Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
A Transferência nos Atendimentos Breves de Orientação Psicanalítica
Gabriela Gomes Costardi - Soraya Souza

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo discutir a especificidade da transferência em psicoterapia breve. A metodologia utilizada é um estudo de caso. A relação de reciprocidade estabelecida inicialmente pela dupla terapêutica demarcou o espaço psicoterápico como um lugar de ‘palavra vazia’ e o cliente só pôde falar do que lhe fazia sofrer quando a estagiária saiu do lugar de sujeito que ocupava na relação. Esse deslocamento teve um efeito terapêutico para o cliente, que se fez marcar pela subtração da palavra. "Quem fala perde"(sic). Perder este lugar-sintoma foi o efeito resultante deste tratamento. Conclui-se que a proposta dos atendimentos breves de orientação psicanalítica opera a partir da sustentação do cliente enquanto sujeito do tratamento.

Palavras-chave: transferência, psicoterapia psicanalítica, atendimento breve.

Abstract

This paper aims to discuss the specificity of transference in short-term psychotherapy. The methodology used is a case study. The reciprocity relationship established at first by the therapeutic pair determined the psychotherapeutic space as a place for an "empty word"; the client was only able to talk about the source of his suffering when the intern stepped out of her role as the subject she had been playing in the relationship. That move had a therapeutic effect on the patient, marked by the subtraction of the word - "the one who speaks loses". Losing that place-symptom was the resulting effect of the treatment. The conclusion herein is that the proposal of short-term psychoanalytical treatments operates from the establishment of the patient as the subject in the treatment.

Key words: transference, psychoanalytical psychotherapy, short-term treatment.

 

Introdução

O desafio deste trabalho é fazer uma articulação entre uma experiência em psicoterapia e os fundamentos psicanalíticos, sem perder de vista que a utilização de um campo teórico para além do seu contexto de origem se dá a partir de aproximações e não no sentido de transpor uma realidade à outra.

A Psicanálise foi construída a partir da experiência clínica do seu fundador e possui um caráter tríplice: é um método de investigação, uma técnica psicoterpêutica e também um conjunto de teorias (Cf. LAPLANCHE E PONTALIS, 1999. p.384-385). Isso quer dizer que ela não é fruto do pensamento abstrato ou da pesquisa experimental, mas está atrelada a uma condição específica de experiência: a observação clínica que Freud realizou de si mesmo e de seus pacientes (Cf. SCHULTZ E SCHULTZ, 1981, p.343). Dessa forma, é importante notarmos que a construção da teoria psicanalítica se deu dentro de um enquadre específico e aplicá-la no âmbito da psicoterapia requer um esforço incessante de evidenciar as diferenças entre esses campos para articulá-los a partir de pontos de aproximação.

Antes de especificarmos as diferenças do enquadre nas propostas da Psicanálise e da Psicoterapia, é importante salientar uma diferença essencial quanto ao lugar que esses dois campos se propõem a ocupar diante da Ciência. Enquanto a Psicologia se constituiu a partir de um projeto científico, a Psicanálise permanece à parte dele. Isso marca a realização de cada um desses projetos tanto em relação aos procedimentos que utilizam quanto às finalidades que perseguem. Enquanto as práticas psicológicas realizam seu trabalho no sentido de levar o sujeito a um estado de saúde e adaptação criativa, a Psicanálise visa a emergência da singularidade absoluta, sem se referir a uma finalidade específica. É por isso que a Psicanálise sofre algumas descaracterizações quando é utilizada para fundamentar a psicoterapia e não podemos tomar as contribuições daquele campo para embasarmos nossa prática psicológica sem a clareza de que o fazemos a partir de recortes e adaptações.

Dessa forma, faz-se necessário evidenciar que nossa opção por utilizar as contribuições de um campo não-científico reflete uma concepção crítica da noção de Ciência, enquanto um critério que se propõe a legitimar algo como verdadeiro, tomado em oposição ao que é falso. Entendemos que essa proposta de produção de um saber científico como verdade está a serviço da detenção do poder e não dá conta da verdade do sujeito psicológico que está ligada a um sentido particular. Foucault (2000, p.171) fundamenta esse pensamento: "Trata-se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência detida por alguns. [...] são os efeitos de poder próprios a um discurso considerado como científico que a genealogia deve combater."

