Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Subjetividade e Modernidade
Cleomar Azevedo - Marcia Siqueira de Andrade

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Resumo

Este artigo pretende trazer para uma reflexão as conseqüências da modernidade na subjetividade humana, destacando o papel da teoria das representações e da ciência moderna na construção da humanidade neste início de século. Como resultado, temos a crise que remonta as suas representações, os seus valores e por que não dizer de conceitos sobre si mesma. É uma crise sobre a identidade do homem e a potencialidade de sua realização na história, ou seja, é uma crise de interpretação, de introjeção e de relacionamento com o real. A reflexão é fundamental para que a busca de um diálogo que envolva as ciências e a filosofia traga uma revalorização do homem.

Palavras chaves:subjetividade, modernidade, reflexividade, homem.

 

Considerações Iniciais

Neste começo de século a humanidade diante da globalização vivencia uma profunda transformação,os avanços conseguidos através da cultura construída pela humanidade, ainda não conseguiram fazer com que haja um equilíbrio,ou uma igualdade na população mundial. Temos nos meios de comunicação um grande aliado que nos mostra a todo o momento os fatos ocorridos em todas as partes deste universo,sejam eles bons ou não;e através desta informação é que podemos observar e conviver com uma realidade que nos causa profunda indignação, pois grande parte da população vive sem condições básicas de sobrevivência. Diante dos avanços da tecnologia, da medicina,da era espacial e das novas propostas de encaminhamento dos estudos em busca de alternativas de mudanças,encontramos um mundo em crise.

Ao nos debruçarmos na contemporaneidade sobre temáticas complexas e desafiadoras que nos interpelam,tais como a condição do sujeito,os rumos das discussões epistemológicas e as formas de organização social,deparamo-nos,antes de um suposto rumo certo e determinado pela ciência,com um mosaico de proposições que se entrecruzam e se superpõem .

Um deserto se constitui na medida em que o papel do homem na arquitetura do universo está sendo fortemente questionado. A metafísica clássica e a religião medieval conceberam o universo como uma ordem hierárquica, na qual, entre os seres da criação, o ser humano ocupa o lugar central. Com a nova cosmologia heliocêntrica, a idéia de que o ser humano é o centro do universo perde o seu fundamento. O homem é colocado num espaço infinito e cercado por um universo por um mundo que responde com o silêncio a seu sentimento e as suas indagações mais profundas.

No mundo moderno, a percepção do universo perdeu sua densidade simbólica, a capacidade de apreender o universo como uma realidade desabrochando em múltiplos níveis simultâneos que remetem uns aos outros. O universo é visto apenas como uma extensão incomensurável de espaço, um universo mudo e destituído de sentido (Unger, 2001:22).

Refletir acerca das conseqüências da modernidade na subjetividade humana, destacando o papel da teoria das representações e da ciência moderna na construção da humanidade neste início de século é uma questão complexa,pois como resultado, temos a crise que remonta as suas representações, os seus valores e por que não dizer de conceitos sobre si mesma. É uma crise sobre a identidade do homem e a potencialidade de sua realização na história, ou seja, é uma crise de interpretação, de introjeção e de relacionamento com o real.

No entanto, apesar de toda a massa crítica que vem sendo produzida, acreditamos que este diálogo,ainda exige um nível de reflexão mais profundo. Exige um debate transdisciplinar entre as ciências e a filosofia. Talvez esteja aí sua contribuição para este momento vivenciado pelos seres humanos, pois o niilismo que se abate sobre a humanidade neste início de século,necessita de contribuições na busca de novas alternativas.

A Natureza das Idéias e das Coisas

Na época moderna, Descartes segundo alguns autores, de certa forma, respondeu às questões colocadas acima de uma forma dualista:existem duas substâncias distintas (res cogitans e res extensa), ou seja, corpo e alma (mente). A união entre elas se dá na chamada glândula pineal (DESCARTES, 1979, p. 229).

Segundo Cottinghan (1995, p. 74), para Descartes, apesar de ser evidente que a mente (alma) estivesse unida ao corpo, era necessário reconhecer que existe uma parte do corpo na qual ela exerce suas funções mais particularmente do que nas outras. Em outros termos, segundo algumas interpretações, Descartes fornece um substrato biológico à mente e conseqüentemente à consciência. Surge assim, uma concepção filosófica que divide o mundo em dois, as coisas em dois tipos: material e não material, físico e mental. Resta saber, qual a natureza dessas coisas segundo Descartes.

