 anos e foi paulatinamente sendo publicado – não a intitulou a não ser no fim e quando lhe perguntavam como chamava seu romance – se é que é um romance – ele dizia: obra em andamento.

O ensino de Lacan tem muito disso, principalmente nos seminários – naquilo que escreveu normalmente o tom é outro. Não é algo que simplesmente fecha. Na verdade, parece que há da parte dele até uma recusa ao ponto de capitoné, o que o torna bastante coerente com esse Real que lidamos cotidianamente em nossos consultórios. E nessa questão do nome esse movimento contínuo é bastante eloqüente e tem conseqüências diversas dependendo do momento de seu ensino. É isso, entre outras coisas, que destacarei aqui com vocês. Veremos como Lacan se responde à essa questão, que direções – principalmente de cura – podemos pensar a partir disso e ainda, o que podemos propor a partir do que ele nos legou.

Dividirei então esse trabalho em três momentos mais ou menos bem definidos para depois entrar num quarto e aí cogitarmos um quinto, um sexto, um sétimo e assim por diante.

O primeiro chamarei assim: o nome encerra um significado, isto é, é aquilo que representa alguém específico, diz de uma pessoa. Falei para vocês que desde o seminário 1 Lacan se ocupa da questão do nome. O que é que ele diz lá? Que um nome designa alguém e que é por essa designação que somos introduzidos no humano. Como a idéia é aqui problematizar com o texto, nos perguntemos: o que quer dizer que um nome designe alguém? Nessa designação há algo de um destino? Se há, ele é inafiançável ou podemos fazer algo de diferente, de novo?

Vou lhes relatar um pequeno recorte clínico para nos ajudar a pensar. Tratava-se de uma analisante que veio me procurar por uma série de sintomas que envolviam sua vulva. E imaginem como ela se chamava? Vula. (O nome não era exatamente esse mas, pela sua raridade no mundo, escolhi um outro que lhe tivesse semelhança e permitisse identificar alguns pontos essenciais do caso sem identificar muito a moça. E como para o órgão genital feminino, segundo um artigo de Antonio Houaiss para a revista Playboy existem mais de 300 designações, acho que posso ficar relativamente seguro com a manutenção de seu anonimato).

A origem de seu nome me foi assim relatada: existia um concurso, uma competição de perguntas e respostas que durante anos foi vencida apenas por homens. Isso, até o aparecimento de uma mulher chamada Vula, muito conhecedora das coisas, que derrubou todos os seus adversários consagrando-se campeã e que por tal feito, foi tida pela mãe dessa analisante como a redentora da causa feminina. Ela narra isso porque eu lhe pergunto de onde vem um nome assim tão diferente e depois disso – a questão aqui não é cronológica e sim lógica – ela me conta sobre algo que a incomoda muito: para seus namorados ela é a Vênus Calipígia encarnada – palavras minhas, não dela – isto é, todos, sem exceção tem uma fixação obsessiva por sua bunda. Pedem para que ela fique de bruços. Para que ande e lhes mostre as nádegas, em suma, preferem vê-la sempre pelas costas – o que não é sem conseqüências, daí namorados. Não fosse isso, um sintoma lhe apareceu no corpo nesses últimos anos: sua vulva não tem mais lubrificação suficiente, um certo vaginismo lhe fecha as pernas durantes às relações sexuais e para que ela possa se dedicar ao coito – ela é dessas histéricas que gostam de transar – tem recorrido a dois expedientes: primeiro ela precisa untar-se com uma pomada lubrificante e esperar alguns minutos para que o produto faça efeito. Depois, precisa ficar na única posição sexual que não lhe causa desconforto, essa que o vitoriano Freud chamava de coitum a tergo, na linguagem comum, de quatro, pois assim – é ela que o diz – sua vulva fica mais aberta e receptiva.

Dá para notar aqui o paradoxo que todo sintoma neurótico encerra – ela só pode se fazer penetrar exatamente da forma que ela se queixa – mas como é a questão do nome o que nos interessa no momento, deixarei de lado esse ponto e lhes proporei o seguinte: A falta desse V em Vula, que daria VulVa, deixa a sua fora de cena ou ao menos encoberta?

