Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Enlaces entre toxicomanias e adolescências:
especificidades da escuta psicanalítica
Sandra Djambolakdjian Torossian

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RESUMO

O presente trabalho trata das relações entre adolescências e toxicomanias, focando as especificidades da escuta psicanalítica. O percurso de escrita segue o gênero do estudo clínico e inicia pelas interrogações provocadas pela escuta de adolescentes que se apresentam a partir do sintoma das toxicomanias. É discutida, também, a função do tóxico na adolescência bem como as especificidades da demanda e da transferência no tratamento. O ideal de abstinência e o lugar do analista são os tópicos que finalizam este texto.

Palavras chave: toxicomanias- adolescências- demanda- transferência- escuta

 

As interrogações iniciais deste trabalho foram impulsionadas pela clínica de adolescentes cujo sintoma principal organiza-se a partir das toxicomanias. A escuta desses sujeitos dá-se em diferentes cenários de tratamento os quais incluem contextos de análise e contextos de hospital-dia, específico para o tratamento das toxicomanias.

O percurso de escrita deste texto seguirá a proposta de Rodulfo (2004) relativa ao estudo clínico. O mencionado autor denomina estudo clínico a um gênero adotado para "contar e pensar" o percurso do tratamento psicanalítico. Ressaltam-se, nesse decurso, os fluxos e refluxos não lineares que podem ser associados mais a uma atitude do que a um método. A sinuosidade é, também, uma característica desse gênero. Um gênero que evita pensar nos moldes de um vai-e-vem de perguntas e respostas e evita, sobretudo, um molde. Rodulfo (2004) propõe a conceitualização psicanalítica a partir de um modo de processamento de materiais semelhante ao processo de amassar e não da aplicação de um molde sobre a massa. Diz o autor: "no estudo procura-se reproduzir certo modo de caminhar que, cotidianamente, no consultório, enfrentamos como podemos" (Rodulfo, 2004, p. 32).

Partimos, então, de interrogações relativas às diferentes demandas de tratamento que emergem da fala de sujeitos que se apresentaram através da toxicomania. A direção desses tratamentos provocou inquietações, as quais transformaram-se em perguntas, relativas à associação freqüente entre as toxicomanias e os modos se ser adolescente; às especificidades que a clínica da adolescência e das toxicomanias nos coloca e, além disso, a uma reflexão sobre a insistência na abstinência que muitos tratamentos propõem em relação às toxicomanias.

A relação entre as toxicomanias e as adolescências surge no nosso trabalho quando adolescentes nos procuram, demandando um olhar que lhes possibilite a realização de novas escolhas. As drogas são, muitas vezes apresentadas como solução viável de percurso.

As toxicomanias e as adolescências

Os sujeitos que escutamos falam-nos, geralmente, das peripécias e vicissitudes da sua relação com os outros num momento em que seus corpos estão se modificando em ritmo acelerado. Seus pais e professores exigem-lhes uma postura diferenciada daquela que exigiam-lhes quando crianças. Seus amigos, outrora companheiros de brincadeiras, espelham as mudanças corporais e demandam um olhar que inclua a genitalidade. Falas sobre namoros, brigas e cumplicidades são freqüentes.

Um novo "brinquedo" surge em conformidade com a contemporaneidade e é por todos compartilhado: as drogas. A associação entre o brincar e as drogas foi assinalada por Winnicott (1971/1975) e é retomada por Rassial (1999). Essas drogas, então, remediam situações de angústia e, ao mesmo tempo, tornam-se venenosas, transformando-se em tóxico. Para Derridá (1972/1997) ser remédio e veneno simultaneamente é a capacidade do farmakon. Seu poder reside no efeito de fascinação produzido, o qual apresenta o "benéfico e maléfico".

Os adolescentes que escutamos estão inseridos numa cultura na qual a toxicomania inscreve-se no discurso dominante. A evitação da angústia, o imediatismo do prazer, o consumo exacerbado, dentre outras propostas, são evidenciados nesse discurso.

