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Somos pacifistas porque nos vemos
obrigados a sê-lo por razões orgânicas.
(FREUD, 1997, v.XXII, p. 197)Por sorte, as pulsões agressivas nunca estão sozinhas,
senão sempre ligadas com as eróticas.
(FREUD, 1997, v.XIIE, p. 103)Introdução
O avanço tecnocientífico e seus respectivos desdobramentos, como a revolução industrial, contradições de classe, conflitos culturais, catástrofes ambientais e destruição ecológica, terrorismo e violência generalizados, encontram no palco do Cosmo o seu protagonista mais importante que é o humano.
A contribuição da Psicanálise para a análise dos fenômenos atuais consiste em revelar o Inconsciente como saber, oferecendo uma nova forma de se pensar o funcionamento da mente. Seu discurso dialoga com o conceito de Homem da Antropologia; de Ser, da Filosofia; e o de Saúde e Doença da Medicina. Para a Psicanálise, a civilização se erige às custas de uma cota da sexualidade e da agressividade humana, apontando a noção do inconsciente para o caráter "inumano" de nossa constituição e demonstrando a responsabilidade e implicação do sujeito em suas condutas, comportamentos e mesmo doenças.
Compreendendo os processos de subjetivação humanos e em especial a sexualidade através da linguagem e do contato entre os corpos, subverte o biológico e desloca o ponto de reflexão para as incidências do orgânico sobre os processos psíquicos. Ela sugere um movimento e uma articulação também discursiva que nos responsabiliza pela nossa posição subjetiva, fazendo o sujeito implicado em seu corpo, com o outro e o cultural, elementos constituintes de seu entorno e dos quais terá que advir, e, ainda mais, subsistir.
Com o conceito de pulsão de destrutividade, a clínica psicanalítica inscreveu a organização pulsional e seu funcionamento a partir do Sexo e da Morte. Desvincular a sexualidade da anatomia e da reprodução foi o início desta fase de transição a se renovar com a biociência e seus debates sobre a clonagem humana, gestação in vitro, células tronco, entre outros, fazendo conceitos como subjetividade, corpo e em especial sobre a espécie humana, trazerem à tona questões éticas, políticas e estéticas.
A psicanálise pesquisa, investiga e trata as dinâmicas das relações inter-humanas e a relação do sujeito com os objetos, sejam eles o próprio Eu, o outro (o semelhante), como também a relação com os objetos e acontecimentos do mundo. Seu objetivo é realçar o potencial ativo e criativo da espécie humana, que se acha relacionado ao conceito de pulsão, articulador e implicador de outros como os de repetição, transferência e recalque, este último considerado por Freud como uma descoberta, a nosso ver, justamente pelo sentido adquirido pelo sexual no campo psicanalítico.
O sentido conferido ao sexual, possibilitando diferenciar sexualidade de genitalidade, explicita o inconsciente freudiano como a energia responsável pela dinamicidade da nossa corporeidade e pessoalidade, donde emergem tanto as ações construtivas quanto as ações destrutivas atuantes e operantes no psiquismo. Este fato é acentuado desta maneira: "Não sem deliberação digo em nosso inconsciente, pois o que assim chamamos não coincide com o inconsciente dos filósofos nem com o inconsciente segundo Lipps".1
O SENTIDO DO SEXUAL EM FREUD
Em nossa sociedade pós-moderna e globalizada, necessário se faz considerar o pensamento humanista e o pensamento psicanalítico sobre o gênero humano. No humanismo , o homem é o centro do sistema ético, no campo freudiano não há privilégio do humano sob o universo, e sim a revelação do sujeito do inconsciente como devir.
Poderíamos dizer que uma nova estética é inaugurada por este campo pulsional, criação inscrita através da Histeria. O fenômeno aponta-nos um corpo esculpido por um bordeamento em que o somático e o psíquico se subsumem nas teias do erótico, desvelando o não senso que do sexual emana; uma linguagem fora da linguagem, portanto, vazio irredutível que causa o desejo em ato, em transferência. O inconsciente como saber deflagra a descoberta de que essa escritura cifrada no corpo histericizado é originalmente a linguagem do ausente, por assinalar a função de desconhecimento que o real acentua justo pela impossibilidade de supressão da sexualidade.