Posso responder tranqüilamente lhes dizendo que sim, que para ela esse seu nome significa, entre outras coisas, dois mandamentos maternos – seu pai está completamente ausente dessa escolha desse nome –: "Vula, não tens acesso a tua vulva" e "Tu és mais que os homens, os destrói, e por isso não deves recebê-los nisso que te caracteriza como mulher".

Mas pensemos mais um pouco: se um nome, como no caso dessa analisante encerra um significado, designa alguém específico, mesmo, e até por isso, que preste homenagem a outro, tão logo ela se toque disso, tão logo ela faça essa "descoberta" – ponho entre aspas porque fica claro que não há nada escondido aí, é evidente, não há uma bolsa fechada que guarda segredos e que o analista deve ajudar a desencavar - lhe surge à oportunidade de resignificá-lo, mudar-lhe o sentido, criar algo de novo aí e isso só é possível, de acordo com o aforismo lacaniano, porque sobre um significado, para ser sucinto, "Não tens acesso a tua vulva", temos a própria Vula como significante.

É esse o passo que Lacan dá; dos espelhos ao significante e por isso chamarei esse primeiro tempo de imaginário, onde encontramos um sujeito ligado ao mundo da estória – como queria Guimarães Rosa – e o notarei assim S s, um sujeito não cindido em relação de dupla implicação com um significado que, por mais terrível que seja, não o deixa sem lar.

O segundo tempo, seguindo esse raciocínio, é o da passagem do significado ao significante, ou se vocês querem, do imaginário ao simbólico. É esse do sujeito, agora cindido, na sua relação com o aparelho da linguagem, S S e para trabalharmos com ele seguirei um conselho de Freud deixado na introdução de Sonhos e Delírios na Gradiva de Jensen, quando diz que os poetas conhecem mais coisas entre o céu e a terra do que nossa filosofia nos deixa sonhar. Um desses, principalmente para Freud e por causa do parricídio, foi Dostoievski e o que ele nos apresenta em Crime e Castigo? Um personagem a lá homem dos ratos, recheado de dúvidas, oscilante entre vertentes, com dificuldades enormes em optar. Ele não sabe se mata ou não a usurária usurpadora de seus bens. Depois de matá-la, não consegue ter certeza se é ou não um assassino, e quando conclui que sim, que esfaqueou a velha até a morte, não se decide com facilidade se entrega-se à polícia ou foge covardemente. Resumo bem as coisas pois esse movimento – o melhor seria dizer inação com ares de movimento – de uma coisa a outra é vertiginoso e abarca quase praticamente todas as suas atitudes. E como se chama esse personagem? Raskolnikov, do russo raskol, que não significa senão, cisão, ruptura.

E aqui lhes faço uma nova interrogação: Dostoievski escolhe esse nome e o lança já nas primeiras páginas para nortear o leitor, isto é, o nome diz qual será o enredo que se seguirá ou é o contrário, o texto, a tessitura da trama implica que alguém que a protagonize chame-se Cisãonikov? Não dá para saber. Dostoievski não se pronunciou à respeito. Mas um seu grande comentador, Mikhail Bakhtin, me faz pender para a segunda alternativa pois num livro dedicado aos Problemas na Poética de Dostoievski nos mostra o quanto os personagens do escritor russo não são alter-ego do autor, que dizem e fazem coisas bastante distintas daquilo que o carola Dostoievski pensava e até queria, em suma, que têm vida própria, são autônomos. Isso transforma Dostoievski não em um Demiurgo todo poderoso que dita as regras àqueles que aparecem sob sua pena mas o oposto.

