Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Liberdade dos corpos e processos de subjetivação
Marcia Siqueira de Andrade

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Esta pesquisa teve como objetivo a compreensão das relações que se estabelecem entre liberdade dos corpos e processo de subjetivação em adolescentes 1 que estão privados de liberdade, por terem cometido atos infracionais contra terceiros. Nosso sujeito 2 é o adolescente transgressor3 recolhido em instituições como a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, FEBEM 4 . Entendemos por processo de subjetivação de acordo com Deleuze5 (1996) :

(...) a operação pela qual o indivíduo ou comunidades se constitui sujeito, à margem dos saberes constituídos e dos poderes estabelecidos, podendo dar lugar a novos saberes e poderes. Observa Foucault que em muitas formações sociais não são os senhores que constituem focos de subjetivação, mas os excluídos .(DELEUZE, 1996, p.189).

Partindo do pressuposto de uma das características humanas é a produção de símbolos que, sistematizados, produzem linguagens, a natureza simbólica do homem e da realidade social aparece como um elemento importante para a consecução dos objetivos deste trabalho. Como destaca Ibañez 6 (1989, p. 118),"... não é a natureza do objeto, mas o tipo de relação em que o fenômeno está inserido, o que confere-lhe sua dimensão social, e esta relação é eminentemente simbólica". Para esse autor o social do psiquismo humano não está determinado pela tipologia dos "objetos" (outros sujeitos), mas se constitui a partir da construção de um mundo de significados compartilhados num conglomerado humano, sendo, portanto, um processo social, cultural e historicamente situado.

O destaque da interação social situa o significado no processo de interação entre o falante e o ouvinte, e não na língua nem na vida intrapsíquica de um ou de outro. O outro, introduzido no processo discursivo, nem sempre é uma pessoa física, mas está constituído por todas as vozes alheias de origens diversas: a família, o meio social, as obras científicas ou literárias, etc. e tem sempre um papel ativo na interação,já que nossos enunciados estão cheios de enunciados dos outros e permeados por suas expressões e valores.

A preocupação com a linguagem, vinculada à ação, traz a análise para o contexto simbólico, aparecendo, então, como dispositivo que favorece a compreensão do processo de subjetivação. Para Deleuze7 (1996):

(o dispositivo) constitui uma rede que pode ser estabelecida entre vários elementos heterogêneos e fechados em si mesmo; e o internato é um lugar onde circulam diversos dispositivos. Eles podem funcionar como filtros de condutas, circunscrevendo uma determinada forma disciplinar. Criam formas de concentração, meios próprios de profissionalização, isolamentos em relação a determinados meios. Todo dispositivo está sempre inscrito em algum jogo de poder e ligado a uma configuração de saber que dele nasce, mas que igualmente o condiciona. O dispositivo é uma estratégia de relações de forças que sustenta diversos tipos de saberes, e esses ao mesmo tempo se autosustentam ( DELEUZE, 1996).

Os dispositivos não têm como objetivo impossibilitar, mas constituir forças, organizar forças de trabalho, estruturar uma ordem, estratificar um saber, conformar sujeitos. a repressão

Para Foucault 8 (1986)," é uma conseqüência ou eventualmente um meio para sua manutenção e expansão. Isto não quer dizer que o poder somente reprima....elas -as forças- têm um papel preciso de introduzir assimetrias insuperáveis e de excluir reciprocidades".

Diante do exposto nossa pesquisa pode ser delimitada na forma da seguinte questão: como a restrição da liberdade dos corpos pode aparecer como um dispositivo educacional?

Realizamos estudo empírico, partindo das contribuições teóricas de Foucault, numa perspectiva da psicopedagogia clínica. A pesquisa pautou-se por uma abordagem metodológica qualitativa baseada em uma perspectiva micropolítica, também denominada de cartografia ou pesquisa-intervenção. Acreditamos que tal abordagem é coerente com nossos objetivos na medida em que

...procura mostrar a articulação entre pesquisador e campo de pesquisa de modo que a investigação expresse um movimento contínuo de análise e crítica do instituído e busque interrogar os diversos sentidos cristalizados e estereotipados presentes no contexto estudado, produzindo assim uma interface entre produção de conhecimento e processos de subjetivação.( CZERMAK e SILVA) 9

A coleta dos dados realizou-se a partir do discurso espontâneo dos sujeitos, recortes dialógicos envolvendo os internos e a pesquisadora, cristalizados nas falas e produções gráficas, desenhos e escritas. A análise do material seguiu os pressupostos da análise de conteúdo, entendendo ser

necessário à pesquisa observacional a criação de categorias factuais-sensitivas que descrevam detalhes das condições humanas e situacionais específicas das trocas comunicativas. Entretanto, as categorias devem ser criadas através de uma intensa interação com o material observado e novas categorias, que podem descrever eventos inesperados durante as observações, devem ser permitidas. Tal abordagem abandona o uso restritivo de categorias predefinidas e defende uma abertura e um processo amplo de trocas com o material antes que as abstrações e categorias sejam formuladas. ( KREPPNER, 2001) 10

1.2. Objetivos

1.2.1. Geral

Ampliar a compreensão sobre as relações que se estabelecem entre liberdade dos corpos e processo de subjetivação em adolescentes infratores que estão privados de liberdade.

1.2.2. Específico

Compreender como a restrição da liberdade dos corpos pode aparecer como um dispositivo educacional.

Delimitar as linhas de fuga11, invenções de modos de vida, que se constituem na dinâmica institucional.

1.3.Hipótese

As transgressões sociais podem ser muitas vezes, demonstrações de defasagens cognitivas, emocionais e sociais, apresentando-se como linhas de fuga que se constituem na articulação entre a subjetividade e a experiência com o mundo externo.

1.4. Discussão e colocação do problema

Desde 1990, o Brasil dispõe do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei N.º 8.069, de 13 julho de 1990), que preconiza uma doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente. O ECA tem raízes históricas na Declaração dos Direitos da Criança (Resolução 1.386 da ONU), de 20 de novembro de 1959, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, Regras de Beijing (Resolução 40/33 da ONU), de 29 de novembro de 1985, e por fim nas Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da Delinqüência Juvenil, Diretrizes de Riad (ONU, 1º de março de 1988), e fixa as regras para os jovens privados de liberdade, regras mínimas da ONU para a fixação da Justiça juvenil.

O ECA passou a reconhecer que as crianças e adolescentes são sujeitos de direito, e não mais simples objetos de convenção da Sociedade, do Estado ou da família; que deverão ser considerados como pessoas em processo de desenvolvimento biopsicossocial e espiritual e que, assim sendo, devem ter atendimento como prioridade absoluta. Passando para a área infracional, essa doutrina da proteção integral trouxe ao direito positivo nacional as chamadas medidas socioeducativas.

O ECA prevê, nos casos de "atos infracionais", cometidos por adolescentes ou crianças, medidas que variam desde admoestação, obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços comunitários,12 liberdade assistida13, semiliberdade14, até a internação em uma instituição educacional, ou medidas de assistência à Família, ou outras definidas no Artigo 101 do ECA15.

O Artigo 122 do ECA estabelece que a internação só se aplica nos casos em que o ato infracional tiver sido cometido "mediante grave ameaça ou violência à pessoa"; ou envolver "reiteração no cometimento de outras infrações graves"; envolver "descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta", em cujo caso a internação não poderá ser imposta por um período superior a três meses. O período máximo de internação não deve exceder a três anos, quando o adolescente deve ser liberado, em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. A Liberdade Assistida é uma medida socioeducativa importante, mas vem sendo usada mais como condicional e menos como alternativa à internação,que é o que a lei prevê. Em São Paulo, 40% dos 4.825 jovens que já foram privados de liberdade cumprem L.A. As meninas representam 4% do total.

Como o nome diz, a medida de L.A. determina que o adolescente infrator seja assistido, mas nem sempre isso acontece. A cidade de São Paulo não tem estrutura de L.A., que deveria ser executada no âmbito municipal. É a própria Febem quem coordena a medida no Estado, atendendo diretamente 2.700 menores, e o restante por meio de convênios com entidades comunitárias. Sem uma política única, é uma loteria: ou o jovem cai na burocracia ou é 'premiado' com um serviço eficiente para ajudá-lo a sair da marginalidade.

Os principais encargos da L.A. são escolarização e profissionalização. Alguns programas oferecem classes de aceleração, para vencer a defasagem escolar dos egressos da Febem. Mas o problema maior é que muitas escolas recusam ex-internos, por medo e preconceito. No caso da profissionalização, o drama é maior: os cursos para infratores garantem no máximo bicos.

Por outro lado, a manutenção da medida de internação deve ser reavaliada a cada seis meses. Aos vinte e um anos de idade, a liberação é compulsória.16

As garantias preconizadas pelo ECA, no atendimento do adolescente privado de liberdade não se realizam. O cotidiano institucional desses adolescentes caracteriza -se pelo confinamento. O modelo instituído e prevalente é o da instituição total: a docilização do corpo e da vontade, e o uso equivocado do comportamento de submissão institucional como indicador do comportamento extra-institucional adequado às normas e leis sociais.

Segundo Foucault17 (1996),

Estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador juiz, do assistente social-juiz; todos fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um no ponto em que se encontra, aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os desempenhos.( FOUCAULT,1996 p.34)

A FEBEM se sustenta com base em paradigmas concebidos ainda nos anos 70, durante o período da ditadura militar. Atende às premissas do extinto Código de Menores, que cedeu lugar ao ECA; é herdeira da extinta Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, FUNABEM, e seu próprio nome denuncia esse passadismo, ao enunciar o termo "menor", entendendo a criança e o adolescente como pessoas tuteladas, e não como sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento. No âmbito jurídico, poucos são os juízes que atribuem medidas socioeducativas,previstas no ECA, aos jovens das classes populares.

Os gastos do Estado com a Secretaria da Assistência e Desenvolvimento Social, responsável pelo atendimento de crianças, adolescentes, idosos, moradores de rua, etc., fica em 0,6% do orçamento do Estado, ou seja, cerca de R$ 300 milhões. Desses, cerca de R$ 170 milhões vão para a FEBEM.

Receita generosa, se pensarmos na pouca capacidade de cumprir com os objetivos a que se destina; dados do censo do sistema penitenciário revelam que 15% da população carcerária do Estado passou pelas unidades da FEBEM. Além disso, 19% dos 6.623 internos de hoje voltam à Instituição depois que saem dela.

2. Da questão teórica

2.1. Estado da questão

A problemática dos menores carentes e/ou abandonados vem,há muitos anos,despertando interesse e polêmica nos diferentes setores da sociedade Inúmeras tentativas de conceitualizacao do problema e a busca de identificação das múltiplas variáveis que o engendram, deságuam sempre no consenso de uma realidade física social e psicológica,carente de esforço imediato das diferentes facções da comunidade, na busca de soluções eficazes.Apresentaremos a seguir, uma breve caracterização das pesquisas realizadas sobre o tema deste estudo.