No campo psicanalítico, o sexual é um movimento cuja força e impulso constante reverberam em ondas, sobretudo orgânicas, sendo eterno o retorno de seu efeito sobre as suas representações (do sexual). Ao caracterizar a descoberta: de que "o inconsciente é o infantil" (FREUD, 1998, v. X, p. 141), a psicanálise mostra a sexualidade originalmente como uma energia física contínua, automaticamente repetitiva e não resistente a qualquer via, seja representacional ou de apresentação.
Ao demarcar o psiquismo como inconsciente, a psicanálise o faz sustentando-se sobre o a observação de que a sexualidade está em tudo o que há: "Nossa concepção atual pode enunciar-se aproximadamente assim: Em cada exteriorização pulsional participa a libido, porém não tudo nela é libido" (FREUD, 1998, v. XXI, p. 117)2.
A disparidade por ele assinalada entre a sexualidade enquanto função biológica e reprodutiva e o sentido do sexual se liga à sexualização precoce instalada no gênero humano através do processo de hominização e de humanização. Essa sensualização, perpetrada pela via do simbólico e pelo contato corpo a corpo com o outro, deixa um vestígio de impossibilidade, na qual o sujeito deverá estar interminavelmente remetido pela possibilidade da existência de " algo na natureza da pulsão sexual mesma desfavorável ao logro da satisfação plena" (FREUD, 1997, v. XI, p. 182).
Encontramo-nos em nossa humanidade diante de ações, sejam elas amorosas, incestuosas ou hostis, construtivas e/ou destrutivas, sob o efeito do que não resiste (o sexual). Esse entendimento nos faz repetir, a partir da psicanálise, que na dinâmica das relações inter-humanas um processo alteritário permeia o processo identitário, mantendo, no entanto, uma brecha entreaberta nos corpos e nas idéias.
Amor e ódio, ambos constitutivos dos e nos processos de subjetivação, requerem um processo de indiferenciação, fato que a própria pulsão sexual se encarrega de exercer. A adesividade e a plasticidade libidinal nos oferecem vias de escoamento para significarmos a maneira de lidarmos com a sensualização presente em todos os atos individuais humanos. Individuais não por nos pertencerem como essência, mas por exigirem, a cada situação ou experiência com o novo (que advirá), a responsabilidade pelas nossas ações, sejam elas de que natureza forem e sem qualquer possibilidade mínima de exceção.
Parece verdade que esta energia indiferente e deslocável, ativa tanto no Eu quanto no Isso, provenha do acúmulo libidinal narcisista [...] as pulsões eróticas nos parecem em geral mais plásticas, deviáveis e deslocáveis que as pulsões de destruição. E desde ali podemos continuar dizendo, sem compulsão, que esta libido deslocável trabalha a serviço do princípio de prazer a fim de evitar estases e facilitar descargas. Nisto é inegável certa indiferença quanto ao caminho pelo qual aconteça a descarga, caso aconteça. Nós temos falado deste traço característico dos processos de investimento do Isso. Ele (traço) é encontrado nos investimentos eróticos, toda vez que se desenvolve uma particular indiferença na relação com o objeto; e muito especialmente na análise, a origem das transferências, que é forçoso que se consumam não importa sobre que pessoas. (FREUD, 1997, v. XIX, p. 45)
[...] concedo que este fator por si só não seria inequívoco, pois poderia tratar de uma energia psíquica indiferente que unicamente pelo ato do investimento de objeto se convertesse em libido. (FREUD, 1998, v. XIV, p. 76)3
Esse é o sentido que a psicanálise dá ao sexual que se comunica em ato e no só-depois, quando as representações e os afetos inconscientes podem ser tomados em interseção, em comunicação, em rede, para explicitar os acontecimentos do nosso cotidiano. Entendimento {Verstãndigung} ou comunicação, no campo analítico, é a tarefa primordial da psicanálise: a de tornar consciente o inconsciente (Freud, 1998, v. I, p. 363).
Só desta forma é que podemos compreender o que comunicamos. O que chamamos o nosso Eu, é uma complexidade e pressupõe o outro. Estamos enredados nessa dinâmica e sempre estaremos nela implicados, pois o objeto que causa o nosso desejo se eterniza, por estar sempre de passagem, o que torna cada momento fecundo, novo e único. Isso leva Freud a dizer que a vida sexual está presente desde o começo da vida, ao passo que a consciência moral, não (FREUD, 1997, v. XXII, p. 57).