Segundo muitos autores, o erro de Descartes foi justamente ter concebido o mental como ‘coisa’, substância [res], ou seja, foi ter julgado que tudo o que existe, existe no ‘modo de coisa’. Essa é a idéia que comanda toda a crítica da linguagem privada levada a cabo por Wittgenstein . Entre os autores que fazem essa crítica podemos citar Merleau-Ponty (Fenomenologia da Percepção, 1945), Gilbert Ryle (The Concept of Mind, 1949) e Richard Rorty (Philosophy and the Mirror of Nature, 1979).

A psicofisiologia clássica, influenciada pelo cartesianismo, rompe com a tradição aristotélica que entende que não existe separação entre corpo e alma. Ainda no século XVII, quando a visão aristotélica de mundo perde grande parte de sua importância frente às novas descobertas da física, em especial da física de Newton, a psicologia se transformasse em uma ciência do ‘sentido externo’ (psicofísica), principalmente a partir dos trabalhos de Weber e Fechner (ADIB, 1996, p. 107-115).

Do final do século XVII ao início do século XX, com a difusão do ideal positivista (em especial o ideal de objetividade), ocorre uma cisão entre a filosofia (vista pelos psicólogos da época como introspectiva) e a psicologia, que passa a ser definida como ‘ciência do comportamento’ (CANGUILHELM, 1958, p. 365-381).

Essa nova posição cujo principal defensor foi Watson procura, além de delimitar o campo da filosofia e da psicologia, dar a esta última um status eminentemente científico, eliminando a posição introspectiva característica do pensamento de Wundt e William James, os quais admitiam os ‘estados de consciência’ como objetos efetivos da psicologia.

Conforme essa perspectiva, a teoria pavloviana do reflexo servirá como fundamento de alguns modelos de análise do comportamento que irão influenciar os estudos psicofisiológicos posteriores. Em síntese, a psicologia ‘científica’ abandona o introspeccionismo, o qual era, até então, o único método aceito para estudar os estados de consciência e postula que noções tais como representação, mente, subjetividade não fazem parte da agenda científica da psicologia, dado que não podem ser verificadas empiricamente.

Nega-se, assim, a possibilidade de um estudo dos estados subjetivos ou dos estados internos, os quais são vistos a partir de um modelo ‘coisa-palavra’, ou seja, definidos de forma ostensiva. A esse respeito, escreve Prado Jr. , mostrando o problema da concepção dos estados mentais como coisas:

É essa referência circular entre sentido e subjetividade [que existe na Psicanálise] que escapa necessariamente à psicologia clássica e à científica, que tentam situar os fenômenos psíquicos como estados de coisas ou com o estilo lógico-gramatical da terceira pessoa do singular. Objetivismo ou realismo (substancialismo, poderíamos acrescentar), tal é o pecado original da tradição da filosofia, que se desdobra nos pecados complementares da abstração e do formalismo [. . . ] (PRADO JUNIOR; MONZANI; GABBI JUNIOR, 1991, p. 22).

Mas será que a psicologia científica, abstendo-se de estudar os estados mentais, dá conta do comportamento em seu sentido amplo,temos muitas questões,pois ao negar as categorias mentais, como farão posteriormente os partidários do realismo eliminativo;qual será o critério científico para a ‘ciência psicologia’?E com relação à subjetividade podemos encontrar uma justificativa epistemológica na psicologia científica?

A filosofia e a compreensão da subjetividade

Nos séculos XIX e XX, a Filosofia orientará sua atenção para o estudo da linguagem e da epistemologia, ao passo que a Lógica se aproximará mais da matemática em termos formais, através do logicismo. Nessa perspectiva, um dos problemas centrais tanto da filosofia como da lógica será à busca de um critério geral de significação, a partir do qual poder-se-ia construir uma linguagem objetiva, livre de todos os pressupostos ideológicos e metafísicos. Este critério serviria como estatuto para as ciências.

Juntamente com esse objetivo, e considerando a difusão dos ideais positivistas de cientificidade que desde Comte já influenciaram o pensamento científico (que inclusive fundamentaram os ideais de uma Psicologia Científica), surgem muitos outros problemas, entre os quais o da subjetividade.

Como herança do pensamento aristotélico-tomista, temos como um dos critérios de significação o critério referencial, segundo o qual um termo ou uma proposição somente será verdadeiro quando fizer referência à realidade.

Nessa perspectiva, a função dos termos e das proposições seria apenas rememorativa. Estes, quando pronunciados ou escritos, trariam-nos à mente a imagem (idéia) do objeto referido. As proposições e termos deveriam ser formados, segundo esta visão, a partir da abstração das características essenciais de um objeto, o que se daria a partir da experiência sensível. Os sentidos, desta maneira, seriam os meios através dos quais as imagens se formariam. Essas imagens ou idéias seriam tão mais perfeitas quanto mais se conformassem com a realidade,seriam como figuras armazenadas na mente e que são evocadas conforme a necessidade e a vontade.