O descompasso entre as mudanças orgânicas e as suas conseqüências psíquicas foi apontada por Freud (1905c/1981, 1914/1981) quando, ao diferenciar a puberdade da adolescência, situa o trabalho psíquico a ser realizado em função da maturação sexual. A adolescência renova questões infantis que propiciarão ao sujeito o afrouxamento dos laços contraídos na infância em relação aos primeiros objetos de amor e à autoridade. É pela primazia da genitalidade que o sujeito adolescente encontra-se, segundo Freud (1905c/1981; 1928/1981) no trabalho de vencer as fantasias incestuosas e encaminhar-se para novas escolhas de objeto, bem como libertar-se da autoridade dos pais para novas formas de autoridade. Este processo provoca, segundo Freud, uma das reações psíquicas mais dolorosas e mais importantes para o progresso da civilização.

As "novas" escolhas realizadas pelos adolescentes têm, assim, um fundamento nas questões infantis. A operação adolescente é, então, um processo de retomada e relançamento das referências parentais. A criação do "novo" nesse lançamento é um processo sofrido que propicia o progresso da civilização.

Ao tratar do tema da toxicomania, Freud (1930/1981) enfatiza a função dos tóxicos em relação ao alívio do mal-estar associado às renúncias provocadas pela civilização. Alívio de um sofrimento relativo ao peso da realidade e a conseqüente busca de prazer. Freud assinala, aqui, a solução toxicomaniaca em relação à castração.

Em outros momentos de sua obra, refere-se a diferentes tipos de adições, inclusive aos tóxicos, explicando-os como uma substituição das pulsões sexuais. A utilização de álcool é ainda associada à diminuição da crítica superegóica e ao levantamento das inibições. (Freud, 1897/1981, 1898/1981, 1905a/1981, 1905b/1981, 1905c/1918, 1917/1981) .

Freud (1928/1981) deixa-nos rastros que nos permitem associar as toxicomanias à adolescência, por exemplo, quando relaciona a paixão pelo jogo às fantasias da puberdade. Por um lado, aponta o sofrimento do trabalho psíquico a ser realizado na adolescência e, por outro, associa a função dos tóxicos ao alívio do sofrimento provocado por questões superegóicas e à substituição das pulsões sexuais. Então, a angústia, surgida do trabalho adolescente, poderá ser aliviada pela utilização de tóxicos.

A trilha aberta por Freud tanto para o entendimento das toxicomanias quanto para o da adolescência é exaustivamente seguida por psicanalistas, os quais propõem outros rumos na elucidação dessas problemáticas.

Assim, encontramos em Le Poulichet (1990, 1991,1996) uma teoria das toxicomanias que detalha e avança no entendimento do alívio da angústia e da substituição das pulsões proposta por Freud. A autora segue uma interrogação freudiana relativa ao porquê de uns sujeitos intoxicarem-se com as drogas e outros não, diferenciando os usos de drogas das toxicomanias. A operação farmakon é apontada como diferencial.

As propriedades das drogas de constituírem uma solução de duas faces - remédio e veneno- para os conflitos psíquicos constitui o princípio do farmakon, presente tanto nos usos de drogas quanto nas toxicomanias. No entanto, não é a ingestão de uma droga que define uma toxicomania, mas a presença da operação farmakon: quando o mencionado princípio produz um excesso químico associado a uma problemática narcísica.

Dependendo da posição que os sujeitos assumam na operação farmakon definir-se-á uma lógica de suplemento ou de suplência na toxicomania. Quando o sujeito endereça-se ao Outro e está, portanto, inscrito na problemática fálica, o excesso químico tem a função de instrumentalizar a procura de um suplemento na relação imaginária com o outro. Essa saída provoca uma prótese narcísica que tende a "regular" os aparelhos corporais, suspendendo os conflitos psíquicos, ligados à castração.

Já quando o sujeito encontra-se numa posição na qual prescinde da alteridade, o excesso químico associa-se a uma formação narcísica dual. Nestes casos, o corpo químico tem que e fazer funcionar a máquina do organismo. O tóxico não mais regula o bom funcionamento corporal, mas é o motor sem o qual a máquina não funciona.

Tanto na lógica da suplência quanto na do suplemento, Le Poulichet (1990) aponta para a falta de eficácia simbólica. Nesse ponto, suas proposições assemelham-se às de Melman (1992) e Petit (1990), autores que ressaltam as falhas na função paterna associadas à emergência do sintoma das toxicomanias.

Como mencionamos acima, Freud (1905c/1981) indica a passagem da autoridade dos pais para novas formas de autoridade como um dos trabalhos psíquicos a serem realizados pelos sujeitos adolescentes. Novas formas, referenciadas nas anteriores e limitadas pelas interdições impostas pela civilização.