Para Oliveira18 (2002), os debates no universo conceitual sobre exclusão parecem deixar em segundo plano o foco que ilumina as análises baseadas na injustiça social e que propõem pensar a exclusão como processo complexo e multifacetado, do qual a inclusão é parte constitutiva. Diante da ineficiência das propostas no atendimento a adolescentes em conflito com a lei,a qual tem levado em conta tal complexidade; da visão estigmatizada da sociedade sobre eles; do número elevado de internações por ano na FEBEM-RP,ele propôs neste estudo, com o objetivo de caracterizar a vida cotidiana desses jovens, identificar as percepções, concepções e crenças sobre as experiências vividas e investigar as propostas de mudanças que possam facilitar o processo de inclusão social de jovens que praticaram delito. Participaram deste estudo onze adolescentes do sexo masculino, com idades entre 15 e 18 anos, internos na FEBEM-RP, e seis funcionários da Instituição. A entrevista individual com roteiro semi-estruturado, foi o principal instrumento de coleta de dados, sendo complementada por notas em diários de campo e transcrições de trabalhos grupais. As falas dos funcionários também foram utilizadas como dados complementares para conferir ênfase ao tema que estava sendo abordado. A análise qualitativa dos dados, com enfoque interpretativista, privilegiou os pontos de vista dos entrevistados, iluminando os momentos-chave de sua existência. As análises dos dados mostraram que as várias facetas que compõem o processo de exclusão na vida desses jovens parecem ser apontadas por eles como as dificuldades encontradas para viverem o dia-a-dia longe das infrações. A vida concreta dos adolescentes entrevistados é percebida por eles pela precariedade, não só econômica, mas também de vínculos, calcados na violência, na provisoriedade e na instabilidade e perpassados por aspectos psicossociais como estigmatização e culpabilização. A vivência dessa realidade parece gerar sofrimento, freqüentemente expresso pela revolta, como forma de demonstrar a inconformidade diante das condições de existência e dos tratamentos recebidos. Esses motivos acrescido da humilhação – na família e na escola- e da discriminação e truculência com que esses adolescentes referem ser tratados pela polícia, coexistem e parecem favorecer a inclusão no mundo do crime. Outra faceta, que faz com que os jovens estejam inseridos no mundo, de forma injusta e pouco digna, diz respeito à vulnerabilidade frente ao desenvolvimento e exercício da vida sexual e reprodutiva, o que decorre das rígidas regras de convivência estabelecidas entre seus pares, que tornam iminente o risco de morte. Referem ser coagidos pela polícia para assumirem delitos que não praticaram, o que parece colaborar para que sejam internadossrepetidas vezes, perpetuando a idéia de um caminho sem volta. Referem que a FEBEM-RP é um local marcado pela diferença de tratamento que privilegia uns e banaliza o sofrimento de outros. Na vida dos jovens entrevistados, a dialética da exclusão/inclusão também se manifesta pela confirmação, negação ou construção da identidade.Tudo ali parece forjado de maneira a manter as estratégias de regulação de poder, sendo os internos reconhecidos, predominantemente, por seus delitos. Expressam o desejo de parar de infracionar e realizam propostas que incluem a profissionalização, a retomada dos estudos, a aplicação da medida de semiliberdade, dentre outras. Para que isso ocorra, apontam a necessidade de apoio profissional e familiar, dentro e fora da FEBEM-RP, para que a inclusão não recaia na armadilha de uma inclusão ilusória que discrimina, humilha e gera sofrimento. Para eles, a concretização das propostas poderá significar o rompimento de um fatalismo cruel e contribuir para uma inclusão mais digna e justa.

Para Almeida19 as crianças e os jovens marginalizados buscam várias alternativas para conseguir recursos para o próprio sustento ou de sua família. Dentre elas, sempre estiveram o ato infracional, o trabalho infantil e o trabalho em situação de rua. Há, atualmente, um grande contingente desses "trabalhadores", tornando explícitas as falhas das políticas públicas com essa população. A principal ênfase das políticas de atendimento tem sido a inclusão desses jovens no trabalho, como forma de promover a "inclusão social" dos mesmos. Sendo assim, o presente trabalho teve como proposta contribuir com essa problemática, realizando a caracterização geral e conhecendo as estratégias de sobrevivência para conseguir dinheiro e acesso aos bens de consumo de 104 jovens internos da FEBEM de Ribeirão Preto, no período de junho a agosto de 2000. Foram utilizados para a coleta dos dados um roteiro estruturado para a realização de entrevistas individuais e anotações em diário de campo para registro das atividades realizadas durante o estudo. Os resultados encontrados indicam que a maioria dos jovens reside em bairros periféricos de Ribeirão Preto e tem escolaridade de 5ª e 6ª série incompletas. A maioria dos jovens foi internada devido à prática de roubo e homicídio, sendo a faixa etária predominante, na primeira internação, a de 16-17 anos. Quanto às estratégias de sobrevivência observamos que todos os 104 jovens realizaram alguma atividade para ganhar dinheiro e ter acesso aos bens de consumo em suas vidas. No entanto, observamos uma diferença na variedade e na quantidade de atividades realizadas pelos jovens se considerarmos a internação na FEBEM, pois a maioria realizou, antes da internação na FEBEM, as atividades ilegais, principalmente o trabalho infantil e o ato infracional e as atividades legais associadas às atividades ilegais.Após a internação na FEBEM, foram relatadas predominantemente as atividades ilegais, principalmente o ato infracional. Percebemos que as atividades de maior duração foram o ato infracional e o trabalho infantil e a faixa etária para início das atividades ilegais foi de 9 a 13 anos e para as atividades legais foi de 14 anos. Quanto aos motivos para a interrupção das atividades, podemos citar: a demissão, o tipo de atividade realizada e o valor da remuneração foram motivos semelhantes para a interrupção do trabalho infantil, do trabalho juvenil e do trabalho em regime de aprendizagem. O encaminhamento do jovem para a FEBEM também foi citado como um motivo para a interrupção dessas atividades e também do ato infracional. O ato infracional foi a atividade que forneceu maior quantia em dinheiro, utilizado principalmente para comprar roupas e com diversão. A maioria dos jovens entrevistados relatou que após a última internação, gostaria de realizar uma atividade legal. Encontramos, ali, jovens que não definiram o que gostariam de fazer depôs da internação e outros que responderam que não gostariam (desejariam) realizar atividade porque pensavam em voltar a estudar e, também porque estavam conscientes de que corriam risco de morte.. Dessa forma, concluímos que esses jovens buscaram várias alternativas, muitas ilegais para conseguir dinheiro e acesso aos bens de consumo, e mostrar a necessidade que têm de adquirir mais autonomia para vivenciar a juventude e ter mais acesso às atividades legais de seu interesse. Observamos, também, que nem todo os jovens gostariam de trabalhar; que mencionaram esse interesse gostariam de realizar atividades diferentes daquelas vivenciadas, ou seja, que não fossem caracterizadas como subemprego e possibilitassem maior mobilidade social.

Serfaty et al (2002)20 levantou os casos de meninos internados na Febem de São Paulo, órfãos ou abandonados, que lá permaneceram por, pelo menos, dez anos consecutivos. Os internos não deveriam ter qualquer antecedente de atos infracionais e deveriam ter iniciado seu período de internação na primeira infância. Encontrou 370 meninos com os requisitos em mais de dez mil casos analisados. Do total dessa amostra, 35,9% (135) transformaram-se em delinqüentes na vida adulta.

 Furlan21 (2000) realizou estudo sobre o processo organizativo de sujeitos políticos, familiares e amigos de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação na Fundação Estadual do Bem - Estar do Menor do Estado de São Paulo, FEBEM. Resultado de uma prática de pesquisa-ação realizada por profissionais pesquisadores, vinculados ao Núcleo de Estudo e Pesquisa da Criança e do Adolescente – NCA, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUSSP, Furlan inseriu em sua proposta mais ampla o Projeto Integrado de Pesquisa – Marcos e Marcas. A Violência na Trajetória de Vida do Adolescente com Processo de Prática Infracional.Ao tomar como estratégia de intervenção a pesquisa-ação numa perspectiva crítico- dialética, o trabalho desenvolvido junto aos familiares de adolescentes autores de ato infracional configurou-se numa práxis. Esse estudo mostra que aquele trabalho, entendido como práxis social produziu conhecimento, contribuiu para a organização dos familiares, propiciando condições para que eles vivenciassem um processo de constituição de sujeito político, capaz de interlocução com os operadores da lei e de realizar a defesa dos adolescentes sob uma perspectiva de justiça. Com isso, houve por parte dos familiares uma compreensão crescente dos direitos sociais e humanos. Estes foram os aspectos que confluíram e se articularam para a alteração daquela realidade. O trabalho organizativo dos familiares de adolescentes sustentou-se com base em um processo pedagógico, na medida em que propiciou a eles o aprendizado do fazerem-se sujeitos políticos e de serem os protagonistas da defesa dos direitos.

Cunha22 (1999) procurou entender de que modo os adolescentes egressos do Programa Casa de Convivência, FEBEM/DT2/UEP2, veêm e se relacionam com o mundo no momento denominado pela instituição de desabrigo, termo caracterizado, aqui, como "vida lá fora". Viver "fora dos muros" significa viver à "própria sorte". A partir dessa expressão, buscou entender o significado do desligamento da FEBEM para os adolescentes, no momento em que têm que se virar para sobreviver, ao arcarem com seu próprio sustento - moradia, alimentação e vestuário -, tendo como referência as práticas e condutas condicionadas pela vida na Instituição. Buscou entender como se dá a socialização e autonomia dos abrigados e como estes interagem com a família a comunidade e o mundo do trabalho após saírem da instituição; como eles interpretam, e em que medida reproduzem e redimensionam, a partir de sua própria vivência, as normas e estereótipos apreendidos no cotidiano das Unidades, em suas vidas "além dos muros".

Cardarello23(1996) tratou de um programa desenvolvido pela FEBEM/RS a partir de 1991: O programa das unidades residenciais transitórias"(URT'b), que originado do estatuto da criança e do adolescente, tenta oferecer a crianças e adolescentes lesados em seus direitos, um sistema "o mais próximo do familiar. Sua pesquisa foi baseada na participação em reuniões das equipes técnicas que dirigem o programa e na visita sistemática a uma das casas, entre setembro de 1994 e julho de 1995. A luz dessas reflexões apontou para mecanismos que tendem a desautorizar as famílias populares a criarem seus filhos, terminando por questionar a adoção desse programa na sua presente forma, vista por muitos como a "solução" para o problema da infância pobre, no Brasil.

Mello24 (1999) teve como objetivo verificar se um programa de Educação Física, que utilizou a capoeira como instrumento pedagógico, contribuiu para o desenvolvimento da consciência em internos da FEBEM. A consciência foi aqui tratada sob uma perspectiva histórico-cultural, para a qual os pressupostos de Paulo Freire sobre educação serviram como referência. Para tal propósito, foram realizados oito encontros, nos quais foram trabalhados os aspectos motores e analisadas algumas músicas de capoeira. Diante dos dados obtidos, referendados pela opção teórica adotada,o autor chegou às seguintes conclusões: 1) Não foi possível constatar o desenvolvimento da consciência. Para que isso aconteça, é necessária a aplicação de um programa mais prolongado, em que a práxis dos alunos, ou seja, suas ações e reflexões, possa ser observada. 2) Mesmo não constando o desenvolvimento da consciência, esta pesquisa explicou dois aspectos importantes, relativos a essa questão, que poderão contribuir para futuros trabalhos: a dualidade e a opressão presentes na consciência dos sujeitos. Esses aspectos inibem o desenvolvimento da consciência. 3) A viabilidade da utilização da capoeira como recurso pedagógico em trabalhos voltados ao desenvolvimento da consciência. A partir da análise e discussão de letras de músicas, importantes temas relacionados à cidadania foram relevados, como: racismo, preconceito e educação.