Para ilustrar um pouco disso pensemos na cadeia de Markov . Temos uma série de sinais de presença e ausência, de + e de – soltas aleatoriamente numa folha de papel, que, como diz Cervantes, não recusa nada. Assim: ++---++-------++--+-+-+-+++----+-----+++-+--+--+++----++-+--++--++--+++----+++------++++-+-+ ... O que Lacan demonstra com isso? Que se nos debruçarmos sobre essa cadeia, se as dividirmos em agrupamentos, não tardaremos a encontrar uma lei interna que nos permite inclusive, determinar como ela continuaria, se fosse esse o caso. O que estou lhes propondo é para considerar o texto de Dostoievski como essa cadeia que encontra seu nome só depois, e que nesse momento específico, por esse, e não outro encadeamento de significantes, Raskolnikov surge como Raskolnikov e não como Dimitri, Aliócha ou Ivã. Se vocês quiserem ou tiverem paciência tentem um dia pegar Crime e Castigo e quando aparecer Raskolnikov substituam por outro nome, por um brasileiro, tipo João. Vocês verão que o texto não cola, que aquilo que é uma obra prima da literatura universal perde imensamente seu valor. Existe mesmo quem já fez isso, não com Dostoievski mas com Guimarães Rosa, leiam o Recado do Nome de Ana Maria Machado e vejam no que dá.

Então, se essas minhas proposições estão corretas, se como disse Lacan, o simbólico é isso que vem antes e determina um lugar a ser ocupado pelo sujeito nessa cadeia, seria o nome próprio um significante? A resposta é quase raskolnikoviniana: sim e não.

Se, como vimos no caso da Vula, pode-se mudar seu sentido, que podemos trabalhá-lo até que algo distinto daquilo que significamos para um Outro se produza, no caso de Raskolnikov fica claro que um nome não está aberto a todos os sentidos, que não se pode fazer qualquer coisa com ele, que algo aí permanece, que há algo fixo, o que resulta na insuficiência de considerá-lo apenas nesses dois registros que viemos trabalhando até aqui. E o que é isso que permanece num nome independentemente daquilo que façamos com ele? A letra, dirá Lacan a partir do seminário dA Identificação. Essa mesma letra que ele separará totalmente em Lituratera do campo do simbólico – campo do significante, como ele escreve – dando-lhe o estatuto de Real. Mas o que é uma letra?

Nesse seminário que lhes disse que inspirou essas linhas, o seminário 12, existe algo que pode nos servir para avançarmos nessa questão. Todos conhecem como se inaugura a Psicopatologia da Vida Cotidiana de Freud. O primeiro capítulo é dedicado ao Esquecimento de Nomes Próprios, com aquilo que tantos de nós temos trabalhado em algum momento, falo do esquecimento de Signorelli. O que Freud diz lá? Que Signorelli não lhe veio à mente por duas razoes muito específicas que esse nome evocava: morte e sexualidade. Lacan chancela isso durante vários anos, leiam o seminário As Formações do Inconsciente e verão lá: Signorelli é esquecido por Freud porque lembram a ele os temas da morte e da sexualidade .

E o que tem de diferente nesses Problemas Cruciais, principalmente se levamos em consideração que morte e sexualidade são apanágio do simbólico – é onde Lacan os situa em A Terceira – e como vimos à letra, que é que estamos perseguindo agora, é da ordem do Real? A novidade é o destaque para as três primeiras letras de Signorelli, S, I, G, que são também as que iniciam SIGmund e que para Freud passa completamente despercebido. É estranho que S, I, G não lhe tenham evocado seu próprio nome. Ele assinava constantemente suas cartas dessa forma. A Fliess, por exemplo, nunca está seu nome inteiro mas sempre vemos SIG mais um M o que dá Sigm. Seu Sigm, Sigm. Freud, Sigm apenas, está lá, sempre assim, nessas cartas que lhe serviram como análise. E quando ele muda de nome – Freud nasceu SIGismund – aos 22 anos é ainda S, I, G que permanecem inabaláveis. E que isso quer dizer? Aí e que está o problema, pois esse ajuntamento não quer dizer nada, são marcas, traços, Einziger Zugs.

Lacan os exemplifica pelo osso que viu numa exposição no museu de Saint-Germain-em-Laye, que tem entalhes feitos por um caçador madaleniano de número IV – não me perguntem porque ele se chama assim– que teria servido para contabilizar cada animal abatido, um a um. Eles não valem aí a não ser por serem traços distintivos entre si. Não se contam 1+1= 2, 2+1=3, 3+1= 4 e sim 1,1,1,1... E eu lhes pergunto: o que fazemos com essas letras que se contam uma a uma e não fazem sequer história?