Devemos destacar que, para o realismo ingênuo, as coisas existem independentemente da posição da consciência, não distinguindo em absoluto entre a percepção, que é um conteúdo da consciência, e o objeto apercebido. O realismo ingênuo não concebe que as coisas não são dadas em si mesmas, imediatamente,na sua corporeidade, mas somente como conteúdos da percepção.

Identificando-se os conteúdos da percepção com os objetos, atribui-se a estes todas as propriedades incluídas naqueles. As coisas são, segundo esta forma de realismo, exatamente tais como as percebemos.

Aristóteles adotava uma posição um pouco diferente, pois acreditava que as propriedades percebidas pertencem também às coisas, independentemente da consciência cognoscente (HESSEN, 1980, p. 93).

Para ele, o conhecimento se daria a partir do contato com a realidade através dos sentidos e as idéias ou conceitos (representações) seriam formadas a partir deste contato. Os termos, por sua vez, representam aqui idéias e não coisas. Essa posição foi denominada de realismo natural. Se a idéia estiver conforme a realidade, também estará o termo, assim também, se o juízo estiver, também o estará a proposição. Note que entre as palavras e as coisas existe um intermediário: a representação ou a idéia.

Para Santo Agostinho (1966, p. 37-38), esta relação se daria de forma diferente. Segundo ele, uma palavra adquire significado por sua associação com o objeto. A relação aqui se dá diretamente entre palavras e coisas. Isso não quer dizer que as representações são abolidas pelo pensamento agostiniano. Na realidade, Agostinho, apesar de considerar que as ‘coisas’, os ‘fatos’ têm uma função muito mais rememorativa, também sublinha o fato de se construir ‘imagens mentais’ a partir de ‘fatos da realidade’. Em outros termos, as idéias também têm referência definida, mesmo que sejam anteriores ao dado empírico.

Mais tarde, nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein "proporá uma correção", se é assim que podemos chamar à teoria agostiniana. Conforme o "Wittgenstein das Investigações", a significação está intimamente ligada ao uso que se faz dos termos. Wittgenstein dará aos diversos usos da linguagem o nome de jogos de linguagem. Assim, um termo ou proposição isolado de um contexto ou de seu uso específico nada significa na realidade (WITTGENSTEIN, 1995, p. 21).

Voltando ao realismo, é importante lembrar que alguns pensadores aristotélicos consideravam que a função referencial não era suficiente para determinar a significação de um termo ou proposição, ao contrário dos realistas ingênuos que não acreditavam que todas as propriedades inseridas nos conteúdos da percepção pertenciam às coisas, ou seja, acreditam que todas as propriedades ou qualidades das coisas apreendidas por um só sentido, como as cores, os sons, etc existem unicamente na consciência.

Estas qualidades surgem, segundo estes críticos do realismo ingênuo, quando determinados estímulos externos atuam sobre os nossos órgãos dos sentidos, representando, assim, reações da nossa consciência.

Ora, se considerarmos como verdadeiro o fato de que as imagens ou representações são formadas a partir de um processo de abstração, o qual não ocorre sem a cooperação dos sentidos, teremos um problema teórico grave, se levarmos em conta o argumento de que os nossos sentidos são falhos no intuito de perceber (conhecer) a ‘realidade’ como um todo. Em outros termos, se considerarmos que nossa capacidade cognoscitiva só consegue, na melhor das hipóteses, perceber recortes da realidade e, na pior, distorções desta, então nossas representações seriam ou parciais ou falhas. Perde-se assim o principal: a referência, o que acarretaria a tese da impossibilidade de se construir representações objetivas da realidade.

Porém, independentemente da crítica fundamentada nos limites dos sentidos, a máxima de que tudo que temos na mente passou sentidos continuará valendo para os realistas, bem como a concepção da independência dos objetos da percepção relativamente às nossas percepções, ou seja, os objetos da percepção continuam a existir, ainda que tenhamos subtraído os nossos sentidos, à sua influência e, conseqüentemente, já não os percebamos (HESSEN, 1980, p. 100). Por sua vez, os seguidores da concepção agostiniana continuarão a defender a idéia de que os sentidos são ‘ocasião’ para o conhecimento e não fundamento último do mesmo.

Mesmo assim, o problema inicial continua e dá origem a especulações em relação à compreensão dos termos e à perfeição das idéias. Ou seja, percebe-se (já com Aristóteles) que o ‘filtro’ dos sentidos pode funcionar de forma não muito perfeita e que as imagens ou idéias formadas na mente, por este motivo, podem não ser tão perfeitas assim, de tal forma que os ‘termos’, considerados como representações de idéias também podem ser por isso mal concebidos.