Evangelista25 (1992) analisa criticamente as conseqüências da intervenção pública sobre o adolescente - infrator egresso da FEBEM/RN, identificando as contradições que perpassam a compreensão e o tratamento da questão da criança e do adolescente no modelo capitalista. O propósito foi investigar até que ponto o atendimento da FEBEM/RN ao adolescente autor de atos infracionais, do sexo masculino, no período de 1982 a 1987, criou condições facilitadoras à inserção dos internos na a sociedade. Fundamentou o estudo na dinâmica do modo de produção capitalista, dentro da perspectiva do desenvolvimento e expansão do padrão capitalista de acumulação. Na coleta de dados foram utilizadas fontes primárias (egressos entrevistados) e secundárias. Os resultados obtidos foram agrupados nas seguintes categorias de análise: o perfil do egresso, o mercado de trabalho, estratégias de sobrevivência, representações do egresso sobre ações da FEBEM, a família, a comunidade. Concluiu-se que o atendimento da FEBEM não contribuiu para inserir o egresso no sistema produtivo, constituindo-se o órgão apenas em veículo legitimador do sistema.

Silva26 (1999) desenvolveu pesquisa a partir da avaliação da medida socioediucativa de liberdade assistida, aplicada aos adolescentes autores de ato infracional, prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/90, promulgada em 13 de junho de 1990. Verificou até que ponto a medida socioeducativa de liberdade assistida, na sua prática, foi um instrumento facilitador adequado para que os adolescentes, autores de ato infracional e nela inseridos, pudessem resgatar sua cidadania, enquanto sujeitos de direitos. Para tanto, buscou os adolescentes que são os sujeitos protagonistas desse processo bem como os técnicos responsáveis pelo acompanhamento dos jovens, e através do instrumental da entrevista apreendeu seu entendimento e seu envolvimento no período posterior a sua inserção na pesquisa. Estabeleceu uma delimitação de tempo e de espaço na seleção da amostra, optando pelos anos de 1995 e 1996 do cumprimento da medida, por considerar que os sujeitos já teriam concluído sua realização. Em termos de espaços, todos os sujeitos são procedentes da Zona Leste desta capital/SP.

Knist27(1996) teve por objetivo de pesquisa conhecer o adolescente infrator, pobre, masculino, pensando-o a partir de uma concepção de homem que se constrói nas relações sociais. Para isso, procurou no adolescente aspectos como sua concepção de vida, suas perspectivas de futuro e as significações dadas aos valores morais, considerando estes os aspectos mais relevantes a serem investigados e também os indicadores capazes de contribuir para uma reflexão sobre os programas de reintegração social que se propõem atender aos adolescentes infratores. Programas de acompanhamento de adolescentes em regime de liberdade assistida, como os que são realizados pela FEBEM e pela Pastoral do Menor têm por objetivo a "reintegração social" do adolescente. A reflexão sobre programas de reintegração social considerou os conceitos de integração e de reintegração e como estes se realizam, hoje, numa realidade concreta de globalização e informatização. Portanto, é preciso falar na inclusão pela exclusão. Através de entrevistas recheadas de dilemas, essa pesquisa procurou conhecer as significações que os adolescentes atribuem aos valores morais. Os adolescentes entendem por reintegração a adaptação à vida em sociedade. Pareceu que eles preferem uma vida feliz, mesmo na infração, a uma vida honesta de trabalhador, quando para eles isso significa ser infeliz. Constatamos que todos os adolescentes fazem diferença entre o "dever ser" e o "ser". Foi possível desvelar o pensamento, a ação moral e as significações atribuídas aos valores a partir de seu discurso, que revelam a afirmação de determinados valores pela relativização de outros. Para isso, os argumentos mais usados pelos adolescentes são a afetividade, o vínculo e a utilidade.

Andrade28 (1990) pesquisou as condições de interação afetiva e social entre adultos e crianças até os dezoito meses numa creche da FEBEM. Os dados foram recolhidos pó meio das observações assistemáticas e sistematizadas de 27 crianças, na creche Menino Jesus. Constatou, nessa observação, as condições que interferem nessas interações, tendo como base o respaldo teórico e metodológico que nos permite situar os fatos observados num contexto mais amplo, isto é, em relação aos determinantes políticos, econômicos e sociais. Foram também levados em consideração as contribuições da psicologia no que se refere aos problemas da infância, já que os adultos que trabalham com essas crianças não têm informação e, sobre isso se a tem, falta-lhes uma atitude correta com as necessidades materiais e espirituais que elas têm nessa faixa etária.

Alves29 (2001) estudou as alterações na psicodinâmica de adolescentes privados de liberdade, através do diagnóstico psicológico do tipo compreensivo e verificou os aspectos afetivo-emocionais desses adolescentes no início e após seis meses de internação na FEBEM-SP. Foram escolhidos para sujeitos da pesquisa três adolescentes do sexo masculino, sem o cometimento de homicídio, sem déficit mental ou comprometimento psiquiátrico, primários na medida socioeducativa de internação, com idades de 14, 15 e 17 anos. Utilizou como instrumentos: observação de campo, entrevistas e técnicas projetivas:-Procedimento de Desenhos-Estórias e Entrevista Familiar Diagnóstica -. Os dados desse estudo sugerem que as interações interpessoais na família destes sujeitos tendem para o empobrecimento do diálogo e trocas afetivas. Os pais são distantes do contato com o filho e não se responsabilizam pela sua implicação no sintoma apresentado pelo adolescente. A internação é um tempo em que o sujeito fica privado das relações do seu grupo social para sua ressocialização. O tempo de internação na FEBEM-SP não é sem conseqüência, uma vez que se obseva uma acentuação da presença de mecanismos de defesa mais regredidos na relação com o meio, com um predomínio da pulsão de morte. Alves concluiu que esses sujeitos não foram auxiliados por esse tipo de internação que não os ajudou na re-significação de seus atos delitivos. A internação trouxe conseqüências desfavoráveis à adaptação social, pois não possibilitou a eles o deslocamento para novas nomeações, para um canal de simbolização, uma vez que a Instituição continua cristalizando a cronificação desses adolescentes pelo nome através do qual são reconhecidos: "ser infrator".

Cruz30 (2001) teve por objetivo tratar da problemática referente à produção da subjetividade, em grupo de crianças na situação de risco pessoal e social e, ainda, de adolescentes em conflito com a lei. Para tanto, foi necessário dar visibilidade à constituição desses sujeitos, como efeito de forças políticas e capitalísticas. Essas forças delinearam os contornos da subjetividade dessa população, ao longo da história. A partir desse referencial, utilizou metodologia centrada no trabalho em grupo, considerando os encontros realizados durante o processo de pesquisa e de investigação como dispositivos para a obtenção dos modos de subjetivação, 31 com os quais cartografou as produções realizadas no decorrer do processo. Acompanhou as linhas que foram tecidas e destecidas, os movimentos de ruptura ou de endurecimento dos modos de existencialização. Ao longo das atividades desenvolvidas pelo grupo em questão, emergiu a visibilidade dos analisadores: sobrevivência, sexualidade, infância, adolescência; analisadores esses que permitiram problematizar como a coletividade, que vivem à borda da sociedade, rompem com o saber veiculado ao ser criança, sobreviver, sexualidade, ser adolescente, ser infrator. Ao romper com esse saber, constroem e inventam modos de experienciar o mundo, colocando em questão os conhecimentos teóricos que se pretendiam universais. Surgem em cena crianças e jovens que lutam para sobreviver. Todavia, seguir essa linha de sobrevivência implica agenciar forças acopladas a uma máquina de guerra, resultando nos múltiplos modos de garantir a vida. São práticas que dão visibilidade a processos de subjetivação, ora atravessados por linha dura, ora, por linhas flexíveis e de fuga, fazendo emergir táticas para se manterem em território à borda da sociedade. O analisador "sexualidade" deixou entrever corpos que, na multiplicidade dos agenciamentos, buscam o prazer e a liberdade para se relacionarem sexualmente do modo como querem. Viver a sexualidade não implica uso de máscara de namorado, de noivinha, tampouco na busca do romantismo. São práticas sexuais disruptivas e subversivas. Mostram como as crianças e os jovens adolescentes desconstroem os conceitos de sexualidade infantil e juvenil. São corpos ávidos para viver a alegria do contato sem julgamento, sem preconceito. O analisador "ser criança" e "ser adolescente" mostra que o tempo desses sujeitos se conecta independentemente daquele definido pelas teorias psicológicas e psicanalíticas. Como bem diz um deles, "a gente entra na vida";tempo de ser criança, adolescente é tempo de "praticar o ato sexual, dançar, cantar, brincar, casar, ter filhos, cometer atos transgressores, fugir da polícia e ir para a FEBEM. Desde pequenos estão expostos ao mundo. São máquinas de guerra em que instituições tutelares não conseguem capturá-los nem normatizá-los nas definidas fases de desenvolvimento. O tempo é o de agora, a idade não tem sentido. Pode-se a qualquer momento, praticar sexo, traficar drogas, envolver-se com a polícia e, no meio disso tudo, soltar pipas. Singularizam-se, de forma a virtualizar a vida num tempo não linear, sem sentido único. Fabricam para si mesmos um tempo ilimitado, da ordem das intensidades. O poder de tomar a vida como objetivo é questão relacionada à subjetividade; tornar a vida mais alegre e prazerosa foi um acontecimento produzido pelo grupo. Além disso, esse grupo inventou os analisadores. Inventaram-se cenas e dramatizações, novas formas de lidar". com a vida; e cada encontro tornou-se um ato de festa, de celebração da vida, um grupo festivo, al egre; em suma feliz.

Rezende Filho32 (1996) teve como objetivo de investigação a trajetória da família do adolescente autor de ato infracional e suas relações com as instituições que tratam dessa problemática. a principal protagonista desse estudo foi a mãe desse adolescente, por ser ela a representante do jovem no enfrentamento desse problema. A trajetória infracional do jovem foi abordada a partir de seu histórico processual e de sua institucionalização, procurando-se detectar a ação do Estado junto ao adolescente; autor de ato infracional, privado de liberdade, que é concretizada pela FEBEM-Fundação Estadual do Bem –Estar do Menor – através de sua unidades de acolhimento provisório, educacionaos e seus postos de atendimento descentralizados, vinculados à Divisão de Apoio ao Menor na Comunidades. O eixo da pesquisa é o resgate da história familiar desse adolescente, obtida a partir do discurso de sua mãe, valorizando a importância que nele imprime o processo de socialização vivido pelo jovem, no âmbito familiar. Essa opção teve por base o pressuposto de que, ao apreendermos a história da família reconhecemos nela a história do próprio jovem acreditando que esse conhecimento torna possível a produção de ações mais efetivas para a recuperação do lugar de sujeito dado ao adolescente pela Constituição Federal.

Andrade33 (1997) teve como objetivo a proposta de Educação Física implantada no período de 1992 a 1994, na Fundação do Bem-Estar do Menor em São Paulo, responsável pelo internamento de adolescentes infratores. Como instrumento de investigação, foi utilizada a técnica análise do fenômeno situado, que possibilitou interpretar três discursos de professores de Educação Física, que atuaram na FEBEM/SP no período de 1992 a 1994. Com a análise dos discursos foram estruturadas cinco Sínteses das Unidades Transformadas, as quais possibilitaram a compreensão da proposta de Educação Física de 1992 a 1994.

Valenciano34 (1997) buscou conhecer em maior profundidade o adolescente que vive institucionalizado, sob forma de abrigo na, Unidade Educacional e de Permanência "Hernani de Albuquerque Parente", FEBEM -SP, situada na cidade de Batatais. Realizou pesquisa exploratória, configurada como um estudo de caso. Duas foram as categorias de análise: a) adolescência, b) valores e expectativas dos adolescentes. Em relação a essa última, os dados apontaram três subcategorias: trabalho, família e Deus.