Além disso, destacamos diferenças quanto ao enquadre em que se realizam as práticas da Psicanálise e da Psicoterapia. Especificamente em relação à psicoterapia breve, algumas das condições do setting divergem daquelas da análise clássica, como a delimitação temporal e a posição face a face. E embora a psicoterapia breve de orientação psicanalítica já tenha uma ampla divulgação nos meios da Psicologia, conforme as referências de Fiorini (2004) e Gilliéron (1986), as diferenças entre o que foi realizado neste processo psicoterápico e o fazer já instituído pelas referências psicológicas tradicionais nos impulsionaram a esse movimento de legitimação teórica. Para demarcar essa condição de inovação, a proposta aqui descrita será chamada de Atendimentos Breves. Essa prática caracterizou-se, basicamente, por promover um encontro analítico, com duração relativamente breve, e se propôs a um efeito terapêutico específico, a partir dos dispositivos da escuta analítica e da transferência. Sua realização comportou uma crítica em relação à psicoterapia de orientação psicanalítica instituída atualmente no que diz respeito à posição do psicoterapeuta dentro da relação terapêutica. As referidas práticas trabalham com as mudanças do enquadre da análise clássica a partir do campo da intersubjetividade (GILLIÉRON, 1986, passim), já os Atendimentos Breves propõem que o processo psicoterápico tenha apenas um sujeito, o cliente, e o psicoterapeuta ocupe o lugar de objeto nessa relação.

Essa divergência também está colocada para o movimento psicanalítico a partir de diferentes leituras da teoria freudiana. Os seguidores da escola kleiniana trabalham em termos de reciprocidade e para isso utilizam a interpretação da contratransferência, já os seguidores da escola lacaniana consideram a contratransferência como um entrave e tomam como referência para conduzir o tratamento apenas o processo transferencial. Nas palavras de Laurent (1995, p.15):

"[...] Lacan atacou os teóricos da contratransferência que tentavam reduzir a experiência a uma relação dialética intersubjetiva, assim perdendo o fio da prática analítica. A contratransferência postula a semelhança entre analista e analisando, sua equiparação, e por essa vereda se extravia. Toda concepção da análise como diálogo, mesmo que se recorra à lógica para atualizar o tema do diálogo, não muda nada: a reciprocidade na análise é um chiste."

Ao falar das diferenças entre essas duas correntes no que diz respeito à contratransferência, Nasio (1999, p.111-116) explica que os discípulos de Melanie Klein propõem ao analista declarar ao paciente tudo o que sentem, vivem e experimentam diante da experiência analítica, utilizando essas vivências como uma fonte de interpretação destinada ao analisando, já os discípulos de Lacan compreendem que essas reações do analista em verdade se referem a ele próprio e não ao paciente, sendo uma expressão imaginária que não contribui com o tratamento: "[...] a contratransferência é o conjunto dos obstáculos imaginários que se opõem à acessibilidade do analista à ocupação do seu lugar." (NASIO, 1999, p.117).

É importante salientar que, ao se fundamentar na posição psicanalítica lacaniana aplicada, o processo psicoterápico relatado a seguir tomou a relação terapêutica a partir da transferência do cliente, através da dimensão simbólica do seu discurso, sem considerar os processos contratransferenciais da estagiária como referência para sua condução. O tratamento ocorreu em uma Clínica-Escola de uma universidade particular do interior de São Paulo, entre os meses de março e junho de 2006.