Retomando as propostas freudianas e lançando novas proposições Rassial (1997) define a adolescência como um momento de "après-coup" do estágio do espelho, no qual são retomadas e relançadas às questões infantis associadas à apropriação da imagem corporal, do sintoma e ao teste da eficácia do Nome-do-Pai.

Em relação à imagem corporal, o autor ressalta que as modificações pubertárias são inicialmente não-simbolizadas e, depois, mal-simbolizadas. As falas dos sujeitos escutados, relativas ao descompasso entre as modificações corporais e as psíquicas, encontram um eco nestas proposições. Além disso, Rassial aponta para um momento de apropriação do sintoma, o que faz da adolescência um momento de construção, bem como para o teste da eficácia paterna. Neste momento constrói-se uma nova imagem corporal, sustentada no olhar anterior, paradoxalmente questionado. É nesse hiato de passagem entre o olhar dos pais e o dos "irmãos" que aparecem as carências na significação do corpo.

A passagem da autoridade dos pais para novas formas de autoridade traz consigo, também, um hiato, trabalhado por Rodulfo e Rodulfo (1986), como uma luta entre os significantes que referenciaram o sujeito e dos quais o adolescente tenta escapar. O sujeito está aí situado num lugar "entre" diferentes olhares, "entre" diferentes formas de autoridade. Nesse momento testa a eficácia paterna que sempre aparecerá em falta, pelas próprias condições de enunciação: realiza-se um teste das referências ao mesmo tempo em que estas precisam ser negadas para efetuar a passagem para novas formas.

Queixas quase intermináveis são formuladas pelos adolescentes escutados, mas diferentemente de outras queixas estas parecem não ter solução. Queixam-se, por exemplo, da falta de reconhecimento deles enquanto adultos, e, ao mesmo tempo, menosprezam qualquer dizer vindo desses "adultos". Demandam cuidados especiais e enraivecem quando alguém atende aos seus pedidos. Solicitam liberdade total, mas perdem-se com o excesso de liberdade.

As queixas mencionadas traduzem o lugar em que esses sujeitos se encontram em relação às promessas edípicas. Refere Rassial (1997) que na adolescência se constata a farsa das promessas que apontaram a escolha de novos objetos de amor como resolução do tabu do incesto. Os sujeitos encontram, no momento de poder realizar essa escolha, a proposta de um novo adiamento nessa resolução, bem assinalada por Calligaris (2000). Constatam a irrealização dessa promessa traduzida, muitas vezes no sofrimento decorrente dos desencontros amorosos. Não são raros os momentos em que os encontros e desencontros amorosos, bem como as desilusões relativas à confrontação com o ideal do encontro perfeito, precisaram ser trabalhadas. Temos aqui concretizada uma das razões do descrédito adolescente aos dizer dos adultos, como uma das faces de resposta ao teste das referências.

Se os adultos não constituem o mesmo estilo de referências que na infância, novas sustentações são procuradas. O grupo de amigos, a "turma", tem nesse momento, uma função crucial. Melman (1992) ressalta a formação dos "bandos" adolescentes como uma das sustentações possíveis. Aí os sujeitos opõem-se a um inimigo, representante da alteridade. No grupo priorizam-se os iguais, sendo cada integrante idêntico à imagem do pai ideal.

Kehl (2000) conceitua a função fraterna como aquela exercida pelos irmãos na constituição do sujeito. São os irmãos que marcam a igualdade e as diferenças. Estes diferem pelo seu nome, mas referenciam-se ao mesmo sobrenome. A função fraterna reside, então, na cumplicidade entre irmãos que, por um lado, propõem a criação do novo e, por outro, fazem valer a Lei vigente.

As drogas são, freqüentemente, objetos de circulação e troca dos grupos, constituídos por adolescentes. Estas estão, geralmente, associadas à criação do novo, proposta por Kehl (2000). Os adolescentes falam disso quando, muitas vezes, mencionam a falta de saber e as fantasias parentais em relação às drogas. Estas são um objeto de circulação ao qual "os adultos", grande parte das vezes, não têm acesso, podendo constituir um segredo bem guardado ou revelado através dos freqüentes esquecimentos das drogas aos olhos dos pais e outros responsáveis.