Vilhena35 (1989) tratou da qualidade das relações que os menores institucionalizados estabelecem com os inspetores. Os resultados indicaram grande numero de problemas de ordem emocional e intelectual que caracterizaram repertórios inadequados na díade estudada, dificultando sua interação.

Poli36 (1995) investigou o monitor da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, FEBEM-RS, procurando entender a função que ele ocupa dentro da Instituição com suas determinantes sociais e histórica, por um lado e, por outro, buscando conhecer o trabalhador nessa função, em um sistema social onde existe a dominação pelo trabalho, causando sofrimento mental e produzindo mecanismos adaptativos individuais e coletivos. Foram analisadas treze entrevistas realizadas com monitores que exerciam a função por ocasião da coleta de dados, ao quais possuíam características diversas, para dar maior amplitude ao conhecimento aqui produzido. Verificou uma história que coloca o monitor como controlador e cerceador de um estrato social que lida com a pessoa em miséria, em suas relações sociais, e que se utiliza das instituições totais e da burocracia como meios para nunca chegar aos fins propostos explicitamente. Essa s Instituições seriam as responsáveis pelo aspecto contraditório da função do monitor e, assim, por sua impossibilidade. O indivíduo que exerce seu trabalho como monitor da FEBEM/RS tem elementos suficientes para evidenciar insatisfações, relativas não apenas a esses aspectos, mas também ao próprio sistema social.

Curi37 (1989) pesquisou a inserção social do menor infrator institucionalizado dentro da sociedade brasileira, na perspectiva da psicologia social. A perspectiva foi dividida em duas partes: a primeira focaliza o menor na instituição FEBEM/SP e faz uma analise e descrição dessa instituição, numa abordagem foucaultiana. Essa análise foi fundamental para visualizar a microfísica do poder que existe e detectar três de seus pontos de apoio para as relações de poder: o menor infrator interno, a equipe técnica e a equipe da inspetoria. Nessa análise foi possível enxergar como se conscientiza, em nível das particularidades de cada um dos menores, o paradoxo de sua inserção na sociedade capitalista brasileira

Silva38 (2001) investigou a eficácia da pena de privação da liberdade como recurso preferencial da sociedade no enfrentamento da criminalidade. Uma unidade de internação da FEBEM de São Paulo, uma penitenciária feminina, um presídio de regime semi-aberto e uma cadeia pública do interior do Estado de São Paulo, com 60 presos entrevistados em cada uma delas, compõem a base de dados da pesquisa. Considerou as variáveis gênero, tempo, idade, duração e local de cumprimento da pena como fatores diferenciais entre os quatro subgrupos. Amparada em documentação oficial, análise de prontuários, entrevistas estruturadas com internos, técnicos e diretores.Silva montou conjuntos de variáveis para traçar o perfil de cada preso, nas fases pré-prisional e prisional, fazendo-se também a caracterização do que é a vida prisional de cada sujeito dentro da prisão. Procedeu a comparações entre a condição de entrada na prisão e a condição atual, avaliando como as variáveis escolarização, formação profissional, constituição familiar, exercício de direitos e estrutura de apoio sociofamiliar se transformam em função do tempo e do espaço. A análise dos dados quantitativos e das informações qualitativas aponta para uma condição de extrema vulnerabilidade pessoal e social da quase totalidade dos presos, com acentuada deterioração dos principais quesitos necessários ao exercício dos direitos de cidadania, tanto na prisão como fora dela; e identifica que a pena e a prisão acabaram por potencializar ao extremo as deficiências pessoais e sociais a ponto de fazer com que seus códigos, símbolos e valores sejam acatados por indivíduos que, desprovidos deles em outras instâncias da vida social, passam a encontrar na prisão e na cultura prisional o principal referencial para nortear o pensamento, o sentimento e a conduta. Identifica, igualmente, estar a prisão cumprindo uma nova instrumentalidade na dinâmica social, servindo como espaço complementar de socialização para amplos segmentos da população, que passam a gravitar em torno do ente preso, com ele(a) estabelecendo relações de diversas naturezas, inclusive criminosas. Identifica também elevado número de familiares de presos com antecedentes criminais e/ou participação, ativa ou passiva, em práticas delinquenciais e que as relações de caráter conjugal, nascidas dentro da própria prisão comprometem completamente o princípio de individualização da pena, fazendo com que o comportamento delinqüente deixe de ser uma patologia individual para se transformar em uma patologia social, com inúmeros exemplos de que a cultura prisional ultrapassou as muralhas da prisão e hoje fundamenta o imaginário de grupos de organizações e comunidades, inclusive com uma geração de crianças concebidas, nascidas e socializadas dentro ou em torno da prisão. Esse processo generalizado de criminalização das relações sociofamiliares aponta para o incipiente surgimento de famílias criminosas, permitindo deduzir que a pena e a prisão estejam fomentando uma nova e ousada forma de organização da criminalidade em que os familiares de presos assumem, por vezes de forma explícita e ostensiva, a defesa dos códigos, dos símbolos e dos valores da prisão. A pesquisa aponta que o modelo organizacional e administrativo da prisão concorre para a solidificação da pedagogia do crime dentro de suas muralhas, analisando também a hierarquização dos saberes científicos dentro da prisão e a responsabilidade que possui na falência da pena como instrumento preferencial de combate à criminalidade.

Oliveira39 (1996) pesquisou a edificação de discursos regulares, que constituem a mentalidade da prática judiciária penalizadora, relativa ao procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescentes. A discussão acerca da penalização foi deslocada do cárcere para um campo contínuo a este mesmo sistema: o tribunal. O objetivo empírico da pesquisa referiu-se a processos judiciais de adolescentes considerados infratores, do interior do Estado de São Paulo, que foram internados na FEBEM/SP. Os processos pesquisados circunscreveram-se aos anos de 1991 e 1992, perfazendo um total de 473 processos( 217 e 256 respectivamente). O discurso penalizador foi estruturado a partir de dois dispositivos analíticos: o triângulo asséptico e o quadrilátero restaurador, os quais justificam a internação, delimitando o território em que transita a mentalidade penalizadora. Ao se interrogar sobre esse discurso, aparece o contradiscurso da abolição da pena, que aponta para a ampliação da liberdade, respaldada nos fundamentos pedagógicos propugnados, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

Meyer40 (2001) focaliza o trabalho dos monitores de unidades da FEBEM/RS que, situados nesse contexto, vivenciam o impacto dessas transformações, a que permite mapear a forma como incidem o valor e as manifestações psíquicas advindas dessa interação na caracterização do trabalho. Esta pesquisa pretende, a partir de uma proposição metafórica, baseada num paradigma ético- estético- político, contribuir para essa visualização e se ocupa de examinar a articulação entre esses elementos. Encarregados do trabalho mais direto, os monitores sentem os efeitos desse processo e, ao mesmo tempo, são responsáveis por protagonizar junto aos adolescentes essas transformações. A orientação interdisciplinar está configurada numa rede teórica que enlaça como fio a tradição do conceito de valor a partir da Filosofia, focalizando os valores éticos. O trançado da rede utiliza a interrogação da psicanálise em relação às tramas e nós vislumbrados no discursos, demonstrando as manifestações psíquicas produzidas no contexto do trabalho. A intervenção no campo pesquisa é engendrada na sociologia, que inspira o gesto de lançar a rede num ato de pesquisa, e busca a reapropriação, por parte dos envolvidos, dos seus processos de trabalho, articulados com a influência ideológica e econômica colocada nesse fenômeno social. A pesquisa conclui que a articulação entre valor e manifestações psíquicas produz tensionamentos no processo de trabalho. Essas tensões promovem o estabelecimento de defesas - engendradas a partir da trajetória pessoal dos monitores- da realidade institucional, caracterizada por ambigüidades e pelo contexto social marcado por um período de transições. Essa complexidade de fatores coloca continuamente em questão o valor do trabalho desenvolvido por esta categoria que passa a expressar essas contradições na forma de inserção no trabalho.

Segundo Centozala 41(2001), alguns fenômenos foram encontrados nas histórias de vida desses sujeitos infratores, como carência afetiva, abandono real ou imaginário, relacionamento violento, rigor e renúncia ligados educação, uma vez que estes,entre outros fatores, podem influenciar a construção da subjetividade desses sujeitos.

Olhando esses jovens somos levados a resgatar a reflexão feita ainda no início dos anos 60 por psiquiatras e psicólogos que analisaram a produção da subjetividade em instituições totais. Uma das pesquisas mais importantes nesse sentido, realizada por Goffman 42, descreve o processo e os mecanismos de constituição do que denomina "a carreira moral do doente mental", mostrando os horrores da produção da perda da identidade em instituições nas quais os internos são paulatinamente convencidos de sua incapacidade de pensar e de agir, coagidos pelas formas mais humilhantes e degradantes, impossibilitados de se diferenciar uns dos outros como indivíduos, como sujeitos.

SARTRE, prefaciando Os Condenados da Terra, livro do psiquiatra negro Frantz Fanon, em 1961, escreveu:"Não faz muito tempo a Terra tinha 2 bilhões de habitantes, isto é, 500 milhões de homens e 1 bilhão e 500 milhões de indígenas. Os primeiros dispunham do Verbo, os outros pediam-no emprestado... "

2.2. Revisão da literatura

2.2.1.O corpo social

Desde o inicio do século XIX, a exclusão de sujeitos desviantes da sociedade, - os leprosos, os vagabundos, os loucos, os violentos -já existia e também as diversas instituições, como os asilos psiquiátricos, a penitenciária, a casa de correção, os estabelecimentos de educação vigiada, os hospitais, e nde um modo geral,todas as instâncias de controle individual. Como cita Foucault43 (1987: p. 176)

A divisão constante do normal e do anormal, a que todo indivíduo é submetido, leva até nós, e aplicando-os a objetos totalmente diversos, a da marcação binária e o exílio dos leprosos; a existência de todo um conjunto de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais, faz funcionar os dispositivos disciplinares que o medo da peste chamava.

Essas instituições às quais Foucault se refere serviam para excluir os sujeitos, conforme suas diferenças na sociedade. O "fardo" da discriminação evidencia-se no estigma da invalidez e incapacidade que lhes é atribuído pela sociedade em geral. Segundo Goffman44 (1982), o estigma é produto das relações sociais. A concretização da desigualdade, portanto, nasce no conjunto das relações sociais.

Os grupos que se constituem como minorias, os desviantes, desvalorizados, experimentam a discriminação social, carregam fortes sentimentos de rejeição, se recolhem em instituições e se escondem da sociedade, tentando sobreviver em subculturas separadas e excessivamente estereotipadas, sujeitos aos efeitos dos processos de controle e discriminação.

O delito, a expressão mais visível da violência, denuncia algo grave que acontece no tecido social e no próprio indivíduo. A delinqüência tem sempre uma dupla face: "fala" do coletivo- os modos de organização da sociedade que produzem, mantêm, legitimam e estimulam a criminalidade e o fracasso dos mecanismos reguladores da convivência coletiva- e " fala" também da singularidade do autor do ato infracional, sua história pessoal, as violências que o vitimaram, a ruptura do pacto interno com a lei, seu sofrimento.

O delito do adolescente revela múltiplas determinações: a distribuição desigual de rendas e de direitos de cidadania; a ausência de uma política para a juventude; a precariedade das políticas assistenciais para a criança e o adolescente em risco pessoal; a comunidade de convivência, que não se responsabiliza pelas suas crianças e jovens; a escola expulsiva; os meios de comunicação, que banalizam a violência; a família, que, inscrita na mesma base material e cultural da sociedade, não é um lugar de cuidados e fracassa no controle da conduta dos filhos.