Desenvolvimento

Davi (3) é um menino de 11 anos e chegou à Clínica-Escola em 2005 com o encaminhamento escolar de "indisciplina". Participou do psicodiagnóstico interventivo e foi encaminhado para psicoterapia breve infantil. Ele morou desde os quatro meses com a avó materna e sempre teve pouco contato com a mãe, que segundo a avó, o rejeitou. Seu pai morreu quando ele tinha cinco anos de idade. No mesmo ano Davi entrou na escola e um primeiro pedido de atendimento psicológico foi feito porque ele era agitado, mas sua mãe se opôs ao tratamento naquela época. Ela faleceu três anos mais tarde, quando Davi tinha oito anos. O pedido de atendimento psicológico foi reiterado pela escola e sua avó o inscreveu na Clínica-Escola.

Ficou claro, de início, que a indisciplina, nesse caso, significava ficar brincando, distrair-se, não ter vontade de realizar as tarefas. Ao falar sobre o motivo da consulta, Davi se justificou: "Tem dias que eu acordo agitado". A agitação a que ele se referiu foi definida pela avó como "uma angústia por dentro". Em seguida, ela levantou outra questão - se sente afrontada por ele não falar nada, não responder quando é repreendido. Ela sintetizou: "É como se estivéssemos falando com uma mesa!". Então, Davi se explicou em relação ao que a avó relatara dizendo "eu nem ligo".

O significante desligado apareceu, logo de saída, no discurso do cliente (4), e liga os dois aspectos da queixa da avó: a agitação e a recusa em responder. Desligado é justamente o que caracteriza a angústia presente no sintoma de agitação - um afeto desligado de representação, sem nome ou definição – e, ao mesmo tempo, desligar-se constitui uma defesa para não se afetar com as repreensões alheias, não precisando responder a elas.

A partir dessa introdução do caso, pode-se remeter à ação da estagiária. Desde o momento inicial, a escuta operacionalizou o processo, assumindo um caráter analítico. Ou seja, a estagiária acompanhou os significantes trazidos pelo cliente e saiu do lugar de educadora em relação ao qual sua demanda inicial foi construída. Pechberty (1996, p.19) postula que a ocupação do lugar de saber pelo analista é uma forma de violência para com a criança. Nicéas (1998) observa que o lugar que sustenta a escuta do analista propõe um retorno ao ato inaugural de Freud:

Ato pelo qual ele poderá renovar, de fato, a sua não-resposta à demanda inicial, ao apelo que lhe é dirigido para que ele se ponha no lugar de mestre, cedendo à sedução da demanda endereçada, sob qualquer forma de pedido, a que ele exercite o seu poder de sugestão. (NICÉAS, 1998, p.42)

É preciso destacar que a estagiária não trabalhou com a totalidade do material trazido pelo cliente. Ela buscou reconhecer o que era significante em sua fala e fez suas intervenções a partir daí. Jaques-Alain Miller (1998, p.40-50) chama esse processo de operação-redução, o qual se opõe à amplificação do sentido. O primeiro mecanismo da operação-redução é a repetição, onde o analista precisa captar a constante do discurso do paciente, apesar da diversidade do relato imaginário e dos diferentes personagens que ocupam o mesmo lugar em relação à estrutura do discurso. O segundo mecanismo implica em reconhecer que esse material que se repete converge para um ou alguns enunciados essenciais. Miller esclarece que é um enunciado que foi escutado ou produzido pelo sujeito e ao qual ele se dedicou a confirmar ou desmentir. Esses dois primeiros mecanismos se referem à dimensão simbólica do sujeito e ocultam uma dimensão não simbolizada, situada no real.

Não se deve, simplesmente, se fascinar com a repetição e a convergência, não somente com a repetição e a constante da presença, pois há também a repetição da ausência, da evitação, do contorno, que para o sujeito, se constitui precisamente como uma pedra de tropeço. [...] Repetição e convergência designam, na experiência analítica, a redução ao simbólico, a redução do discurso do paciente aleatório, confuso, abundante, a formas simbólicas elementares. Mas há algo mais, há essa evitação, que não está na presença, mas que introduz uma outra redução, a que chamarei aqui de redução ao real. (MILLER, 1998, p.65-66)