Retorna-se assim ao velho problema dos limites do conhecimento, da imperfeição das imagens e, conseqüentemente, da compreensão. A questão de como definir um critério para determinar se uma idéia é verdadeira e se um juízo é verdadeiro continua, independentemente da resposta dada pelos realistas e depois mais tarde pelos empiristas, ou seja, a de que uma idéia e/ou juízo só será verdadeiro se corresponder à realidade.

Mas será que esse critério ainda dá conta de descrever a relação entre o objeto representado, a representação mental do mesmo e a linguagem utilizada para comunicar essa idéia?

Se nos utilizarmos da concepção de que a linguagem (termo) corresponde ponto a ponto à idéia e se esta for exatamente igual ao objeto representado (objeto= idéia=termo), ou seja, se "Ser, Idéia e Linguagem" forem as mesmas coisas, não temos problema. Mas o problema justamente se coloca pelo fato dessa correspondência não existir.

É importante entender aqui que a concepção de que as imagens existem na mente independentemente de serem mais ou menos perfeitas, ou independentemente da forma pela qual se constroem ou mesmo dos fundamentos biológicos envolvidos nesta construção tornar-se-á um dos modelos importantes para a Filosofia da Mente e para as Ciências Cognitivas,dado que essa visão necessariamente leva a conceber direta ou indiretamente a relação entre memória e consciência. Por exemplo, conforme uma visão ingênua e reducionista, a consciência funcionaria como um ‘programa de computador moderno’. Seu hardware seria o cérebro e as imagens estariam na memória. As imagens neste computador seriam evocadas conforme a necessidade, os fatos ou à vontade.

Conforme essa visão, tenho, em alguns casos, domínio completo sobre a minha consciência, pois posso buscar na memória, ou seja, ‘trazer à consciência’, os dados necessários. Em outros casos, já não tenho tanto domínio, pois os arquivos muitas vezes aparecem sem que eu queira (por exemplo no caso de estar desfrutando de um passeio agradável e lembrar que tenho que entregar um determinado trabalho). Em outros, ainda, a memória é ativada por um fato qualquer, o qual me faz ‘lembrar’ de coisas que até então estavam ‘ocultas’ na minha memória. Portanto, uma teoria imagética está intimamente ligada à concepção de consciência e de estados de consciência (objetivos e subjetivos). Mas,e a consciência;como ela funciona; existe uma consciência separada do corpo?

A Questão da Subjetividade e a Consciência

É inegável o fato de que formamos imagens mentais e que estas são privadas. Essa concepção sugere algumas questões intrigantes, tais como: qual a finalidade de experiências que são completamente privadas, como, por exemplo, a consciência?

Não temos a pretensão de responder a essas questões,porém, como pista para o entendimento das mesmas,apoiar-nos-emos na crítica de Ludwig Wittgenstein em relação aos estados subjetivos e à linguagem privada. Segundo Wittgenstein, a linguagem privada pode ser definida como uma linguagem que um outro não pode entender.

Conforme Smith (1995, p. 340), a linguagem privada possui dois sentidos: um epistemológico e outro ontológico. O primeiro decorrente do fato de que as palavras se referem àquilo que apenas o falante pode conhecer e uma outra pessoa poderia supor; o segundo, decorrente do fato de que ela se refere a sensações imediatas e privadas, isto é, a sensações que pertencem ao falante e não podem ser possuídas por mais ninguém. Porém, de que forma manter distância do psicologismo ao estudar conceitos como ‘representar’, ‘significar’ e ‘pensar’, desde logo salientando seu vínculo com outros conceitos psicológicos? O exemplo escolhido por Wittgenstein para iniciar sua reflexão sobre a linguagem privada e conseqüentemente sobre os estados subjetivos e, que, segundo Gianotti (1995, p. 149), serve de paradigma para a análise dos conceitos psicológicos, é o exemplo da ‘dor’, por ser esta puramente subje tiva, ou em termos do próprio Wittgenstein (1990, p. 10), ser um estado de consciência.

A diferença entre linguagem privada e linguagem comum decorre do fato de que a linguagem privada não dispõe do comportamento natural do homem para explicar o significado das palavras. Na linguagem privada, o significado da palavra tem como único referencial à sensação. Isso significa que não apresenta um referencial externo, conforme explica Smith (1995, p. 341):

Na linguagem privada, naturalmente não dispomos do comportamento ou da expressão natural da dor para explicar o significado da palavra ‘dor’, pois nesse caso ela não seria privada no sentido exigido, uma vez que o comportamento é público e acessível a outros homens. O modelo da linguagem privada me permite dispor de somente dois elementos: a sensação e o nome para esta.