O ato infracional do adolescente revela histórias de abandono, de trabalho precoce, de violência doméstica, de fracasso escolar, de erotização da infância, do uso e abuso de drogas, de ausência de perspectivas para o futuro, recolocando sempre a mesma falta de perspectivas de uma vida digna. Revela a ruptura do pacto social, o esgarçamento de valores da coletividade, a existência de uma cultura da violência que produz esse adolescente também agente de violência. A ruptura no contrato pode ter conseqüências diretas sobre o destino psíquico da criança.

Aulagnier 45 (1979) coloca que, quando a realidade social é responsável pela ruptura, configurando situações de exploração e exclusão, reforça fantasias de rejeição, ódio, pois:

no momento em que o Eu descobre o extra-familiar, em que seu olhar procura um sinal dele que lhe confira direito de cidadania entre os seus semelhantes, ele só pode encontrar um veredicto que lhe nega este direito, propondo-lhe um contrato inaceitável, pois respeitá-lo implicaria a renúncia, na realidade de seu tornar-se, a ser qualquer coisa que não uma mera engrenagem sem valor, a serviço de uma máquina, a qual não esconde sua decisão de explorá-lo ou excluí-lo. (Aulagnier, 1979, p. 153).

Estamos, aqui, falando de sujeitos que frente, a uma realidade que lhes é injusta, incorporam seus próprios valores, já que os que são instituídos pela sociedade não lhes proporcionam o que necessitam e acabam incorporando, interiorizando e introjetando aquilo que, para eles, representa a realidade. Esses aspectos interiorizados, serão constituintes de sua subjetividade e, por conseguinte, sua função simbólica.

Por outro lado, a privação da liberdade desperta em qualquer indivíduo um grau de agressividade intenso, pois envolve em certo sentido a ameaça à sua sobrevivência. Segundo Klein 46 (1970):

o bebê adquire conhecimento de sua dependência ao descobrir que não pode suprir todas as suas necessidades, põe-se a chorar e a gritar. Torna-se agressivo. Automaticamente, explode, por assim dizer, de ódio e ardente desejo de agredir. (KLEIN, 1970:123)

A reflexão sobre as questões enunciadas remetem a Foucault47 (1996) quando afirma: ""É interessante a maneira que mostra como o infrator e o delinqüente se constituem nesse sistema. É como condenado que o infrator se constitui como objeto de saber possível"".

No caso do adolescente envolvido com a prática de delitos, é importante considerar que esse é um fenômeno universal. Está presente em países pobres e ricos, é um fenômeno histórico em nosso país e é um fenômeno transversal na sociedade, isto é, atravessa todas as classes sociais.

Segundo a perspectiva durkheiniana, viver em sociedade significa existir sob a dominação da lógica da sociedade. Para Berger48 (1978) sociedade designa um grande complexo de relações humanas ou, para usar uma linguagem mais técnica, um sistema de interação. Segundo Berger49 (1978), os poderosos interesses influenciam ou mesmo controlam as ações de autoridades eleitas segundo as leis. Esses interesses não serão encontrados na prefeitura e, sim, em certos casos, nas organizações criminosas.

2.2.2 A visibilidade dos corpos

Para Foucault50 (1977), as relações de poder, estabelecidas no século XX, nas instituições, no âmbito da família, da escola, das prisões ou dos quartéis, foram marcadas pela disciplina, cujo objetivo principal era a produção de corpos dóceis, eficazes economicamente e submissos politicamente .

Para atingir esse objetivo, a partir do século XVIII as sociedades disciplinares começaram a distribuir os indivíduos no espaço através das técnicas de enclausuramento ou de organizações hierárquicas de lugares específicos. Nessa perspectiva, todas as atividades eram controladas temporalmente, o que possibilitava, por exemplo, um isolamento do tempo de formação e do período da prática do indivíduo. Com isso, a aprendizagem poderia ser normativizada, e as forças produtivas seriam compostas com a finalidade de obter um aparelho eficiente (Foucault, 1977 51: p. 125-152):

As disciplinas, organizando as 'celas', os 'lugares' e as 'fileiras' criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos (...). A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de 'quadros vivos' que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas (p.135).

Dessa forma, os "quadros vivos" eram ao mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber, cuja intenção era a de dominar a diversidade, impondo-lhe uma ordem. Para Foucault52 (1984), as disciplinas se tornaram, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, as fórmulas gerais de dominação.

As disciplinas constituem uma tecnologia política, uma maneira eficaz de lidar com espaços, tempo, vigilância e registro de informações. Surgiram como resposta às urgências históricas colocadas pelo mundo urbano-industrial. Criaram o homem adequado a critérios de utilidade-docilidade: útil economicamente, pelo trabalho e produção; dócil politicamente, pela passividade, resignação e disciplina.

Para esse autor, na essência de todos os sistemas disciplinares funciona um pequeno mecanismo penal. É beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias, seu delito especificado, suas formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento.

As sociedades disciplinares substituíram as antigas sociedades de soberania, tendo seu início no século XVIII e atingido seu ápice no século XX 53. No entanto, a partir no século XVII, já começava a aparecer uma nova mecânica do poder, com instrumentos novos e incompatíveis com as relações de soberania, que incidia mais sobre os corpos do que sobre a terra e seus produtos. Foucault54 completa:

É um mecanismo de poder que permite extrair dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente por vigilância e não de forma descontínua por sistemas de tributos e de obrigações crônicas (Foucault, 1999a, p.42).

As sociedades disciplinares veiculam uma forma de poder ligado à ortopedia social, que tenta assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. Trata-se de produzir corpos dóceis, tornando o exercício do poder economicamente menos custoso possível, estendendo os efeitos do poder social ao máximo de intensidade e tão longe quanto possível e ainda ligando esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos onde se exerce, sejam pedagógicos, militares, industriais, médicos. Em suma, fazendo crescer tanto a docilidade quanto a utilidade de todos elementos do sistema (Foucault 55, 1977, p.191).

As formas de poder, exercidas na disciplina, podem ser exemplificadas por intermédio do modelo ortopédico do Panopticon, que foi definido inicialmente por Jeremy Bentham (Foucault, 197756; 199757; 1999b58). O Panopticon era um edifício em forma de anel, com um pátio no meio, no qual havia uma torre central com um vigilante. Esse anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, o que permitia que o olhar do vigilante as atravessasse. Essa forma arquitetônica das instituições valia para as escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios (Foucault, 197759, p.87).

O Panopticon era um espaço fechado, recortado e vigiado em todos os seu pontos. Nele os indivíduos estavam inseridos num lugar fixo, com os menores movimentos e acontecimentos controlados. O poder era exercido segundo uma figura hierárquica contínua, o que possibilitava que cada um fosse constantemente localizado, examinado e distribuído (FOUCAULT, 197760: p.174). Foi nessa perspectiva que a forma de poder, exercida no panoptismo, repousou, sobretudo no que Foucault chamou de exame:

O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que em todos os dispositivos de disciplina o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam. A superposição das relações de poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visível (FOUCAULT61, 1977, p. 164-5).

Portanto, a vigilância hierárquica sobre os indivíduos permite a articulação de um poder com um saber, que determina se alguém está se conduzindo ou não como deve. Essa articulação se ordena em torno da norma, do que é ou não normal, do que é correto ou incorreto, do que se deve ou não se deve fazer.(FOUCAULT, 1999b 62, p.88).

Assim, um determinado discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, mas também obstáculo, ponto de resistência ou ponto de partida de uma estratégia oposta: "O discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo ... Não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro, contraposto" (FOUCAULT 63, 1985, apud GORE, 2000: 15).

A partir da invenção por Bentham, séc. XVIII, do FOUCAULT do "Panóptico" - a prisão-modelo cuja arquitetura denota uma nova tecnologia do poder – vemos como o poder soberano do antigo regime dá lugar ao poder disciplinar, na modernidade. Esse poder, implantado no exército com a utilização das armas de fogo, passou a imperar nas prisões, hospitais, fábricas, conventos e escolas, aperfeiçoando gradativamente seu alcance, estendendo seus tentáculos até os indivíduos.

Ao contrário da escuridão das masmorras ou da punição exemplar transformada em espetáculo – o corpo do supliciado diante do corpo do rei, na presença da população – o poder disciplinar projeta luz sobre cada condenado, baseando-se na visibilidade, na regulamentação minuciosa do tempo e na localização precisa dos corpos no espaço, o que possibilita o controle, o registro e o acúmulo de saber sobre os indivíduos vigiados, tornados dóceis e úteis à sociedade.

Surgem, assim, novos saberes como a criminalística, a medicina hospitalar, a medicina social, a moderna pedagogia. A rede dos saberes/poderes estende-se a toda sociedade moderna. Os dispositivos do poder disciplinar que compreendem saberes, poderes e instituições recobrem todos os domínios da vida humana. Instaura-se assim uma nova tecnologia do poder, que se torna cada vez mais complexa e abrangente. Passa-se, então, do panóptico ao panoptismo.

Para Foucault 64 (1984) a arte de punir, no regime disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente à repressão. Mas visa a diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros. É em função dessa regra de conjunto- que se deve fazer funcionar uma base mínima,para a sobrevivência em grupo.

3.1. Caracterização do universo pesquisado

3.1.1. Fundação Nacional do Bem - Estar do Menor

Há quarenta anos, o tratamento dado aos menores infratores e carentes era pautado pela Política Nacional do Bem - Estar do Menor (PNBEM) e aplicado pela Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, a Funabem, criada em 1964., e que depois daria lugar às FEBEM. Baseados no Código de Menores de 1927, que previa o encarceramento, os militares pretendiam conter a criminalidade por meio do controle da população marginalizada, dentro do espírito da Doutrina de Segurança Nacional.

No Estado de São Paulo, a Lei 185, de 1973 e o Decreto 8777, de 1976, delegou à Fundação Paulista de Promoção social do menor – Pró menor – à responsabilidade de planejar e aplicar os programas de detenção de delinqüentes menores de idade, apesar das pesadas críticas de setores da sociedade ao tratamento previsto no código de 1927.

Em abril de 1976, a Pró-Menor se transformava na FEBEM. Policiais militares no lugar de monitores e carentes convivendo no mesmo espaço de infratores.e era esta a estrutura da instituição que nascia em 1976 e que deixaria seus rastros até hoje, nos grandes complexos.

Com 69 unidades em todo o Estado, a prioridade sempre foi dada aos grandes complexos. A maior parte das instalações são adaptações de estruturas construídas originalmente no início do século 20, como a Unidade de Triagem Sampaio Viana (antiga Roda da Santa Casa) 65, e o complexo do Tatuapé, onde ficava o Instituto Modelo de Menores do Tatuapé.

A montagem da estrutura física da FEBEM começou, de fato, em 1976.São dessa época os complexos de Raposo Tavares e de Imigrantes, que abrigaria uma das piores rebeliões da história da instituição, em 1999. Por conta disso, o primeiro presidente da instituição, João Benedicto de Azevedo Marques, já enfrentava, em 76, os pesadelos da superlotação e da rebelião, os quais tirariam o sono de governadores, no futuro. A FEBEM nascia superlotada. A superlotação já começava nos antigos RPMs –Recolhimento Provisório de Menores-, onde a capacidade era de 100, havia 600 internos.