A função do tóxico na adolescência

Dissemos anteriormente que a adolescência apresenta um hiato na significação do corpo, na apropriação do sintoma e nas referências. Esta operação marca uma pane subjetiva, segundo Rassial (1997), que coloca o sujeito numa posição "entre" autoridades, "entre" olhares. Essa posição denuncia que nessa passagem ainda há significações a fazer.

Nesse hiato os sujeitos poderão encontrar no tóxico uma saída.

Lembremos as formulações de Le Poulichet (1990) relativas à suspensão dos conflitos, na lógica do suplemento. A saída pela v ia do tóxico permite, então, a alguns adolescentes uma suspensão daqueles conflitos associados à descoberta da farsa da promessa edípica, bem como daqueles que demandam uma nova posição do sujeito. Essa saída apóia-se numa atividade infantil. É nesta lógica que podemos situar as formulações de Rassial (1999) que consideram as drogas como uma continuidade do brincar infantil. Não são raras as situações nas quais alguns adolescentes utilizam-se do tóxico para retomar o jogo de presenças e ausências.

Se temos na adolescência um "ajuste" a ser realizado e na toxicomania um remédio para resolver "ajustes ", a operação farmakon poderá se apresentar como solução para os "desajustes". Em alguns casos, a operação farmakon constituirá um sintoma endereçado ao Outro. Em outros, poderá tornar-se defesa ortopédica para situações de desamparo total. Defesa ilusória que coloca o corpo como anteparo perante a ameaça de um engolimento do desejo pelo Outro.

O Outro na construção das toxicomanias

A posição dos sujeitos na operação farmakon é uma das vias propostas por Le Poulichet (1987/1990) na diferenciação das diferentes lógicas encontradas nas toxicomanias. Na lógica da alteridade o corpo químico surge como suplemento na relação imaginária com o outro. Podemos situar, aqui, alguns acting-out nos quais os adolescentes dirigem a alguém os seus atos: aparecem embriagados ou com sinais de uso de drogas perante algum "adulto" de referência.

Na lógica da suplência, no entanto, prescinde-se do Outro, mas, como já dissemos anteriormente, essa exclusão é paradoxal. Podem ser lembradas, aqui, situações nas quais os sujeitos vivem para procurar a próxima dose.

A relação com o Outro é ressaltada por Rassial (1997,1999) como um eixo da operação adolescente nas suas três faces: a imagem por este refletida, a apropriação do sintoma e o teste às referências paternas. Já assinalamos como o tóxico poderá ser apresentado e constituído como sintoma.

Intermediado pelos pares, o tóxico, poderá tender a colocar-se como um suplemento na relação imaginária com o outro, remediando os conflitos adolescentes, ao suspender as questões associadas à castração e/ou instituir uma defesa contra o fantasma de indiferenciação em relação ao Outro. Defesa que em algum momento fracassa e faz os sujeitos dirigirem-se ao Outro.

Os adolescentes dirigem ao outro, na adolescência, demandas relativas à validade das referências imaginárias e simbólicas. Essas últimas poderão tornar-se uma garantia ou apresentar suas falhas. Há, ainda, a possibilidade de o outro cristalizar a imagem do tóxico, por exemplo, ao enfatizar o uso de drogas em detrimento de outras atividades nas quais o adolescente apresente certo sucesso. Assim, um sujeito que procura referências poderá encontrar na imagem do tóxico uma saída de identificação imaginária ou uma suplência simbólica.

As demandas dirigidas ao Outro, especialmente quando encarnado pelas figuras de autoridade, tomam, freqüentemente, uma forma negativa. Assim, a rebeldia, o enfrentamento aos costumes parentais, o aparente desprendimento em relação a essas figuras, e até o recurso ao tóxico, poderão traduzir demandas de significação das modificações ocorridas nas relações amorosas, nas demandas sociais, no corpo... desses adolescentes.

É nesse ponto que, boa parte das vezes, se produz um engano relativo à interpretação pelas figuras de autoridade. Aprendemos com Freud (1900/1981) que existe a sobredeterminação em relação ao significado dos sonhos e outras formações do inconsciente. No entanto, essa sobredeterminação ou polissemia parece escapar às figuras"adultas", quando se trata da adolescência e da toxicomania. Assim, ficam sem a possibilidade de tomar a negativa como uma afirmação. Escapam não somente aos pais, mas também a muitos profissionais que lidam com adolescentes e toxicômanos, os quais tendem a interpretações únicas.