O que se revelou no decorrer das sessões com Davi foi que ele estabeleceu como defesa para lidar com a falta um mecanismo de permanecer ligado somente naquilo em que ele podia ter um bom desempenho, ficando desligado daquilo que lhe causava sofrimento. Esse sofrimento se inscreveu em sua história pelos significantes do abandono, da perda e da morte, e deixou-lhe marcado por uma mágoa do passado. Para lidar com isso Davi entendia que não deveria reagir quando se sentisse agredido, pois reagir implicaria em falar e isso exporia ao outro seus pontos fracos, o que daria possibilidade ao agressor de magoá-lo ainda mais. Por outro lado, o cliente apostava que em permanecendo calado, ao longo do tempo, o agressor se arrependeria de tê-lo agredido, pois não poderia mais contar com ele quando precisasse. Dessa forma, ele chegou a uma equação: "quem fala perde, quem fica quieto ganha".

Esse dizer se expressou na relação terapêutica, na medida em que Davi estabeleceu sua transferência a partir de um movimento de empatar o jogo com a estagiária para permanecer numa relação a dois, numa parceria simétrica, a qual serviria para a demonstração de suas capacidades egóicas com o encobrimento daquilo que lhe causava sofrimento. Um fragmento clínico revela o momento em que o cliente expressa o estabelecimento da transferência nesse nível. Foi a primeira sessão em que Davi demonstrou interesse pelos jogos. Escolheu o dominó e coordenou o jogo com grande habilidade cognitiva. Já ganhara três partidas contra apenas uma da estagiária e, então, começou seu movimento para que essa chegasse ao empate. Primeiro avisou a ela qual peça lhe daria a vitória. Depois, evitou trancá-la no jogo quando lhe seria possível. Assim, o placar chegou a três a quatro para Davi e, no início da oitava partida, ele disse: "Faltam cinco minutos. [...] Acho que você vai empatar." A estagiária ganhou essa partida, empatando o jogo. Davi falou: "Faltam três minutos, vamos desempatar hoje ou na semana que vem?" Estagiária: "O que você acha?" Davi: "É melhor deixar pra próxima pra não ter que parar no meio."

A partir dessa sessão, Davi trouxe um baralho e passou a exercer junto à estagiária uma função de ensinante. Ele lhe ensinou diversos jogos e, quando se certificava que ela tinha aprendido, propunha uma relação de competição, descaracterizando a assimetria dos papéis psicoterapeuta–cliente. O seguinte fragmento clínico é ilustrativo. Depois de ter jogado Resta Um, Davi disse: "Agora você joga." Estagiária: "É seu espaço." Davi continuou insistindo pra que ela jogasse. Estagiária: "Por que você quer que eu jogue?" Davi: "Pra ver quem ganha?" Estagiária "Você gosta de competir comigo?" Davi: "Sim."

Assim, as sessões ficaram ocupadas com os pontos fortes de Davi. Ele ficava no lugar do menino inteligente para não ter que abordar suas dificuldades, mecanismo que se revelou próprio de sua forma de lidar com a falta nas situações de vida. Dessa forma, o jogo funcionou como palavra vazia do cliente, suturando a emergência das questões que lhe faziam sofrer. Lacan (1986, p.63) fala sobre a palavra vazia enquanto aquela que não revela a verdade do sujeito, mas se destina à resistência, fazendo com que ele se perca no labirinto dos sistemas de referência lingüística. Ele alerta também que a fala vazia do paciente propõe ao analista que procure um sentido no além do discurso, fazendo entrar em jogo as suas próprias projeções.

Ora, quanto mais íntimo é o discurso para o sujeito, mais eu (analista) me centro nesse discurso. [...] quanto mais o seu discurso é vazio, mais sou levado, também eu, a me agarrar ao outro, isto é, [...] a procurar no além do seu discurso [...] e que é então feito de minhas projeções [...] (LACAN, 1986, p.64)