Voltemos ao seminário A Identificação. Lá Lacan formula algo de suma importância para entendermos bem o que virá a seguir. Diz ele: a escrita, a letra, não veio antes do significante – lembrem-se que já trabalhamos isso lá com o Raskolnikov – mas ela é produto da linguagem e que fica assim, em estado de espera de uma Voz, de uma emissão vocal. Quer dizer, se eu a toco, se eu a faço soar, a letra pode dizer algo, não enquanto significante ou significado, mas enquanto som. É como nesse instrumento chamado reco-reco. Existem os entalhes que nem no caso do osso do homem pré-histórico. Se passo uma vareta por eles, tornam-se capazes de produzir até uma escala musical completa. Podemos fazer com esse instrumento primitivo, arte. E aqui entra aquilo que chamei lá no começo de quarto momento do ensino de Lacan nessa questão do nome e que já se esboça em RSI quando ele aproxima o nome de um sintoma, ainda sem th, que só aparecerá no seguinte, no 23. E junto vem uma promessa que eu havia feito de que James Joyce entraria em cena e seria determinante para entendermos algumas coisas. Na conferência de 16 de Junho de 1975, Lacan diz com todas as letras: Joyce, o sintoma, assim, junto, apenas separado por uma vírgula, esse é o nome de James Joyce. Porque será? Aqui tenho que lhes contar algumas coisas sobre esse grande escritor irlandês.

Ele escreveu 6 livros: uma coletânea de poemas, uma peça de teatro chamada Exilados – que espera uma tradução decente – e Dublinenses, que são contos que não narram nada de grandioso mas apenas coisas ínfimas acontecendo na cidade com gente comuníssima – isso é uma característica em Joyce –. Depois vem Um Retrato do Artista Quando Jovem, romance que trata da vida de Stephen Dedalus e onde já aparecem algumas inovações linguageiras, interessantes pois conforme Dedalus vai crescendo sua forma de narrar o mundo e se contar também vai crescendo – no começo é uma criança falando, depois um jovenzinho e no fim um adulto. Daí chegamos ao Ulisses, que fala do mesmo Dedalus, de Leopold Bloom e de sua esposa Molly e do encontro desses dois homens, o primeiro procurando um pai mais digno, o segundo quer alguém para substituir seu filho morto e enquanto isso Molly se deita com Boylan.

E chegamos ao Finnegans Wake, obra máxima de Joyce – que não li inteira – escrita em várias línguas e que conta entre várias coisas – várias mesmo, como por exemplo a história do mundo – a vida de Humphrey Chimpden Earwiker – nome que nos será útil mais tarde.

Joyce, por esses seus trabalhos – em todos sempre existem coisas sobre o nome, é impressionante – dizia que se ocupariam dele por trezentos anos – o que de fato acontece – e isso tem toda a relação com aquilo que Lacan vai sustentar sobre ele: James Joyce não sucumbe à loucura – não que ele fosse alguém muito normal, se lemos as cartas dele a Nora, sua esposas, verificaremos que existem algumas que tratam exclusivamente de escatologias, tipo: quero que defeque em mim, quero ser seu papel higiênico, etc. – porque soube fazer com seu sinthoma. E o que isso quer dizer?

Entramos nisso que se chama último Lacan, esse das rodinhas de barbante, do nó borromeu que é, isso é importante, uma escrita, uma escrita que não engana pois basta que enodemos seus elos de forma errada que ele se desfaz. Em RSI Lacan pensa que um nó apenas com três consistências se sustentaria mas nesse, o do sinthoma, ele muda de opinião e explica que a três, R, S, I, apenas, o nó não é orientável, eles se confundem, e o aproxima dessa feita ao nó de trevo, que é o nó por excelência do paranóico. Precisa haver um quarto que os distinga e é esse quarto que ele chama de sinthoma e que, no caso específico de Joyce, faz às vezes de seu Ego – não eu, je, moi, ich, mas Ego. É essa escrita que dá consistência a Joyce, essa escrita que é a do nó no campo teórico mas que é a dos romances joyceanos no campo prático. Porque o pau e o pai de James são moles – é Lacan que enfatiza – Joyce cria um nome para si, produz algo com isso e consegue ficar de pé. Sua filha, por exemplo, não consegue o mesmo feito e acaba louquinha da silva – ela se consulta, parece com Jung, que não resolvendo seus problemas será, e por conseqüência todos os psicanalistas, odiado por Joyce.