Ao tratar da denegação Freud (1925 b/1981), refere que um pensamento ou uma imagem recalcada pode abrir caminho para a consciência sendo negada. Assim, a denegação supõe um levantamento do recalcamento, mas não uma aceitação do recalcado. No mesmo texto, o autor ressalta a impossibilidade do "não" ser proveniente do inconsciente, e afirma que nesse ponto a função intelectual separa-se do processo afetivo. Ao analisar a função intelectual do juízo, aponta um estado inicial de indiferenciação entre o subjetivo e o objetivo, característica da primeira fase do juízo.

A prova da realidade constitui o segundo momento. A diferenciação entre o objetivo e o subjetivo constitui-se quando o pensamento é capaz de fazer presente uma imagem, sem que o objeto exterior continue existindo. A finalidade mais imediata do exame da realidade, nesse ponto, é convencer-se de que o objeto ainda existe. É aí que se descobre, nesse exame, a perda dos objetos que um dia procuraram uma satisfação real.

Não é difícil entender, a partir dessas afirmações o recurso à negação utilizado pelos adolescentes, já que é próprio da operação que se impõe aos sujeitos a constatação da perda definitiva dos objetos. Lembremos as contribuições de Rassial (1997) quando afirma dar-se, na adolescência, a confirmação da farsa da promessa edípica, isto é, os primeiros objetos de amor estão perdidos, ou melhor, sempre estiveram perdidos, sem a possibilidade de recuperá-los. O sofrimento decorrente desta constatação tenderá a ser evitado, sendo a denegação uma das vias de que o adolescente dispõe.

No mencionado texto, Freud (1925 b/1981) refere-se, geralmente, ao "não" que aparece nos enunciados de forma explícita, porém, sabemos que este poderá estar, também, implícito. É o caso dos adolescentes aos quais nos referíamos acima. Esses negam sua demanda através da rebeldia, do questionamento, da afronta aos valores transmitidos.

O tema da demanda subjacente à negação e da análise de negações implícitas é trabalhado por Schäffer (1995). Essa autora analisa situações pedagógicas nas quais o sujeito demanda a outrem a direção das ações. Segundo sua análise, essa situação implica a desobrigação de o sujeito agir e transformar a realidade. No entanto, a autora atribui, também, à negação um estatuto de mediação que possibilita a construção (Schäffer, 1999).

Lembramos, aqui, da posição de muitos adolescentes, os quais questionam a direção das ações que demandaram aos pais, ficando, grande parte das vezes, paralisados. Paralisação que os impulsiona a diferentes ações: rebelar-se, juntar-se aos pares para compartilhar das peripécias de sua relação com o Outro parental, trabalhar...

O tóxico possui, por vezes, a função de "regular" o movimento pendular entre a ação e a paralização.

Sem uma compreensão desse mecanismo, geralmente, observa-se uma via interpretativa única que lê a toxicomania como um flagelo a ser evitado e a adolescência como "aborrescência". É assim que "os adultos", em consonância com o discurso social dominante, tendem a responder às demandas implícitas dos adolescentes. Surgem, então, uma série de desencontros entre o adolescente e o "adulto", que se somam ao hiato na significação das modificações pubertárias.

Esse desencontro parece repetir um hiato inscrito nas demandas e no reconhecimento social. Le Poulichet (1990) aponta que as imagens do tóxico dão lugar, na modernidade, a uma teoria sobre o tratamento do órgão da psique. Assim, elabora-se a categoria do "toxicômano" a partir do uso de produtos pelos sujeitos, sem considerar as significações em relação a esse uso. Podemos incluir aqui a categoria "do adolescente" que desconsidera os diferentes modos de ser adolescentes.

Além disso, a toxicomania assume a representação de um flagelo ou uma epidemia da qual é necessário livrar-se. Representação muitas vezes presente nas demandas dos sujeitos que procuram tratamento solicitando livrar-se do flagelo.