Assim, a ligação entre a sensação de dor e a definição de dor dar-se-ia aos moldes da descrição agostiniana. Por exemplo, na linguagem comum, aprendemos o significado da palavra ‘dor’, associando-a a um comportamento natural de dor, assim como, na descrição de Agostinho, aprendemos as palavras a partir da demonstração dos objetos.

Disso decorre um problema: ao aplicar esse modelo (associação entre palavras e coisas) para o caso das sensações, transformamos as sensações em coisas, de forma a assimilar a lógica da nossa linguagem para objetos físicos à lógica de nossa linguagem para sensações. Ocorre assim, segundo Smith (1995, p. 342), uma coisificação das sensações.

Ora, já tivemos a oportunidade de observar que Descartes concebe que o mental tem propriedades diferentes do físico (dualismo de propriedades) e que, portanto, o mental não é uma res no sentido estrito do termo, ou seja, no sentido de algo possuidor de uma extensão. Assim, a sensação não é um objeto físico que possa ser estudado segundo o modelo da ciência clássica. Ao estudo dos estados mentais, portanto, não caberá uma análise atômica.

Estando a linguagem privada fundamentada no pressuposto de que ‘só o indivíduo que tem a sensação [no caso da ‘dor’] pode formular uma representação desta, temos o caso claro da aplicação do modelo de associação entre palavras e coisas, o qual supõe, de certa forma, que idéias [representações mentais] e objetos são da mesma natureza, transgredindo se, assim, a diferenciação de propriedades.

Nesse sentido, Smith (1995, p. 342) admite que "a linguagem privada [. . . ] é uma sofisticação do modelo ‘nome objeto’ quando aplicado ao caso das sensações".

Partindo da idéia de sensação coisa, Wittgenstein argumentará que esta se tornará desnecessária para o significado da palavra. Se eu não sei o que o outro tem quando fala ‘eu tenho dores’, se eu sequer sei que ele tem alguma coisa, então o que seja essa coisa ou a sua mesma existência é irrelevante para o significado da palavra. Se eu digo a mim próprio que só sei o que a palavra ‘dor’ significa pela percepção do meu próprio caso, então não tenho também que o dizer a respeito das outras pessoas. E como é que eu posso, então, generalizar um caso tão irresponsavelmente?

Interpretar a sensação como uma coisa privada para explicar o significado das palavras para a sensação conduz à própria superação dessa interpretação. Observe que Wittgenstein não se dirige contra a existência das sensações, mas à nossa maneira de compreendê-las como coisas mentais. Não se trata de negar as sensações, mas de questionar uma determinada interpretação filosófica do que é sentir, lembrar etc.

Em suma, poderíamos afirmar que todo o problema está em pensar as sensações a partir do modelo ‘nome objeto’, ou seja, o modelo que nos permite interpretar uma sensação como sendo alguma coisa e, em não sendo alguma coisa, necessariamente teríamos que negar a sua existência.

Porém, ao transformarmos a sensação em coisa, torna-se permitido conhecê-la como se conhece uma coisa. Essa suposição de uma ‘percepção interna’ análoga à percepção externa torna-se possível graças à transformação da sensação em uma coisa análoga às coisas exteriores. Se o modo de conhecer as coisas interiores é o mesmo modo de conhecer as exteriores, então, teoricamente, o modo de conhecer as sensações (estados mentais, representações. . . ) poderia ser o mesmo modo das ciências naturais, ou seja, o método seria o mesmo e descartaríamos a introspecção.

Para Wittgenstein descrever sensações e coisas (objetos) são atividades diferentes: Sem dúvida que eu não identifico a minha sensação por meio de critérios, mas antes faço uso da mesma expressão. Mas com isso não acaba o jogo de linguagem: com isso começa o jogo de linguagem. Mas não começa com a sensação que eu descrevo?

A palavra ‘descrever’ pode iludir-nos. Eu digo "Eu desc revo o meu estado de consciência’ e ‘Eu descrevo o meu quarto’. Não podemos esquecer a diversidade dos jogos de linguagem (WITTGENTEIN, 1995, p. 356)".