A neurose de transferência, nascida para nossa investigação a partir do encontro de Freud com a Histeria, revela a divisão do psiquismo, mostrando o psíquico e o somático como realidades não opositivas e fundantes do inconsciente não referido a qualquer processo de recalcamento ou sistema representacional. A neutralidade desse processo ou sistema somente o sexual engendra, movimento imposto por uma metamorfose constante. A nossa humanidade, como uma obra sexualmente inacabada, revela-se potencialmente criativa porque, indiferente aos objetos, ao mesmo tempo dá vida aos objetos todos.
A escuta e a palavra na clínica freudiana ganha estatuto por elucidar que as palavras não são apenas substância fônica ou o seu substrato verbal, mas significantes que tornam todos os seres do mundo seres falantes, o que é exemplarmente demonstrado no texto O Inconsciente, e do caso Schreber, especialmente pela linguagem dos órgãos acentuada pela psicose.
O processo de individualidade que particulariza o ser demonstra que o sexual não se detém nos aspectos biológicos e/ou psicológicos, antes se sustenta na linguagem que funda o sujeito antes mesmo que ele se torne um ser vivente, mudando toda uma concepção de vida e saúde.
Acreditamos que a noção de universalidade do Édipo só adquire relevância no campo psicanalítico por traduzir a subjetividade como liberta de qualquer historicidade, um efeito de sujeito entranhado pelo sexual via transferência realizada em ato, introduzindo-nos no campo da incerteza, na ordem do real, da criação e remetendo-nos ao tornar consciente o inconsciente, atendendo o assim enunciado por Freud: "Onde estava o Isso, ali estará o Eu" (FREUD, v. XXII, p. 74)4.
A derrocada do princípio da identidade e da insuficiência da linguagem na experiência humana foi o que fez Freud pensar na consciência como fugacidade. Por isso o efeito de sujeito advindo da comunicação inconsciente torna-se sempre ato transferencial, o que o leva a precisar a transferência como sugestão, pela oferta do analista como objeto imaginário e identificatório; como repetição, por não se obstar à repetição das incessantes demandas pulsionais; além de resistência, pela via da divisão do psiquismo entre consciente e inconsciente e da confluência entre o físico e o psíquico.
A relação ao sexual como humano e feminino, por portar a capacidade de, da diferença, indiferenciar-se, conduziu Freud a trazer a dualidade da pulsão sexual e da pulsão do eu, a questão da neutralidade. O principio do nirvana vem aqui para precisar este estado ínfimo de consciência em que um momento de indiferenciação põe em jogo a continuidade do circuito pulsional e não a sua extinção. Neutro diz respeito aqui à ação erótica que nos anima (Freud, 1998, v. XIV, p. 272).
Na conferência A Transferência, ao se perguntar sobre o que determina o adoecer psíquico, a teoria psicanalítica nos indica uma série complementar que inclui o simbólico (ou o campo das representações que nos antecedem e que não se excluem dos processos de subjetivação); o período primário e edipiano, qual seja, o da relação com a alteridade; e o acidental, em que se situam e configuram contextos como a pobreza, a miséria, as dissensões, os acidentes naturais, entre outros. Incluímos aí comportamentos e condutas que nos deixam perplexos por nos escaparem, sejam elas relativas a nós mesmos e/ou a outros, sendo Freud o primeiro pesquisador a apontar as conseqüências inconscientes das experiências primárias do ser humano e a sua relação com as manifestações físicas e psíquicas de forma tão ampla e complexa, incluindo o comportamento, as condutas e as doenças.
O INCONSCIENTE FREUDIANO REVELA A FORÇA TRANSFERENCIAL DA SEXUALIDADE
A psicanálise apresenta como primordiais para nossa compreensão da dinâmica da personalidade as noções de Instinto e Pulsão, diferenciando-as, o que vem a ser uma contribuição da interlocução freudiana com as diferentes áreas e atuação dos saberes, os quais se complementam e nos permitem também entender a noção de personalidade e de sujeito como efeitos do inconsciente.