Melman (1992) afirma serem as toxicomanias um sintoma social, na medida em que está inscrita, explícita ou implicitamente, no discurso dominante da sociedade. O autor revela, ainda, que os toxicômanos são os heróis da sociedade, já que realizam o ideal social de consumo. No entanto, os sujeitos são considerados marginais. A toxicomania assemelha-se nesse ponto à adolescência. Calligaris (2000) ressalta a dificuldade de encontrar uma escolha adolescente que não constitua a realização do sonho dos adultos. A rebeldia adolescente, diz o autor, realiza o ideal social do adulto.

Aqui surge o paradoxo: a adolescência e a toxicomania constituem um ideal social que os "adultos" não reconhecem como tal e negam ao adolescente o reconhecimento demandado. Paradoxo que os adolescentes, e em especial os adolescentes toxicômanos, repetem. Demandam reconhecimento através de um mecanismo socialmente inscrito, mas não reconhecem o seu pedido como tal, rebelando-se e aliviando-se com as respostas.

Especificidades do tratamento com adolescentes toxicômanos

Dentre as questões clínicas que impulsionaram este trabalho encontramos dois modos de demandar que se relacionam aos diferentes lugares ocupados pela droga. Um tipo de demanda é aquela na qual os tóxicos apresentam o sujeito, porém, não o afastam dos afazeres cotidianos. Para esses sujeitos é possível associar o sintoma da droga a outras lembranças. Diferente é o caso daqueles sujeitos para os quais o tóxico tem representado uma saída exclusiva que não lhes permite a manutenção das atividades do dia-a-dia nem, muitas vezes, a busca de um tratamento.

Ao longo do trabalho entendemos, a partir da teoria de Le Poulichet (1990), que esses diferentes modos de demanda e o que chamamos de lugares ocupados pela droga, representam duas lógicas de toxicomania nas quais há diferentes posições dos sujeitos na operação farmakon. As possibilidades associativas de uns são consideradas na via do suplemento por constituírem um sintoma no circuito de alteridade.

Mencionávamos, também, a quase impossibilidade de haver um deslocamento associativo naqueles sujeitos para os quais as drogas ocupam um lugar preponderante na subjetividade. Impossibilidade que nos coloca no limite de nossa prática. Perguntamos: como trabalhar com sujeitos que não falam?

A demanda e a transferência

Um pedido de auxílio surge, nos casos de toxicomanias, quando há um fracasso da operação farmakon. Segundo Le Poulichet (1990), os sujeitos procuram tratamento quando a operação farmakon não garante a anestesia ou quando a "prótese" deixou de ser adequada.

O pedido, geralmente, é dirigido a um outro familiar que intermedia a procura por tratamento. Essa intermediação recoloca o lugar "entre" tratado acima. Os sujeitos precisam de intermediação para fazer o movimento de busca de tratamento, e, também, procuram no outro "forças" capazes de "competir" com o tóxico; um outro que destitua as drogas do lugar que ocupavam. Na maior parte dos tratamentos mais duradouros surgem momentos nos quais os sujeitos referem-se à felicidade e ao agradecimento aos familiares ou amigos por terem conseguido encaminhá-los ao tratamento, apesar de terem denegado, num primeiro momento, o pedido de auxílio.

O mencionado pedido não é formulado de forma direta. Este necessita, geralmente, que o outro o decifre a partir dos comportamentos. Assim, drogar-se e mostrar-se aos pais, responsáveis ou amigos, é um dos motivos freqüentes de procura por tratamento. O abandono de atividades cotidianas surge, ainda, em algumas situações como a impulsão ao tratamento. Ainda há outros sujeitos precisam cavocar o olhar do outro através de corpos quase mutilados.

A solicitação do tratamento, nestes casos, constitui o primeiro tempo da demanda. Os sujeitos chegam ao tratamento, aparentemente sem ter outra coisa a dizer a não ser suas peripécias com as drogas. É o primeiro tempo de um endereçamento transferencial, no qual estes sujeitos parecem testar a capacidade do analista de suportar a escuta às questões tóxicas; "palavras tóxicas", diz Le Poulichet (1990), ao analisar a dimensão de passagem ao ato que as palavras podem ter , destruindo, assim, a possibilidade do "après-coup" do dizer.

Não é raro deparar-se com profissionais e analistas nos seus primeiros contatos com a escuta das toxicomanias, que, angustiados com a dimensão que a fala sobre as drogas assume nos momentos iniciais do tratamento, insistem para que os sujeitos falem sobre outras questões e lembranças. Esse pedido apresenta, geralmente, uma dimensão impossível, uma vez que todas as lembranças remetem ao tóxico.