Em São Paulo foi o Decreto 34.785, de abril de 1992, que estabeleceu o requisito legal de abrigar os adolescentes em unidades menores, mobilizando um processo de descentralização. Esse processo se inicia com a inauguração, em julho de 2003, da unidade de internação Tietê, localizada no Bairro de Vila Maria, na capital paulista. Com quatro módulos de 30 vagas cada um, o prédio tem servido, segundo a Febem, como modelo de arquitetura e segurança para as unidades em construção de São José dos Campos e de Ribeirão Preto. Trata-se de uma unidade de alta segurança, com muros de sete metros de altura, considerado o ideal para o governo do Estado, apesar de não ser defendido por entidades ligadas aos direitos humanos e previsto no ECA.

Mas quem são esses jovens? Como chegaram a essa instituição que deve ter um caráter educacional?

3.1.2. Adolescentes infratores

Consideramos de suma importância para o entendimento da nossa pesquisa o conhecimento acerca de algumas características que definem o perfil de um menor infrator. Os gráficos seguintes buscam caracterizar essa população:

Os dados nos falam que poucos dos internos teriam cometido delitos graves, como a comercialização de drogas, mais da metade estava na escola quando foi internada e a grande maioria tem família constituída

A evolução da criminalização dos jovens também foi acompanhada por uma mudança do perfil do adolescente infrator. No final da década de 70 e começo da de 80, os furtos dos chamados "trombadinhas" eram os principais passaportes para a entrada na Instituição. Essa realidade começaria a mudar na década de 90, com o aumento da exclusão social, o desastre do milagre econômico e, principalmente, com a infiltração do tráfico de drogas nas populações carentes. Hoje, segundo dados da Febem, o roubo é o principal responsável pelo ingresso de jovens na Instituição – 60% dos infratores internados cometeram esse delito. Dos jovens internados, 10,4% são autores de assassinatos, 10% são traficantes, 5,6% responsáveis por furtos, 3,1% por latrocínios (assaltos com morte), e outros 3,5% continuam confinados por ter descumprido as medidas aplicadas pelos juízes ou a liberdade assistida.

Grande parte das pesquisas feitas com infratores - adultos ou juvenis - toma como base a população encarcerada, ou já em privação de liberdade, o que significa que as informações referem-se, na maioria das vezes, à última etapa do sistema formal e oficial da justiça criminal. Vale ressaltar que o sistema formal de justiça penal exerce seu controle inicialmente sobre aqueles considerados suspeitos e que são apreendidos pela polícia. As etapas seguintes correspondem àatuação do Ministério Público, do Judiciário e do Sistema Prisional ou da FEBEM. Na medida em que cada um desses atores entra em cena, as amostras tornam-se mais reduzidas.

Ocorre que o perfil criminal dos infratores não se mantém inalterado entre as etapas: sabe-se que, quanto mais caminhamos no funil punitivo, maior a representação dos crimes violentos no universo. Por vezes, quando os crimes violentos são praticados por categorias específicas de infratores, em termos de nível socioeconômico, gênero, cor e idade, entre outras, maiores são as diferenças entre as etapas iniciais e finais no sistema de justiça criminal. Há logicamente uma maior ocorrência de atos infracionais mais graves como roubos, homicídios e latrocínios e menor ocorrência de atos infracionais mais leves como porte de armas e drogas, lesões corporais ou receptação, até porque estes raramente ensejam a aplicação de medida de internação.

Os dados da FEBEM dizem respeito ao instantâneo do total de pessoas internadas naquele momento de 1999 (incluindo aqueles adolescentes que ainda não foram sentenciados com medida de internação, que estão em internação provisória ) enquanto os dados que correspondem aos adolescentes apreendidos foram coletados de junho de 2000 a abril de 2001).

Fica clara a variação de perfil criminal segundo a fonte: no perfil extraído da FEBEM há, logicamente, uma maior ocorrência de atos infracionais mais graves como roubos, homicídios e latrocínios e menor ocorrência de atos infracionais mais leves, como porte de armas e drogas, lesões corporais ou receptação, até porque estes raramente ensejam a aplicação de medida de internação.

3.1.3. Caracterização dos sujeitos da pesquisa

O universo pesquisado constitui-se de uma população flutuante de 128 adolescentes internos da FEBEM, da Unidade Tietê no período de julho de 2003 a dezembro de 2004, com idade entre 17 e 21 anos, reincidentes de atos infracionais graves contra a sociedade e com participação em conflitos e rebeliões e que já passaram por várias unidades daFEBEM.

Fazendo uma análise de suas pastas médicas, constatamos que os adolescentes em sua maioria, eram viciados em drogas e homicidas em potencial.

4. Procedimentos metodológicos

Enquanto a ciência tradicional busca constância, enquadramento, previsão e estabilização, este estudo propõe um outro lugar no qual a oposição sujeito/objeto ou natureza/sociedade não é assim tratadas. Morin 66 nos diz que" na ciência clássica, a subjetividade aparece como contingência, fonte de erros", por isso ela exclui o observador como se fosse inexistente, ou fosse o portador da verdade absoluta. Já o contexto contemporâneo acolhe novas perspectivas, formando uma nova forma de fazer ciência que se constitui num novo paradigma, abarcando configurações dessa ordem que antes se restringiam a movimentos isolados.

Essa nova forma de fazer ciência ou as mudanças de paradigma, segundo Prigigine 67, são resultantes das "contradições entre as predições teóricas e os dados experimentais, já não se pode continuar falando de leis universais extra-históricas, temos que acrescentar o temporal e o local".

Santos 68 fala em uma ciência pós-moderna, que estaria emergindo frente ao fim do ciclo da hege monia do paradigma dominante que se impõe como um modelo totalitário. Segundo ele, a crise paradigmática resulta de uma série de condições, teóricas e sociais, as quais apontam que o próprio aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se fundam. No paradigma emergente, a noção de lei tem sido parcial e sucessivamente substituída pela noção de sistema, de estrutura, de modelo e, por último, pela noção de processo.

Em concordância com o paradigma emergente, esta pesquisa prende-se à proposta da pesquisa – intervenção, pois:

Trata-se de uma postura investigativa que situa o objeto (seja ele da ordem do individual, grupal ou institucional) no campo das produções subjetivas, deslocando o poder/saber de uma lógica cientificista e universalizante para uma lógica transgressiva e criadora que acene para a possibilidade de produzir rupturas nos efeitos normativos e patologizantes presentes nos mais variados signos da atualidade. 69

Este estudo cartográfico, isto é não é reprodutível nem passível de ser fixado em um modo exemplar, pois flutua em modificações constantes; voltado para a experimentação em contato com o real, portanto, em constante transformação. Assumimos, aqui, a postura crítica de análise da realidade em suas diversas possibilidades funcionando tanto como "produção e invenção de novas realidades, quanto como um dispositivo intensificador do pensamento e multiplicador das formas de intervenção".70

Para Andrade (2004)

O princípio, ou paradigma que sustenta esta concepção metodológica, tem seus fundamentos na Filosofia da Diferença. Para a mesma,(... )todo acontecimento porta virtualmente uma constelação de universos de referência e está, portanto, relacionado com a possibilidade de múltiplos devires, ou seja, de vir a ser outra coisa diferente daquilo que é. Trata-se, portanto, de produzir a diferença e atualizar novos sentidos e não de retratar a identidade enquanto simples nomeação do que já se configura num sujeito. Ao invés de interpretar – considerando que a solução preexista ao próprio problema –, é preciso perguntar para que serve e como funciona a codificação de determinados fluxos do desejo em uma situação específica. 71

4.1. A coleta de dados

Guatarri72 fala de um paradigma processual que não compartimentaliza os campos do saber em áreas bem delimitadas. Nesse paradigma, a noção de que as coisas estão interligadas aparece, por exemplo, com a utilização de conceitos como o de rizoma73 – onde o funcionamento por conexão liga elos semióticos heterogêneos a modos de codificação muito diversos colocando em jogo, signos de diversas espécies em contato, ou o estatuto das coisas sob diferentes regimes.

O rizoma, ou ainda o pensamento rizomático, se alastra em todas as direções conectando elementos de natureza diferentes, não tendo um centro de onde emerge e se desenvolve seguindo um curso, não havendo a separação sujeito/objeto, somente grandezas e dimensões que não podem crescer sem que ele mude de natureza. Um rizoma ainda pode ser rompido ou quebrado em linhas segmentárias ou linhas de fuga, enfim, pode retomar seguindo tal ou qual linha.

Os elementos da cartografia foram se delineando no convívio diário da pesquisadora com os adolescentes internos, durante os meses de---- a ------. Destes elementos selecionamos para a análise as produções que trazem no seu bojo qualidades condizentes com os objetivos da pesquisa, isto é, surgem a um só tempo como representativas das produções dos sujeitos e reveladoras do traçado formado pelas linhas de fuga no processo de subjetivação dos envolvidos.

4.2. Apresentação dos dados

Trazemos, aqui, a cartografia, quando reeditamos os momentos compartilhados pelos sujeitos e a pesquisadora, tentando agora rastrear as marcas, que servirão de analisadores 74. Não escolhemos a priori quais marcas funcionariam como analisadores, mas buscamos, nos movimentos, as pistas de como as linhas de fuga conformavam novas paisagens, outras invenções de modos de vida, que se constituíam na dinâmica institucional

 

4.2.1.O dia-a- dia dentro de uma unidade da FEBEM

Os adolescentes acordam por volta das 7 horas da manhã. Após acordarem, recebem o café e iniciam sua rotina diária.

Esses adolescentes são matriculados em uma escola da rede pública do Estado que responde pelo ensino regular dos adolescentes, o projeto pedagógico e a documentação escolar.As atividades escolares realizam-se intramuros da FEBEM: cada módulo conta com quatro salas de aulas.A escolarização é o que menos interessa aos adolescentes.Segundo Brandão 751(2001), a falta de escolaridade está relacionada à reincidência de crimes.

A equipe que lida diretamente, no pátio, com os adolescentes é constituída por coordenadores de equipe e agentes de apoio técnico,cuja função principal é a proteção individual, trazendo as refeições, providenciando qualquer solicitação por parte dos adolescentes.

Após o período de aula, os adolescentes almoçam e vão para outras atividades como: oficinas de artesanato, atividades esportivas, oficinas de costura de bolas, oficina de pintura em seda, panificação e outras atividades lúdicas: jogos de xadrez, damas e dominó.

A Fundação mantém uma coordenação pedagógica, responsável por administrar as atividades pedagógicas, esportivas e culturais dos adolescentes.

È também responsável pelo grupo de analistas técnicos, profissionais capacitados e habilitados para ministrarem os cursos profissionalizantes e as oficinas ocupacionais, conforme determinação do artigo 124 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) .

Na rotina diária dos meninos, existe o horário destinados para escrever cartas. Nesse momento, percebi o grau de dificuldade no processo de aprendizagem e de escolarização apresentado pelos adolescentes.

Temos a linguagem como item principal para a comunicação.A manifestação verbal dos internos é diferenciada com gírias e códigos.Dias 76(2000) coloca que

 

É sabido, também, que o corpo fala, e quando iniciamos um jogo dialógico entre educador e educando, a manifestação corporal é a nuância na pronúncia do discurso, é quase como um " rap" falado, jogos de braços, balanceio do corpo, gesticulações com as mãos.

Podemos dizer que esta manifestação global está relacionada com a liberdade de expressão, já que a disciplina impõe ao adolescente aprender e criar códigos.

Segue abaixo,exemplo de diálogos entre adolescentes e educador:

Educador:- Quando estiver em liberdade, o que pretende fazer para trabalhar com dignidade?

Adolescente:- É senhora, não venha com esse "psico" de novo.

Educador:- Vai me dizer que gosta de estar aqui, vai continuar cometendo crimes?