Enquanto o Instinto é definido como uma necessidade biológica, que nos animais se extingue através de um ato reflexo, localizado e externo, que provoca saciedade assim que termina um ciclo vital qualquer e ainda admite fuga, a pulsão dele se distingue por exigir a capacidade de simbolização, por emanar de fontes internas e não admitir fuga. A pulsão implica a linguagem e o contato corpo a corpo com o outro, para que o prazer que emana das fontes corpóreas ou do gozo sexual, torne por uma ação específica de outrem num prazer erótico e estético.
Freud nomeia a pulsão como um conceito-limite entre o somático e o psíquico, portanto uma energia necessária ao funcionamento do psiquismo. Trata-se de uma energia ativa e criativa que não é substancial ou palpável, mas que também não é psíquica em si mesma, fazendo-se, no entanto, observável em seus efeitos e, por isso mesmo, passível de descrição e análise.
Enquanto a noção de personalidade evoca a idéia de um a priori estável e imutável, a noção de sujeito do inconsciente concentra-se mais no devir humano. Considera-se que toda a pulsão tem um impulso ou força, que é o esforço experimentado pelo aparelho frente às sensações de prazer e desprazer e que representa a carga energética e o fator de motricidade envolvidos nas reações e ações humanas que faz o organismo tender para um alvo. Possui ainda uma finalidade ou objetivo, que é a busca de satisfação, sendo o elemento invariável do funcionamento do psiquismo, cuja tendência é a supressão do estado de tensão reinante na fonte pulsional. Quanto a seu objeto, este é o que há de mais variável, devido ao circuito incessante da pulsão, tendo em vista não haver objeto algum que satisfaça plenamente o sujeito. Quanto à existência de uma fonte, esta é somática e o ponto de confluência dos estados tensionais humanos.
A diferenciação entre pulsão e instinto demonstra que sexualidade e genitalidade não são termos sinônimos no campo psicanalítico; que o conceito de Inconsciente, portanto, liga-se ao conceito de sexual e à idéia de uma corporeidade erógena em que presente, passado e futuro se conjugam, tornando a realidade do inconsciente atemporal. Esta elucidação sustenta a idéia da existência de uma divisão no psiquismo, a partir de um conflito gerado pelo sexual que é e permanece infantil, conferindo-lhe um caráter traumático e apresenta-se ainda como ponto nodal na elaboração do inconsciente que não se refere a qualquer modalidade de recalcamento.
Figura 1
AS TEORIAS PULSIONAIS E O SEU PROCESSO DE FUSÃO E DESFUSÃO
As três teorias pulsionais freudianas explicitam que os atos mentais são processos excitatórios cuja dinâmica exige a ação paralela e não simultânea do desenvolvimento das funções sexuais e do desenvolvimento das funções do eu. Ambos são fundamentais para a construção dos processos de identificação, da eleição de objeto sexual e da capacidade humana de formular juízos e raciocínios, sendo, portanto, imprescindíveis aos processos de cognição ou de tomada de consciência. A pulsão é uma energia psíquica ativa e criativa, norteadora das representações e dos afetos que emanam dos processos excitatórios e corporais.
Portanto, a dimensão do pulsional da nossa humanidade esteia toda a ética freudiana, uma vez que aquilo que chamamos a nossa personalidade, e que agora chamaremos de processos de subjetivação, advém como efeito de uma realidade discursiva que supõe alteridade e interlocução, da qual o sujeito emerge não como síntese, mas como criação, pois a repetição do circuito pulsional engendra a possibilidade de aparição do novo. Assim, a psicanálise faz ver que o funcionamento inconsciente da mente engendra o surpreendente, o inesperado, o que antes, não existia, e o faz de maneira não desvinculada ao do funcionamento da linguagem. Toda a prática psicanalítica não se desvia da idéia da cura sintomatológica e de qualquer terapêutica, mas liga-se sobretudo no devir humano e na capacidade de construção desse novo.
Pela relação do Inconsciente com o sexual, a psicanálise extrai uma conseqüência impar, qual seja, não existe ato individual que não tenha incidência sobre o social ou, se quisermos, sobre o coletivo, o que podemos grafar desta forma:
Figura 2
Da psicanálise depreende-se a idéia de que a civilização se erige às custas de uma cota da sexualidade e da destrutividade humanas e que, no processo de hominização e de humanização da espécie humana, um ato simbólico engendra, num só e mesmo tempo, reconhecimento e perda.