Assim, os sujeitos tendem a apresentar-se colocando o analista numa posição que o leva a perguntar-se pela possibilidade de realização do tratamento. Rassial (1990/1999), ao falar sobre os momentos iniciais de análise com adolescentes, lembra-nos que o sujeito tentará pôr o analista numa posição que interditaria a análise ou levaria ao fracasso através das reações terapeuticas negativas.

Suportar esse primeiro tempo da transferência, no qual o analista ocupa um lugar de objeto imaginário que desperta o ódio, o amor, a fascinação ou a angústia (Le Poulichet, 1990) torna-se essencial para o trabalho da demanda e da transferência; isto é, para que o analista possa ser situado num lugar de endereçamento da palavra não tóxica.

Quando dissemos suportar esse primeiro momento da demanda e da transferência situamo-nos numa posição contrária à daqueles analistas que afirmam estar o analista num primeiro momento substituindo a droga.

Substituir a droga seria engajar-se numa posição de competição com o tóxico e, competindo por um único espaço, não permitiríamos ao sujeito falar. Repetiríamos a dualidade a que os sujeitos nos empurram constantemente e cairíamos no engodo por eles proposto de estabelecer relações tóxicas.

Não competir com a droga significa, também, suportar as freqüentes "recaídas " e analisar sua função, e suportar o percurso do sujeito pelas drogas questionando sua posição, sem estarmos inseridos num pressuposto de abstinência. Há casos em que a cura não significa a abstinência mas uma mudança da posição do sujeito em relação ao tóxico. Neste sentido, Rassial (1990/1999) aponta para o perigo de dirigir a análise de um adolescente na tentativa de vencer o sintoma, por exemplo, do uso de drogas, já que este possibilita-lhe reconhecimento.

A abstinência

Quando a abstinência coloca-se como um objetivo da cura, transforma-se num ideal do analista. Não estamos nos referindo, aqui, a possíveis combinações de abstinência que objetivem a quebra de um circuito tóxico. E, tendo um ideal de cura, o analista se destitui como tal. Sob este ideal, torna-se fácil cair na competição com a droga e numa série de situações contratransferenciais nas quais a frustração e o descrédito nas palavras do analisante tomam dimensões fundamentais.

Como podemos escutar alguém se não acreditamos no que diz? Le Poulichet (1990) recoloca no campo da clínica das toxicomanias o ensino freudiano em relação à abstinência do analista. Freud (1915/1981) ensina-nos que o analista poderá cair no engano de fazer-se destinatário do amor ou do ódio dirigido pelo analisante. Nesse ponto, diz Freud, o analista quebra a regra da abstinência. Freud, (1912a/1981), ao fazer considerações técnicas, adverte aos jovens analistas sobre a impossibilidade de escuta posta em cena quando o analista vangloria-se do amor do seu paciente ou decepciona-se com o ódio. Freud recoloca aí a situação transferencial, na qual o analista é depositário dos amores e ódios endereçados a outras personagens familiares.

O ensino freudiano não pode ser esquecido quando se trata da cura das toxicomanias. Nesta devemos re-situar o lugar da abstinência do mesmo modo que Lacan re-situou o lugar das resistências. As resistências são as do analista, disse Lacan (1954-55/1984). Assim, a abstinência exige-se do analista e não do analisante. Esta é uma das contribuições fundamentais da clínica psicanalítica no campo das toxicomanias.

O lugar do analista

A dualidade tóxica e a impossibilidade de estabelecimento de um trajeto de "ida e volta" em relação ao Outro - olhar e ser olhado, falar e ser falado - constitui uma das faces do sintoma das toxicomanias ou, minimamente, trabalha-se, sempre, com o risco de seu desaparecimento.

Ao analista, perante essa conjuntura psíquica, caberá propiciar as resignificações, fortalecendo a dimensão ternária, no caso do suplemento, e reinserindo-a, no caso da suplência. Um analista que se mantenha numa posição silenciosa perceberá seu trabalho impossibilitado. O silêncio poderá criar um vazio de significações e propor a retomada do imaginário "engolidor" ou, ainda, impedir a via do resgate significante perante o teste da eficácia paterna. O silêncio, nesses casos, impede a fala.

BIBLIOGRAFIA

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 25 - Diciembre 2008
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