Essa configuração inicial da relação terapêutica deu início a um movimento da estagiária no sentido de "desempatar" o jogo, ocupando o lugar de objeto não complementar. Esse foi um momento fundamental do processo terapêutico, pois permitiu ao cliente se reportar àquilo que lhe fazia sofrer. Segue o relato de um fragmento da sessão em que este movimento se deu. Davi trouxe um baralho novo e se colocou a ver se ele estava completo. Davi: "Me ajuda!" Estagiária: "Agora é sua vez." Davi: "Por quê? Se você não me ajudar, eu não vou me lembrar." Estagiária: "Vou te ajudar, mas não fazer por você." Ele continua incluindo a estagiária na relação de parceria. Estagiária: "Acho que você aprende e ensina bem, mas tem coisas dentro de você que você quer ficar longe." Davi: "É verdade, eu aprendo prá me desenvolver." Estagiária: "Por que ficar longe disso?" Davi: "Tem pessoas que querem saber, eu digo e nem ligo." Estagiária: "Você nem liga?" Davi: "Quando as pessoas querem falar é só você se controlar, fazer que não é com você. Daí elas param e depois vão se arrepender do que falaram. Então, a gente ganha."

Algumas considerações sobre a transferência são importantes neste momento. Segundo Nasio (1999, p.35) há três acepções desse termo no meio psicanalítico. Primeiro no sentido de que a transferência é a relação total do paciente com o analista, segundo que ela é o conjunto de afetos e palavras do analisando que se referem ao analista e terceiro como repetição, na relação atual vivida com o analista, das experiências sexuais infantis. Mas a proposta desse autor ultrapassa as acepções apresentadas e vai no sentido do vínculo pulsional, ou seja, de um movimento que se dá em nível inconsciente e é resultante da ocupação de determinados lugares pela dupla analítica.

Para caracterizar o Atendimento Breve realizado, tomaremos a transferência como uma atividade pulsional que permitiu o vínculo da psicoterapia. Um vínculo específico em que houve apenas um sujeito, o cliente, ficando a estagiária como objeto. Isso quer dizer que a estagiária aceitou o lugar que o cliente lhe deu, mas não o ocupou de fato, recebeu sua demanda, mas não a satisfez. Ela se emprestou para servir àquilo que Davi precisava, mas o fez do lugar da não correspondência, gerando uma falta que imprimiu movimento ao seu discurso. Nas palavras de Freud (1919, p.214): "O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência." Abster-se de responder para não calar aquele que pergunta, abster-se de corresponder para não cessar aquele que demanda.

É precisamente essa concepção do lugar da psicoterapeuta que retira o Atendimento Breve realizado do campo da intersubjetividade. A estagiária não sustentou um encontro entre dois sujeitos, mas se colocou num lugar de objeto que não correspondia à demanda do cliente. É importante salientar que utilizamos aqui a concepção de objeto de Freud e Lacan que o colocam sempre como inadequado para satisfazer a pulsão sexual (LAURENT, 1995, p.54). Estar como objeto, nesse caso, significou ocupar um lugar de falta, que atraiu a pulsão e, por não satisfazê-la, fez com que ela retornasse ao cliente. Por isso o movimento de Davi continuou e a estagiária acompanhou o seu percurso, não imprimindo sua direção a esse. Nasio (1999, p.65) se refere ao lugar do analista enquanto um furo, um lugar de objeto que não completa, não responde à demanda de saber ou de amor e exige uma certa posição subjetiva, definida por ele como fazer silêncio em si: "O tempo, o espaço, outrem e visada ideal são os componentes constitutivos do Eu que é preciso suprimir, abandonar, durante um momento: o momento de ‘fazer silêncio em si’." (NASIO, 1999, p.126).

Com a "saída de cena" da estagiária, Davi começou a ocupar o lugar de sujeito no tratamento, o que se evidenciou com sua possibilidade de movimentar-se em relação ao lugar-sintoma previsto no enunciado " quem fala perde, quem fica quieto ganha". Ao longo das sessões, houve algumas alterações em seu discurso, como o reconhecimento de que sua postura de não ligar para as coisas era apenas um fingimento e que sua estratégia de não falar para não mostrar os pontos fracos era pouco eficiente, já que, algumas vezes, as pessoas o magoavam sem querer, ou seja, mesmo sem terem conhecimento sobre o que lhe causava sofrimento. A partir disso, Davi passou a dizer que seu jeito tinha mudado um pouco porque ele estava com menos vergonha de falar sobre as coisas e o processo psicoterápico teve fim com a explicitação do seu movimento no sentido de formular uma questão: permanecer desligado e continuar não sentindo ou experimentar ficar ligado e dispor-se a sentir.