Aprendemos com Freud que há transmissão do Saber Inconsciente e que o inconsciente não traduz patologia e sim deflagra, na manifestação dos atos e ações humanas, uma dessimetria entre o individual, o particular e o saber inconsciente, pois o funcionamento do pulsional é recoberto por uma realidade não disjuntiva, mas disrruptiva entre o somático e o psíquico. O conceito de pulsão é um conceito-limite, mas o seu circuito é ininterrupto, contínuo, instável, devido especialmente à adesividade libidinal e à não resistência sexual que emana do processo e decurso da erotização originária do contato com o corpo do outro e do simbólico, que transforma gozo em prazer.
O discurso freudiano sobre o corpo não representou uma oposição em relação ao discurso científico sobre o corpo. Este caminha paralelamente àquele e não o impede de discutir formas sintomáticas contemporâneas, especialmente a violência do homem contra o homem, contra si mesmo, contra o meio ambiente. É um discurso que nasceu fazendo laço social e encontra, no desenvolvimento de sua teoria pulsional, um recorte fecundo para a compreensão das ações humanas e para o que atualmente já vem sendo discutido por outros teóricos, através das noções de Consciência Ambiental (BOFF) e Inteligência Social (GOLEMAN).
Pirmeira Teoría Pulsional: Pulsões Sexuais versus Pulsão do Eu
Nesta primeira teoria, temos a dualidade entre as pulsões sexuais (referidas ao próprio corpo e relacionadas à preservação da espécie) e as pulsões do Eu (referidas à função de conservação e preservação do Indivíduo).
Figura 3
Este momento teórico é rico em seus desdobramentos por explicitar a rede intricada de relações que se estabelecem no psiquismo; os destinos que a pulsão sofre em seu trajeto; e como a formação dos sintomas e dos mecanismos de recalque e de defesa encontra, no campo representacional, uma maneira de lidar com três necessidades básicas e fundamentais: a fome, a respiração e a sexualidade. As conseqüências da realidade desse funcionamento são produtoras da ambivalência entre amor e ódio, presentes no psiquismo e originados pela dependência e o desamparo a que se vê submetido o sujeito em relação ao outro que dele cuida.
Neste cenário é que as pulsões sexuais e as pulsões do Eu travam suas lutas mais pungentes e sua incidência se faz valer num a posteriori, a partir dos processos construtivos e destrutivos manifestos em ações que nos deixam a todos perplexos. A neurose de transferência elucida a marca indelével desse período existencial humano, ao mesmo tempo em que corrobora a afirmação de que a sexualidade é e permanece infantil.
Segunda Teoría Pulsional: Pulsão sexuao de Eu versus Pulsão sexual do objeto
Na segunda teoria pulsional, a descoberta do Narcisismo deixa à mostra que a pulsão sexual pode tomar como objeto o próprio Eu, explicitando a questão da agressividade interna e externa, que trará para o cenário a importância do reconhecimento da capacidade humana de construção e destruição. Tratar-se-á neste momento então de precisar a relação entre sujeito e objeto e a questão primordial da diferenciação anatômica entre os sexos, quando se vê que a capacidade de Indiferenciação da libido sustenta a relação criativa e ativa da pulsão.
Figura 4
Neste momento elabora-se ainda mais um modo de funcionamento mental ou do Aparelho Psíquico ou Aparelho Corporal, em que a assunção pelo sujeito da diferença sexual terá uma importância primordial para a compreensão das relações entre saúde e doença; normal e patológico; dos traços de caráter e da personalidade individual. Revelará, em especial, o caráter contraditório das ações humanas, que faz com que a mesma mão que derruba um muro, o de Berlim, por exemplo, possa também fazer explodir as torres gêmeas(Goleman). Tal fato se dá justamente pela inserção da Pulsão de Destrutividade que a Pulsão de Morte veio a desvelar.
Terceira Teoria Pulsional: Pulsão de Vida versus Pulsão de Morte
O que Freud inscreve, através dessa terceira teoria pulsional, como novidade e ruptura no campo epistemológico, é a atenção para o fato de que há uma impossibilidade do simbólico de fazer margem ou limite à destrutividade humana. Esta falha leva o sujeito a atuar, fazendo surgir fatos como os tomados no quotidiano como hediondos, os quais acabam por circunscrever a espécie humana numa categoria tomada quase como "inumana".