Não se enganem, muito diferente daquilo que destacamos em Dostoievski, ou seja, o fato de que seus personagens não têm relação direta com ele mesmo, para Joyce a coisa é pessoal. Joyce é sua obra, é sua escrita Isso aparece claramente com Stephen Dedalus – tanto no Retrato como no Ulisses – Stephen é Joyce escrito e escarrado, ou o Joyce que Joyce gostaria de ser – e não é nada fácil gostar dele, ele é babaca, metido, insuportável – e em Finnegans Wake, como eu disse para vocês, durante os 17 anos em que foi sendo escrito, ódios e amores vão aparecendo e mudando o conteúdo do texto. Joyce era um realista no sentido estrito da palavra: quando ele escreve que as 17:00, a sombra da árvore na rua tal estava sobre o banco incidindo da direita para a esquerda é porque na realidade isso acontecia de fato. Escrever para Joyce foi algo seriíssimo.

E assim, graças a Joyce, temos o vislumbre do nome próprio em quatro estatutos: o do imaginário, esse que se articula com o significado. O do simbólico e sua vertente significante. O do real que vimos ser da ordem da letra que por ser também escrita faz Lacan passar a esse quarto que é o do sinthoma que vem enquanto nome amarrar os outros três. Joyce, diz Lacan, fez isso de olhômetro, R e S estavam amarrados olimpicamente e I solto, o Ego enoda tudo de novo – sem encostar em I. E nós? O que nos é possível fazer com nossos nomes? De que forma podemos fazer com nosso sinthoma e assim não cairmos mais doentes abandonando isso que Freud chamava de miséria neurótica?

Lacan dá uma dica, faz algo com o seu – e não sei se houve desenvolvimento disso nos seminários seguintes – e que é aquilo que ele enuncia como, fazer com que o nome próprio passe para o âmbito do nome comum. Ele diz: eu me chamo jaclaque han! Faz um jogo com claque para dizer de seu cansaço – e de seu público – e da ausência de aplausos e produzindo apenas um som, uma onomatopéia, uma exclamação, que em si não tem sentido e que é ainda por cima escrita com letra minúscula e pode ter valor de chiste.

Em Joyce dá para perceber algo bastante semelhante. Em Finnegans Wake, o protagonista Humphrey Chimpden Earwiker, que muitas vezes muda de nome e viram slogans como Howth Castle and Envirous ou Haveth Childrens Everywhere conserva sempre as iniciais HCE e que Anthony Burgess faz valer, tirando do próprio texto joyceano, a Homem Comum Enfim. (Here Comes Everybody, no original)

E me parece que é isso eu Lacan indica nesse seminário 23, que pela análise podemos dar-nos outro nome que não seja apenas o da "majestade o bebê", que podemos rir dele, não levá-lo tão a sério e mais, que com isso, com isso que nos marca nos três registros, em R, em S e em I, e que correm o risco de desarticulação ou uma má articulação, possamos amarrá-los de tal maneira que nos seja produtor de algo com a arte, ou a prática psicanalítica – pois sabemos quantas vezes nossos nomes são apenas significantes da transferência e não nos designam por aquilo que somos – ou sei lá o que. E qual é a boa amarração? É isso que eu acho fabuloso, para cada um será de um jeito, cada um terá que criar – e não copiar – seu estilo de escrita do próprio nome, pois como Lacan deixa muito claro, só existe responsabilidade na medida em que se sabe fazer com seu sinthoma.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 27 - Mayo 2012
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