Adolescente:- Não, tô fora desse lugar, tô preso, ninguém gosta disso né, senhora, a caminhada é longa ainda. ( abaixa a cabeça).

Educador:- Então, você já deve ter passado por muita coisa, já não aprendeu?

Adolescente:- É, "a cadeia é doce" ou no "veneno", a liberdade de ta lá no "mundão", podendo ir aonde eu quiser.

Educador:- Que bom que você pensa assim.

Adolescente:- Mas fico no veneno, vejo os "irmão" aí que não tem o que come, esses político são uma "minusquência" só, é mais ladrão que eu, tá ali com o "Jack".

Educador: -Calma, tenha paciência, se você tiver um objetivo e lutar por ele,com certeza será bem recompensado.

Adolescente:- Senhora, esses "coordena" e esses "funça" demora demais para "pagar a xepa" todo dia.

Educador:- Imagine que são mais de cem meninos para atender, com certeza sua comida já vem.

Adolescente: -" Firmeza".

Educador: -Então, voltando ao assunto do trabalho....

Adolescente:- Ah,é! Vou tentar fazer o "corre", tô com a senhora "lado a lado". ( com o dedo indicador e médio, passa no peito do extremo esquerdo para o direito e sorri.)

Educador:- Está vendo, chegou sua comida.

Adolescente: -"Firmeza" senhora, valeu, vou "xepar" agora.

Educador: -Bom almoço.

 

Aos domingos ocorrem as visitas das famílias, que trazem os "jumbos", alimentos, cigarros e outros que não são oferecidos pela fundação,mas são determinados e examinados pela unidade.

Durante a visita dos pais e namoradas não é permitido em hipótese alguma que qualquer adolescente esteja sem camisa ou indevidamente trajado, pois esta atitude é considerada como insulto aos visitantes.É importante ressaltar que essa atitude é manejada pelos próprios adolescentes como uma questão de respeito, a tal ponto que, se por ventura ocorrer de uma visita entrar no pátio, no momento de um jogo de vôlei, imediatamente os adolescentes que se encontram sem camisetas, em uma corrida veloz, se dirigem-se aos alojamentos para se vestirem.

4.3 Analisando os dados

Não existe uma receita de como criar um relacionamento com os jovens, pois estamos falando de relações humanas, porém é sabido que em qualquer ação ocorre uma reação.Por que esses jovens se rebelam? Além das dificuldades internalizadas na fase da adolescência, esses jovens perderam o direito de ir e vir, estão internados e cumprindo a medida;a fuga é algo que antecipa a liberdade, já que a paciência não é uma palavra entendida, principalmente nesta fase.

As formas de disciplinarização, presentes no cotidiano do internato, tornaram-se visíveis nas diferentes estratégias de aprendizagem, que permitem aos indivíduos integrarem-se as exigências gerais.

Como pontua Foucault (1989):

A liberdade consiste numa abertura para possibilidades diferentes, para formas de nos vermos a nós próprios e a nossas práticas de forma diferente, através de uma tentativa para identificar o arbitrário naquilo que pode aparecer como fundamental ou essencial. (1989, p. 331)

Para Foucault,a prática da liberdade envolve tanto um engajamento crítico "interno" das práticas autoconstitutivas, quanto um questionamento "externo" das condições nas quais o eu é constituído, um contínuo desafio individual e coletivo para construir alternativa.

Deve-se ressaltar a importância das relações e vínculos externos, principalmente familiares, existentes no restabelecimento do jovem que cometeu uma infração. Não importa o crime cometido, ou o sofrimento individual, ou até mesmo o estigma carregado por um interno da FEBEM, é sempre possível enxergar que determinados valores não são perdidos. Um exemplo disso é observarmos o vínculo de mãe e filho.

Consideravelmente, a mãe é a figura mais esplêndida para o jovem, é ela quem o visita regularmente,passando pelo constrangimento da revista, "pagando três cangurus"( ficar totalmente nua, de cócoras e pular três vezes); é ela que luta arduamente para conseguir o "jumbo"; é ela que sofre pela dor do filho que perdeu a liberdade. Tudo isso, é recompensado pela exposição do nome da mãe tatuado em várias partes do corpo de uma grande quantidade de adolescentes. Seu corpo fala. É o respeito árduo e em um enfoque santificado...

GRITO DE TERROR

Solte o grito de terror
Que está dentro de você
Chega pra somar
Com humildade e procede
Agradeço a Deus
Por toda inspiração
Compor a verdade
E agir com o coração
E certo pelo certo
Assim que é divino gueto
Respeita a lealdade
Apóia os verdadeiros
Muitos já se foram
Quantas mães eu vi chorar
Rapaz,mó tristeza
Chega a embaçar
Eu caminho no silêncio
Sigo firme a minha dor
É pra ele meu orgulho
É pra ele meu amor
O crime é CDP
Eu vou contar com a sorte
To firmão, vai que vai
Tamo junto, sem neurose
Não tem corte
A vida é louca
É nóis até o final
Liga nóis, João
Que o guerreiro é imortal
Amo minha família
Amo o Santos de verdade
O coração é alvinegro
Paz, liberdade
Quem é que treme o chão
Que tem a ousadia
Rap nacional
Anti-sensacionalista
O defensor da causa justa
Por empolgação
Quem manda esse rap
É o Serginho e o Negão
Pode crê Negão
Aqui nóis se trombo
Febem Vila Maria
Mó ótimo arrancou
Não esquenta mano Sérgio
A dor já vai passar e vem
O sonho do L.A
Enquanto ele não chega
Eu fico aqui na minha
Até ele chegar
A idéia é quente
Não é ficção
É de ladrão
Pra organização
Ninguém se mexe
Vai segue em frente
O papo é reto
E vai entrar na mente
Hoje tu cobra e amanhã será cobrado
A vida é louca
Você foi arrastado
Ta de chapéu, assassinou um inocente
Na covardia, seu verme, doente
Tá de embalo, mas fiz mãe chorar
Não tenho pressa
Devagar vou esperar
Pau mandado, simpático ao patrão
Quer fama, respeito, consideração
Moleque novo, tira o dia pela frente
Entrou no crime
O final é diferente
Não ta ligado
Ta desconversando
O tempo é curto
E tua hora ta chegando
Não vou trazer de volta
Aquele amigo
Mas com certeza
Eu vou cobrar
Meu prejuízo
Sendo assim eu vou mandar
Um salve pro quebrada
Neném, makalé, monstrinho da quebrada.

 

4.3. Analisando os dados

Trazemos aqui a cartografia, quando reeditamos os momentos compartilhados pelos sujeitos e pesquisadora, tentando agora rastrear as marcas, que vão servir de analisadores 77. Não escolhemos a priori quais marcas funcionariam como analisadores mas, buscamos nos movimentos as pistas de como as linhas de fuga conformavam novas paisagens, outras invenções de modos de vida, que se constituíam na dinâmica institucional.

Para tanto, consideramos válida a análise de conteúdo, uma vez que se trata de uma técnica de pesquisa cujo objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos do texto.

A análise de conteúdo pode ser definida como um conjunto de instrumentos metodológicos diversificados que se aplicam à compreensão dos fenômenos lingüísticos e comunicações de forma geral. Enquanto conjunto de técnicas de pesquisa utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens com a intenção de produzir inferências sobre o produtor da mensagem e sobre as condições de produção, através de uma hermenêutica controlada.

Temos a linguagem como item principal para a comunicação. A manifestação corporal é a nuância, na pronúncia do discurso, quase um "rap" falado, jogos de braços, balanceio do corpo, gesticulações com as mãos. Seu corpo fala. Para Dias (2000:118)

Fenomenológicamente, esses atos que podem tomar a forma de ritos, de impulsões e até manias se fazem anunciar por índices que nos permitem fazer um diagnóstico da posição subjetiva do adolescente.

A manifestação verbal dos adolescentes internados é diferenciada com gírias e códigos, sustentada por definir um papel de autodenominação e até para segredos.

A mãe é a figura mais respeitada pelo jovem interno. É ela quem o visita regularmente, passando pelo constrangimento da revista; é ela que luta arduamente para conseguir o "jumbo"; é ela que sofre pela dor do filho que perdeu a liberdade. Tudo isso é recompensado pela exposição do nome da mãe tatuado em várias partes do corpo de grande parte dos adolescentes. Dias (2000:29) coloca

Para além dos índices que aparecem no campo da linguagem, é preciso prestar a atenção para o modo como o corpo do púbere se torna uma inquietante estranheza, junto com a angústia crescente que conduz aos atos que implicam riscos de morte, mesmo que mascarados.

As formas de disciplinarização, presentes no cotidiano do internato, tornaram-se visíveis nas diferentes estratégias de subjetivação que permitem aos indivíduos integrarem-se às exigências gerais.

Como pontua FOUCAULT (1989):

A liberdade consiste numa abertura para possibilidades diferentes, para formas de nos vermos a nós próprios e a nossas práticas de forma diferente, através de uma tentativa para identificar o arbitrário naquilo que pode aparecer como fundamental ou essencial. (1989, p. 331)

Para Foucault a prática da liberdade envolve tanto um engajamento crítico "interno" das práticas autoconstitutivas quanto um questionamento "externo" das condições nas quais o eu é constituído, um contínuo desafio individual e coletivo para construir alternativa.

Conclusão

Esses sujeitos-infratores são adolescentes que parecem possuir elementos subjetivos e objetivos insuficientes para resolver os problemas, cuja procedência ele mesmo desconhece e sem saber que está precisando de ajuda, acaba realizando ações que chamam a atenção do outro para si e que são fruto de sua subjetividade e capacidade simbólica de exteriorizar o que foi introjetado do mundo.

Notas

1 O Artigo 2 do ECA considera criança uma pessoa que ainda não tenha completado doze anos de idade e adolescente, uma pessoa entre doze e dezoito anos de idade. Nos casos especificados em lei, o Estatuto aplica-se a pessoas que têm entre dezoito e vinte e um anos.

2 . "Sujeito", palavra oriunda do latim que significa "subjeto", que é um ser assujeitado aos próprios limites.

3 A respeito da responsabilidade penal de crianças, o Artigo 228 da Constituição estipula que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial." O Artigo 104 do Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente ,de ,1990 estabelece que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei."

4 No Estado de São Paulo, os menores são internos em instituições que se encontram sob a jurisdição da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), à qual cabem o planejamento e a execução de programas de detenção para menores infratores, sob a supervisão da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social. Existem cerca de 4.000 menores internados a título de medida socioeducativa, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

5 DELEUZE,G.Proust e os signos.Segunda Parte Os signos, p189.

6 Ibañez G., T. La psicología social como dispositivo desconstruccionista. In T. Ibañez G., El conocimiento de la realidad social (pp. 109-133). Barcelona: Sendai. 1989

7 DELEUZE,G.Proust e os signos.Segunda Parte Os signos, 1996

8 FOUCAULT,M. Vigiar e Punir.História da violência nas prisões Editora Vozes,Petrópolis,1986.

9 CZERMAK, Rejane; SILVA, Rosane Neves da. Crítica e diferença: a pesquisa-intervenção em psicologia . CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO BRASIL DE PESQUISA QUALITATIVA (1.º : 2004 : Taubaté, SP) Debatendo o uso da pesquisa qualitativa em Ciências Humanas, Sociais e Biológicas. Taubaté : Tec Art Editora Ltda. 2004 .p.355-359.

10 KREPPNER, Kurt . Sobre a maneira de produzir dados no estudo da interação social. Psic.: Teor. e Pesq., maio/ago. 2001, vol.17, no.2, p.97-107. ISSN 0102-3772.