Entramos, por fim, na questão do efeito terapêutico. O resultado desse Atendimento Breve não pôde ser medido em termos de remissão do sintoma de indisciplina escolar, pois isso dependerá das escolhas que o cliente fizer ao longo de sua vida. A delimitação temporal prevê um limite até o qual o psicoterapeuta acompanhará seu cliente, por isso a eficácia do Atendimento não está vinculada estritamente ao desaparecimento dos sintomas do sujeito.

Para que seja abordada essa questão é preciso diferenciar a causa final da causa material. A causa final é definida a partir de um ideal, ou seja, a partir de algo que está posto como finalidade, mas se faz presente desde o início do tratamento pelo planejamento dos meios para alcançá-lo. É aqui que se situa a eficácia terapêutica, enquanto finalidade de redimir os sintomas do paciente (BRODSKY, 2004, p.72-73). No Atendimento Breve referido não se operou em termos de causa final, mas em termos de uma causa material, ou seja, daquela que está colocada especificamente antes do efeito. Para isso trabalhou-se com a noção de que o sujeito é um efeito do significante e as intervenções a partir dos significantes trazidos pelo cliente propuseram um reposicionamento desse sujeito. Essa é a eficácia simbólica e seu efeito sobre a sintomatologia do sujeito pode não ser apreendido de imediato (BRODSKY, 2004, p.77).

Na análise do caso de Davi, pode-se reconhecer que houve um efeito em termos de eficácia simbólica, no sentido da movimentação de determinados significantes com uma mudança em sua posição enquanto sujeito, pois, ao escolher permanecer ligado, ele se permitiu falar, ainda que isso tenha significado para ele perder. Essa escolha de falar-perder lhe abriu a possibilidade de perder a reciprocidade com o lugar-sintoma e construir um lugar de emergência do sujeito.

Conclusão

As considerações feitas aqui a respeito do efeito terapêutico, da escuta analítica e da transferência, enquanto possibilidade de caracterização da proposta de Atendimentos Breves, fazem parte de um movimento inicial de legitimação teórica de uma prática com tudo o que isso comporta de imprecisão e risco.

Esse risco está posto, especialmente, porque faz-se necessário, ainda, construir um espaço de reconhecimento possível para uma proposta como essa dentro do fazer psicológico. A Psicologia tem como tradição trabalhar dentro de um âmbito de intersubjetividade, a partir da alteridade e da vida em sociedade. Isso marca tanto a sua inserção social quanto sua proposta clínica. Ao nos orientarmos pelos conceitos da psicanálise lacaniana aplicada propomos um questionamento desses pressupostos com vistas à emergência da particularidade irredutível de cada sujeito, ainda que isso se dê dentro de um laço social.

Notas

3 Nome fictício.

4 Será mantida a denominação psicoterapeuta-cliente para demarcar o caráter psicológico do atendimento, embora nas citações de fundamentação psicanalítica encontraremos os termos analista-paciente/analisando.

Referências bibliográficas:

BRODSKY, G. A eficácia da psicanálise. Opção Lacaniana, São Paulo, n. 41, p.68-87, dez. 2004.

FIORINI, H. Teoria e técnica de psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

FOUCALT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.

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GILLIÉRON, E. As psicoterapias breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.

LACAN, J. O seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.

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LAURENT, E. Versões da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

MILLER, J-A. O osso de uma análise. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise – Bahia. Número Especial. 1998.

NASIO, J.- D. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

PECHBERTY, B. A psicanálise da criança: uma situação violenta. Estilos da Clínica / Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, v.1, n.1, p.7-27, 1996.

SCHULTZ & SCHULTZ. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1998.

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Número 24 - Diciembre 2007
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