Figura 5
Esta descoberta, no entanto, teve três conseqüências ímpares, de natureza ética, política e estética. A ética diz respeito à questão da responsabilidade do sujeito pelos seus atos, sejam suas incidências individuais ou coletivas. A política diz respeito à atribuição a cada sujeito da responsabilidade pela construção do processo civilizatório que se desdobra na idéia de que não somos solitários; somos seres gregários e necessitamos do reconhecimento de outrem e por isso estamos referendados ao campo da castração. A estética refunda o devir humano e está circunscrita à questão do tornar consciente o inconsciente, ato inaugurado por Freud através da Histeria, mostrando que dentro e fora são faces de uma mesma moeda. A complacência somática, ou seja, a denegação operada a nível corporal, demonstra que aqui não operamos no campo da ética, pois à mesma atribui-se o caráter ainda de representação e sim no campo da criação humana, que Freud acolheu como fato.
Desta leitura, adveio um novo campo, o da escuta da natureza erótica humana da energia sexual ativa e criativa necessário ao funcionamento do psiquismo, o que fez Freud dizer que se a sexualidade não é tudo, ela está em tudo.
Para Freud, mesmo na dualidade Pulsão de Vida e Pulsão de Morte, estamos todos ainda na ordem da representação e da linguagem. Na descoberta do Inconsciente, que não se acha referida a nenhuma ordem de recalque, é que encontramos a aposta do campo e discurso psicanalítico, ou seja, mais exatamente no fato de que o processo de hominização e de humanização de nossa espécie não se encontra na ordem do instintual e sim na ordem do pulsional. A possibilidade de indiferenciação da libido, sua adesividade e plasticidade é o ponto nevrálgico para chegarmos a entender que a agressividade e a destrutividade têm uma dimensão simbólica e que esta se manifesta no nível da representação.
O processo de mundialização e de globalização e as formas multíplices de preconceitos dele advindas resultam também na ação violenta que a sociedade produz. Essa violência se revela através das desigualdades sociais e falta de oportunidades de desenvolvimento e avanços, obstáculos no progresso de aquisição de conhecimentos e, portanto, na capacidade de gerar mudanças, da não valorização do feminino e mesmo no avanço tecnológico, que coloca os países em desenvolvimento cada vez mais à mercê e na dependência de outrem. São fatores que deflagram a fusão ou junção e a desfusão ou intricação da pulsão, bem como os seus efeitos destrutivos, impingidos a outrem pela ação mortífera de um gozo esvaziado de qualquer representação, por isso são efeitos e derivações do inconsciente, manifestos.
Todos estes fatores exigem colocar à prova a dimensão ativa e criativa da pulsão em verter os seus caminhos, num circuito onde essa energia pulsional seja capaz de indiferenciar-se numa realização não opositiva entre bem e mal, homem e mulher, branco e negro, judeu e cristão, pobre e rico, nordestino e estrangeiro, entre outros.
Os destinos perversos e polimorfos da pulsão se sustentam em nosso corpo e em nossas idéias. Isto quer dizer, e assim o entendemos, que a perversão perversa polimorfa que nos constitui e que fez Freud afirmar que "o inconsciente é o infantil" não se instaura no campo da moralidade ou dos desvios de normas e condutas, mas salienta e se prende ao fato de que cabe ao sujeito a liberdade de escolha das suas ações.
Denegar a diferença é um principio constitutivo, indiferenciar-se ante à diferença é um ato individual, o que nos remete não a uma escolha forçada, mas a um processo de decisão e ao princípio do tornar consciente o inconsciente. Se a sexualidade não resiste, cabe ao Eu advir onde Isso era.
Desta forma, nenhum ato humano pode ser vivido impunemente. Todos os acontecimentos, ainda que num processo de mundialização dos fatos e das vidas, dizem respeito a todos e a cada um de nós, e compreende desde o "oi" que não falamos a um semelhante, à pobreza e miséria a que estão submetidas a maior p arte da população mundial.