11 Linhas de Fuga: De acordo com Deleuze, as linhas de fuga surgem a partir da afecção com as linhas molares - linhas objetivas que atravessam a sociedade - e, então, passam a produzir recodificações e invenções de modos de vida. As linhas de fuga são linhas de resistências (DELEUZE, 1995).

12 De acordo com o Artigo 117 do ECA, a prestação de serviços comunitários "consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, (...) junto a hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais."

13 Os Artigos 118 e 119 do ECA estabelecem que uma pessoa capacitada estará encarregada de "promover socialmente o adolescente e sua família", supervisionar sua freqüência escolar, assistir na profissionalização do adolescente e sua inserção no mercado de trabalho. A medida deve durar um período mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada.

14 De acordo com o Artigo 120 do ECA, o regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início ou como medida de transição para o meio aberto; a medida não é sujeita a prazo determinado e são obrigatórias a escolarização e a profissionalização.

15 O Artigo 101 no parágrafo dispõe sobre " I- encaminhamneto aos pais eou responsável, mediante termo de responsabilidade;II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta."

16 Artigo 121 do ECA.

17 FOUCAULT, M. (1996) Vigiar e Punir. História da Violência nas prisões, 14a. edição, Petrópolis, Vozes.

18 OLIVEIRA, Maria Cecília Rodrigues de. O processo de inclusão social na vida de adolescentes em conflito com a lei.Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,Psicologia, 12/dez/2002

19 ALMEIDA, Marília Mastrocolla de . Compreendendo as estratégias de sobrevivência de jovens antes e depois da internação na FEBEM de Ribeirão Preto.Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,Psicologia,22/nov/2002

20 SERFATY, E; CASANUEVA, E; ZAVALA, MG et al. Violencia y riesgos asociados en adolescentes. Adolesc. Latinoam., ago. 2002, vol.3, no.1

21 FURLAN, Amabile. O Processo de Constituição do Sujeito Político Familiares e Amigos de Adolescentes em Conflito com a Lei Internados na FEBEM/SP. - Município de São José dos Campos.São Paulo - SP. 01/08/2000. 1v. 202p. Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

22 CUNHA, Anadyr de Carvalho. O dia seguinte: a vida além dos muros de adolescentes egressos do Programa Casas de Convivência - FEBEM/DT2. São Paulo - SP. 01/05/1999. 1v. 181p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

23 CARDARELLO, Andrea Daniella Lamas. Implantando o Estatuto: um estudo sobre a criação de um sistema próximo ao familiar para crianças institucionalizadas na FEBEM/RS. Porto Alegre - RS. 01/06/1996. 1v. 157p. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande d o Sul.

24 MELLO, André da Silva. Capoeira para adolescentes internos na FEBEM: um estudo sobre a consciência. São Paulo - MG. 01/10/1999. 1v. 145p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

25 EVANGELISTA, Dalmo de Oliveira. Para onde vai o adolescente autor de atos infracionais egresso da FEBEM/RN. 01/07/1992. 1v. 188p. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte

26 SILVA, Francisca. Liberdade assistida : uma proposta sócio-educativa ? São Paulo, SP. 01/10/1998. 1v. 143p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

27 KNIST, Hedwig. O adolescente infrator em regime de liberdade assistida: uma reflexão psicossocial sobre reintegração. S.Paulo, SP. 01/03/1996. 1v. 235p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

28 ANDRADE, Iraci Garcia Mascarenhas de. Condicoes de interacao numa creche da febem em natal - possibilidades de integracao das criancas.01/05/1990. 1v. 163p. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte

29 ALVES, Sirlei Fátima Tavares. Efeitos do Tempo de Internação sobre a Psicodinâmica de Adolescentes Autores de Ato Infracional. São Paulo - SP. 01/08/2001. 1v. 240p. Mestrado. Universidade de São Paulo.

30 CRUZ, Soráia Georgina Ferreira de Paiva. A produção da subjetividade em grupo de crianças em situação de risco pessoal e social e adolescentes em conflito com a lei.Assis, SP. 01/08/2001. 1v. 230p. Doutorado. Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Marilia.

31 Subjetivação:Michel Foucault abre esta via de teorização assinalando que os processos de sibjeivação podem ser considerados como uma terceira dimensão dos "dispositivos". Esses são processos singulares e se produzem por multiplicidades e nada t~em a ver com a "vida privada", mas designam a operação pela qual o indivíduo ou comunidades se constituem sujeitos, à margem dos saberes constituídos e dos poderes estabelecidos, podendo dar lugar a novos saberes e poderes. Observa Foucault que em muitas formações sociais não são os senhores que constituem focos de subjetivação, mas os excluídos(DELEUZE<1996,p.189).

32 REZENDE FILHO. José. O desafio de ser mãe: relatos de familias de adolescentes infratores internados na FEBEM/SP. 01/10/1996. 1v. 188p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

33 ANDRADE, Marcelo Pereira de. Educação Física na Fundação Estadual do Bem-Estar dos Menor-FEBEM/SP: Uma análise da proposta de 1992 a 1994 segundo o discurso dos professores.São Paulo - PB. 01/09/1997. 1v. 85p. Mestrado. Universidade Estadual de Campinas.

34 VALENCIANO, Maria Cristina Menezes. O pensamento, valores e expectativas de adolescentes institucionalizados: um estudo realizado na Unidade Educacional e de Permanência 5, FEBEM/ Batatais/SP . SP. 01/12/1997. 1v. 207p. Mestrado. Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca .

35 VILHENA, Maria do Carmo Janot. Estudo de alguns aspectos do relacionamento inspetor-menor institucionalizado na FEBEM. 01/06/1989. 1v. 148p. Mestrado. Universidade de São Paulo

36 POLI, Maria Monica Candal. Monitor da FEBEM-RS: sujeito e funcao. 01/12/1995. 1v. 142p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

37 CURI, Ramia Rose Lilian. O paradoxo do menor infrator institucionalizado: ser considerado antisocial pelo codigo penal ao mesmo tempo em que reproduz a sociedade capitalista .01/05/1989. 1v. 155p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

38 SILVA, Roberto da. A eficácia sócio-pedagógica da pena de privação da liberdade. 01/08/2001. 1v. 336p. Doutorado. Universidade de São Paulo

39 OLIVEIRA, Salete Magda. Inventário de desvios: os direitos dos adolescentes entre a penalização e a liberdade. SÃO PAULO - SP. 01/02/1996. 1v. 287p. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

40 MEYER, Rose Teresinha da Rocha. Vivendo e aprendendo a jogar: valor e manifestações psíquicas no trabalho dos monitores da FEBEM/RS. 01/06/2001. 1v. 346p. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

41 Centolaza,C. A.O transviver do sujeito transgressor no espaço sócio-educativo. 2001. Dissertação (Mestrado em Psicopedagogia) – UNIFIEO, Osasco.

42 GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. Série Debates, Editora Perspectiva, São Paulo, SP,1996.

43 FOUCAULT, M. Dits et écrits, III, Paris: Gallimard, 1987

44 GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. Série Debates, Editora Perspectiva, São Paulo, SP,1996.

45 AULAGNIER, 1979

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47 FOUCAULT, M. (1996) Vigiar e Punir. História da Violência nas prisões, 14a. edição, Petrópolis, Vozes.

48 BERGER, P., & Luckman, T. (1978). La construcción de la realidad social (9ª reimpresión). Buenos Aires: Amorrortu. (Obra original pulicada em 1968).

49 BERGER, P., & Luckman, T. (1978). La construcción de la realidad social (9ª reimpresión). Buenos Aires: Amorrortu. (Obra original pulicada em 1968).

50 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

51 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

52 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

53 A referência bibliográfica utilizada aqui é "Em defesa da Sociedade" (FOUCAULT, 1999a). Esse livro apresenta uma versão completa das aulas publicadas em "Microfísica do poder" (FOUCAULT, 1979) além de outras aulas que não foram publicadas neste último livro.

54 FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade, São Paulo: Martins Fontes, 1999ª

55 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

56 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

57 FOUCAULT, M. "A sociedade punitiva" in Resumo dos cursos do Collège de France, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997

58 FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas, Rio de janeiro: Nau ed., 1999b

59 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

60 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

61 FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1977

62 FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas, Rio de janeiro: Nau ed., 1999b

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65 Parece-nos significativo que a unidade de triagem, local por onde passam todos os menores infratores, ocupe o mesmo espaço da antiga Roda da Santa Casa, local em que eram depositadas as crianças enjeitadas, e servia para que "as pobres crianças enjeitadas não fossem disputadas pelos cães vadios da cidade".

A Roda, um cilindro oco de madeira que gira em torno do próprio eixo e com abertura em uma das faces, ficava voltada para uma janela, por onde eram colocadas as crianças. A mãe batia na madeira para avisar o porteiro, que aguardava do lado de dentro para não ver seu rosto e girava a Roda, recolhendo o abandonado.

Registros da cidade de São Paulo relatam que desde o século 18 já havia a preocupação de se instalar uma "Roda" para recolher os abandonados que seriam destinados por um magistrado a uma ama de leite, "à custa das Câmaras". Documentos da época indicam espantosa quantidade de "expostos", como eram chamadas então as crianças abandonadas da cidade, numa proporção entre 17 e 25% do total das primeiras faixas etárias. (fonte: http://www.cremesp.com.br/revistasermedico/sermedico040506_2002/historia_medicina.htm ,acesso 20/maio2004)

66 MORIN Edgar. A Noção de Sujeito. F. SCHNITMAN. In Dora. Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade , p.45 - 58

67 PRIGOGINE, Ilya O Fim da Ciência? F. SCHNITMAN. In Dora Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. p. 21– 44.

68 SANTOS, Boaventura Introdução a uma Ciência Pós Moderna.

69 CZERMAK, Rejane; SILVA, Rosane Neves da. Crítica e diferença: a pesquisa-intervenção em psicologia . CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO BRASIL DE PESQUISA QUALITATIVA (1.º : 2004 : Taubaté, SP) Debatendo o uso da pesquisa qualitativa em Ciências Humanas, Sociais e Biológicas. Taubaté : Tec Art Editora Ltda. 2004 .p.355-359.

69 "Uma definição provisória: Para os geógrafos, a cartografia, diferentemente do mapa, representação de um todo estático, é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos, sua perda de sentido, e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias." (Rolnik, 1989: 15)

70 Opus cit.

71 Andrade, Márcia Siqueira de.cartografia da aprendizagem no (do) humano São Paulo, 2004. printing

72 Félix GUATTARI. Caosmose: um novo paradigma estético.

73 Deleuze e Guattari utilizam esse termo tomado de empréstimo da Biologia para problematizar relações e modos de existência, funcionamento, desenvolvimento e organização de grupos e da sociedade. Rizomático é o sistema em que caules subterrâneos ou aéreos dão brotos e raízes adventícias. "O sistema em rizoma, ao contrário dos diagramas arborescentes, pode derivar infinitamente, estabelecer conexões transversais sem que se possa centrá-los ou cercá-los." Félix GUATTARI e Suely ROLNIK, Micropolítica: cartografias do desejo, p. 322.. Gilles DELEUZE e Félix GUATTARI, Mil platôs:capitalismo e esquizofrenia, v.1.

74 os analisadores são dispositivos "espontâneos" usados para trazer à luz tanto a problematização como sua possível resolução.

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76

77 os analisadores são dispositivos "espontâneos" usados para trazer à luz tanto a problematização como sua possível resolução.

 

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 23 - Octubre 2006
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