Para Wittgenstein (1995,p. 361- 362),a sensação(os estados de consciência) não pode ser concebida como ‘coisa’, mas também não como um nada. Wittgenstein convida-nos a pensar as sensações com outras categorias que não a dos objetos ou das coisas. Segundo Gianotti:

Não se dá nome a uma sensação do mesmo modo como se nomeia uma coisa, e o seu conceito não poderá ser nota característica dessa coisa. Além do mais, se, se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de ‘objeto e designação’, o objeto se mostra irrelevante. Não se constituindo como objeto de minha ‘percepção interna’, desaparece a possibilidade de se eleger um critério meramente subjetivo para que diga com firmeza que somente eu mesmo tenho minha dor. Está inscrita na gramática do ‘critério’ uma relação intersubjetiva, que nasce do fato do padrão ser regra, impossível, pois, de ser aplicado privadamente. A presença imediata da dor se mostra desprovida de um princípio de individuação. Com isso não se nega a existência dessa dor, mas simplesmente se diz que não é algo, pelo contrário, que somente encontra seu critério de denominação na sua expressão coletivamente compartilhada (GIANOTTI, 1995, p. 149-150).

Em síntese, dado que a linguagem privada só dispõe da palavra para a sensação, pode a mera associação com a sensação outorgar significado ao termo; sem recorrer a corpos físicos, pode o signo adquirir significado a partir de sua associação com a sensação? (SMITH, 1995, p. 359).

Acredita-se que seja possível que o signo adquira significado a partir de sua associação com a sensação ou, em outros termos, como sugere o questionamento, que a mera associação com a sensação pode dar significado ao termo.

Nessa hipótese, poderíamos dizer que entender o significado de uma palavra é ser capaz de dar uma explicação que sirva de definição, de forma tal que, na medida em que uma definição nos dá o significado de uma palavra e na medida em que eu disponho de uma espécie de definição, eu possa atribuir significado a um signo. Assim, considerando que uma proposição tem seu significado, segundo o Tractatus, determinado pela bipolaridade, e considerando ainda que, conforme a hipótese da associação, as palavras e as coisas têm a mesma natureza, então, certamente uma proposição do tipo ‘tenho dor’ será verdadeira ou falsa. Porém, surge com isso um problema: que critério de referência ou que critério objetivo me permite na realidade atribuir valor à proposição?

Mas continuemos adotando a posição do ‘teórico da linguagem privada’, que admite a ligação direta entre sensação e signo. A forma pela qual a sensação de dor é apreendida apresenta-se como uma espécie de definição ostensiva que daria ao signo a sua definição, vale dizer, o seu significado, de maneira que poderíamos distinguir entre o que é dor e o que não é.

Teoricamente, observa Smith (1995, p. 360), poderíamos aproximar a linguagem objetiva de Descartes com a teoria da linguagem privada exposta acima, dado que, para Descartes, as idéias também têm uma realidade objetiva. Ora, é precisamente esse ponto que o argumento de Wittgenstein contra a linguagem privada combate. Para ele, dispondo apenas da sensação, não sou capaz de definir meu signo, isto é, não sou capaz de atribuir significado ao som que associo à sensação, uma vez que tudo aquilo que me parece correto será tido como correto, o que de certa forma representa um subjetivismo extremo.

Partindo dessa idéia, poderíamos dizer que correto é tudo o que parece ser correto para o indivíduo. Ora, se só pode ser correto para o indivíduo, então não existe critério de objetividade no sentido estrito. Ou seja, segundo Wittgenstein (1995, p. 343), "[. . . ] correto é tudo o que me pareça correto. E isto significa apenas que não se pode falar aqui de correto". Assim, na esfera puramente subjetiva, não encontro critérios objetivos que me permitam identificar o uso correto e separá-lo do uso incorreto de uma palavra. Segundo Smith:

[. . . ] a mera sensação isolada de qualquer referencial externo, não é capaz de cumprir esse papel que cabe a um objeto físico. No caso de ‘dor’, será seu comportamento expressivo natural que lhe permitirá aprender o significado de ‘dor’ e o que nos permitirá saber se usa corretamente ou não a palavra (1995, p. 363),.

Considerando dessa forma, pode-se afirmar que é necessário recorrer a algo público e observável, seja o próprio corpo, sejam objetos físicos, para que possamos ter critérios que nos permitam distinguir entre sensações;isso não significa que Wittgenstein defendeu a tese de que toda linguagem é necessariamente pública.

Seria, nesse caso, preferível dizer algo como: aquilo que chamamos de linguagem só tem sentido em um contexto público, e uma tentativa de, por exemplo, reduzir ou explicar os estados mentais a partir de estados cerebrais, como se o medo fosse um impulso elétrico do cérebro, incidiria nos mesmos erros que a teoria da linguagem privada (SMITH, 1995, p. 363). Mas observa Gianotti que:

A significação sempre possui uma aura de indeterminação que, se permite seu manejo dum determinado espaço lógico, requer certos comportamentos discriminatórios que apelam para fatos, objetos, e assim por diante, que circundam o ato concreto de significar (1995, p. 155).