Esta última teoria pulsional diz justamente do legado e do quinhão humano de se refazer a cada instante nessa dualidade não opositiva entre construção e destruição que a sexualidade engendra. A psicanálise, ao nos fazer ver a produção de fenômenos vitais na destruição, tais como a produção de doenças, racismos, violência contra a mulher, homofobia, destruição gratuita do ambiente pela ganância, guerras, entre outros, permite-nos compreender similaridade em atos que escapam ao nosso entendimento racional consciente ou lógico, demonstrando como eles se "comunicam" apesar dessa aparente irracionalidade, no sentido de que são processos e operações psíquicos, os quais, ainda que presentes e operantes em nossas mentes, não os reconhecemos ou não os tomamos conscientemente como nos pertencendo.
Ato denegatório por excelência, a não aceitação da diferença é constitutiva da estruturação e funcionamento do psiquismo da espécie humana que, diferentemente da espécie animal, tem de lidar com o racional e o emocional, fato imposto pela pulsão.
Conclusão
Concluímos que a face de nossa humanidade que deve despender esforços sempre maiores de nossa parte liga-se ao potencial de destrutividade que nos conforma e que acompanha nossos atos e fazeres, pois a destrutividade, no sentido freudiano, nos faz ver que a morte está mais próxima da Vida do que da própria morte, uma vez que a morte simbólica tem conseqüências drásticas infames e danosas, enquanto que a morte biológica é só um fato inescapável.
Se a psicanálise nasce atrelada à idéia de que o inconsciente desconhece o sexo e a morte, foi justamente porque o conceito de pulsão não inscreve os seus caminhos num percurso só biológico e/ou só psicológico. Ela demonstra que a nossa psique exige essa energia que bordeia os nossos corpos e as nossas idéias, numa potência ativa e criativa que advirá ultrapassando mesmo a nossa própria humanidade.
Somos todos cidadãos de um mesmo mundo, o pulsional, e cada Era vivida e experienciada no processo de humanização em curso encontrará a espécie humana livre para escolher entre um processo destrutivo ou um processo construtivo. Isso se deve ao sexual, que não oferece qualquer resistência, pois carregamos no âmago do nosso ser uma relação indissociável entre reconhecimento e alteridade, o que traz de maneira pungente a questão do tornar consciente o inconsciente, ou seja, a questão da Consciência engatinha com a descoberta do Inconsciente que não se liga a qualquer recalcado e utiliza-se do potencial criativo de nossa humanidade.
Entendemos que as questões clínicas dizem respeito sempre às questões sociais e que toda e qualquer aquisição de conhecimento não colocada a serviço do bem comum, representa uma prática abusiva de poder e um exercício de tirania, e a psicanálise não deve aí fazer exceção.
Notas
1 No sin deliberación digo en nuestro inconciente, pues lo que así llamamos no coincide con lo inconciente de los filósofos ni con lo inconciente según Lipps. (FREUD, 1998, v. V, p. 602).
2 Nuestra concepción actual puede enunciarse aproximadamente así: En cada exteriorización pulsional participa la libido, pero no todo en ella es libido.
3 Parece verosímil que esta energía indiferente y desplazable, activa tanto en el yo como el ello, provenga del acopio libidinal narcisista [ ] las pulsiones eróticas nos parecen en general más plásticas, desviables y desplazables que las pulsiones de destrucción desde ahí uno puede continuar diciendo, sin compulsión, que esta libido desplazable trabaja al servicio del principio de placer a fin de evitar estasis y facilitar descargas. En esto es innegable cierta indiferencia en cuanto al camino por el cual acontezca la descarga, con tal que acontezca. Nos hemos anoticiado de este rasgo como característico de los procesos de investidura en el ello. Se lo encuentra en las investiduras eróticas, toda vez que se desarrolla una particular indiferencia en relación con el objeto; y muy especialmente, en el análisis, a raíz de las trasferencias, que es forzoso que se consumen, no importa sobre qué personas. (FREUD, 1997, v. XIX, p. 45)
[...] Concedo que este factor por sí solo no sería inequívoco, pues podría tratarse de una energía psíquica indiferente, que únicamente por el acto de la investidura de objeto se convirtiese en libido. (FREUD, 1998, v. XIV, p. 76).4 Donde Ello era, Yo debo devenir.
Bibliografia
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