Assim, para Wittgenstein, as representações de estados subjetivos também estão limitados pelo espaço lógico Essa representação dos estados subjetivos não pode ser concebida aos moldes das representações das coisas materiais, caso contrário, cairíamos no mesmo erro de conceber os estados mentais como coisas. Aliás, mesmo a representação das coisas é problemática, se adotarmos o modelo de definição ostensiva.

Vejamos, a título de exemplo, dois estudos: o primeiro de Luria e o segundo de Froom. Luria (1986,p. 35-39) defende que os termos (signos), além de exercerem uma função referencial rememorativa, também exercem uma função associativa. Segundo ele, ao pronunciarmos uma determinada palavra, esta trará à mente uma série de idéias (imagens), as quais foram direta e particularmente evocadas. Essa associação será feita conforme a experiência pessoal de cada indivíduo, o que significa que o critério de significação ultrapassa a simples objetividade da palavra em si.

Fromm (1983,p. 20-21),por sua vez, apresenta-nos uma dimensão interessante dos símbolos. Segundo ele, os símbolos seriam "expressões sensoriais da visão, audição, olfato, e tato, como representando outra coisa, que é uma experiência interior, um sentimento ou pensamento". Esses símbolos assim definidos são, de acordo com ele, classificados em três tipos básicos a saber: convencionais, acidentais e universais .

De interesse maior para nós são os chamados símbolos acidentais. Estes, segundo Fromm (1983, p. 21), são formados a partir da experiência de cada pessoa. Por exemplo, a palavra automóvel pode significar convencionalmente um meio de transporte motorizado, mas, para aqueles que sofreram um grave acidente com este tipo de veículo, no qual perderam familiares ou amigos queridos, pode significar morte ou um outro sentimento qualquer relacionado à perda ou angústia. Dessa forma, a experiência cotidiana de cada pessoa pode acrescentar elementos subjetivos a um termo ou a uma proposição.

Partindo dos pressupostos apresentados, acreditamos ser impossível a elaboração de uma teoria geral e objetiva do significado, que seja única para todas as instâncias. Ou seja, não se pode construir um único critério para estados de consciência ‘internos’ e ‘externos’. Isso não significa a defesa da possibilidade de uma "linguagem privada", porém, é evidente a impossibilidade de elaboração de um estatuto comum de significação, mesmo considerando a idéia de espaço lógico. Temos ainda as questões que envolvem o sujeito no seu tempo e espaço.

A Modernidade e a Reflexividade

De acordo com suas análises (Giddens, 1991;1993) o dinamismo da modernidade deriva da possibilidade de separação do tempo e do espaço, do desencaixe dos sistemas sociais, e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas entradas de conhecimento afetando as ações dos indivíduos e dos grupos sociais.

Um contraste com a tradição é inerente à idéia de modernidade. Nas culturas tradicionais a tradição é um modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-espacial da comunidade. Ela é uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou experiência particular dentro continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados por práticas sociais recorrentes. A reflexividade(a apropriação reflexiva do conhecimento) pode ser destacada da tradição designada com o advento da escrita (Giddens, 1991).

"Com o advento da modernidade, a reflexividade assume um caráter diferente. Ela é introduzida na própria base da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente refratados entre si" (Giddens, 1991, 45).

Mesmo assim, a tradição ainda desempenha um papel no mundo contemporâneo, mas apenas enquanto tradição justificada e, portanto, falsificada, legitimada apenas pela reflexividade do moderno. Segundo Giddens (1991), a segunda fonte do dinamismo da modernidade diz respeito aos desencaixes do sistema social. Ao falar de desencaixes o autor se refere ao "deslocamento" das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço. Os dois sistemas de desencaixe envolvidos no desenvolvimento das instituições sociais modernas são as fichas simbólicas e os sistemas peritos.

As fichas simbólicas são os meios de intercâmbio que podem ser circulados sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com elas em qualquer conjuntura particular. A principal é o dinheiro. Em sua forma desenvolvida, o dinheiro é definido em termos de crédito e débito, proporcionando meios de conectá-los em circunstâncias em que a troca imediata de produtos é impossível.

Em outras palavras, o dinheiro é um meio de distanciamento tempo-espaço, já que po ssibilita a realização de transações entre agentes amplamente separados no tempo e no espaço. Devido a este traço, uma das formas mais características de desencaixe na era moderna é a expansão dos mercados capitalistas (Giddens, 1991, p. 32-34).

Os sistemas peritos são de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje. Eles são mecanismos de desencaixe porque removem as relações sociais das imediações do contexto, pressupondo e, ao mesmo tempo, promovendo a separação entre espaço e tempo como condição do distanciamento tempo-espaço que eles realizam (Giddens, 1991, p. 35-36). A separação tempo-espaço é outro ponto crucial para entendermos o extremo dinamismo da modernidade porque: "Tempo e espaço são recombinados para formar uma estrutura histórico-mundial genuína de ação e experiência" (Giddens, 1991, p. 29).

A vida social na Modernidade

Uma outra conseqüência da modernidade é alterar de maneira radical a natureza da vida social cotidiana afetando os aspectos mais pessoais de nossa experiência. "Assim, as transformações da identidade do eu e a mundialização são os pólos da dialética do local e do universal nas condições de alta modernidade" (Giddens, 1993).

Em outras palavras, as mudanças nos aspectos mais íntimos da vida pessoal estão diretamente ligadas ao estabelecimento de vínculos sociais de alcance mais amplo.

De acordo com Beck (1992: p. 87-90) somos atualmente testemunhas oculares de um processo transformador impingido pela modernidade, que pode ser observado através das relações pessoais cotidianas, durante o qual as pessoas estão se tornando livres das formas sociais características da sociedade industrial – classe, estratificação, família, status de gênero, etc.

A dissolução de parâmetros tradicionais da sociedade industrial produz uma onda social de individualização, segundo o autor, isso significa que as pessoas estão sendo removidas dos compromissos de classe e por isso estão começando a referenciar a si mesmos ao planejarem suas biografias individuais no mercado de trabalho. Ocorre uma dependência destes indivíduos com relação a este mercado de trabalho (e, conseqüentemente, da educação, do consumo, das leis sociais, de modismos, etc), na medida em que há uma tendência à institucionalização e padronização dos modos de vida.

Uma das conseqüências destas transformações é que a ciência e a tecnologia acabaram impondo um tipo de relacionamento entre o homem e a natureza, sendo marcado pela forte dicotomia entre as ciências naturais e as humanas, acirrando um distanciamento entre a sociedade e a natureza.

Mas segundo Jameson (in Lash,1996), nas últimas décadas o capitalismo estaria se transfigurando ao incorporar a dimensão da cultura ao processo de produção, tornando-se esta, o seu próprio motor de acumulação, a qual o autor chamou de virada cultural. Uma das conseqüências deste processo seria a incorporação da cultura pelo capital, como conseqüências devastadoras sobre a política, as lutas de resistências, os anseios de emancipação e a própria ciência.

Segundo Jameson,(1996) este processo iniciou-se com a centralização da dimensão estética e, em particular de uma renovada atenção ao visual e à percepção.

"A estetização da teoria social teve expressão não só no reconhecimento dos aspectos estéticos, literários e narrativos dos processos de teorização, mas também da necessidade de novos mapas cognitivos adequados ao mundo emergente das dinâmicas de globalização e da transição pós-moderna e da sociedade da cultura ou sociedade semiótica que, segundo alguns autores, teria sucedido (ou estaria em vias de suceder) à sociedade material" (Nunes, 2002, p. 310).

Nesse sentido, a virada cultural, em sua segunda fase, aponta para uma subjetividade que rejeita a distinção entre a aparência e a realidade característica da ciência moderna, recusando, ao mesmo tempo, as hierarquias fundadas nessa distinção e tratando com seriedade as formas, consideradas como expressão por excelência do exercício da liberdade (Santos, 1994).

Seguindo por este caminho, percebemos que este processo de socialização –ao qual chamamos "individuação" –é historicamente contraditório, já que comporta como resultados tanto uma nova coletividade quanto uma padronização dos modos de vida "individuais". No entanto, é precisamente a erupção e o crescimento da consciência destas contradições que podem levar a novas comunidades sócio-culturais, com a formação de movimentos sociais.

O Homem é o único ser natural do universo, face aos demais seres naturais conhecidos, em que se faz ouvir a voz da lei moral (Kant, 1982). Esta idéia central da ética universalista de Kant, de que a lei moral não é outorgada ao homem por uma instância externa, mas que ela constitui a sua essência mais íntima, na medida em que a vontade racional é a sua autora, revoluciona todos os particularismos nacionais, culturais, religiosos e de classe, e funda a igualdade de direitos entre os homens.

A autonomia da razão encarna o único produto da subjetividade moderna que pode ser invocado como fundamento de legitimidade das prodigiosas e ameaçadoras transformações da relação do homem com a natureza, que distinguem os tempos modernos das épocas anteriores, e que conduzem à crise ecológica, mas, talvez, também, a única base de articulação de um esforço coletivo da humanidade para superar esta crise, na medida em que o vínculo entre a realização histórica da autonomia de todos e a reconciliação com a natureza se tornar motivação política atuante.

A modernidade e a subjetividade

A primeira conseqüência da modernidade na subjetividade humana é o mecanicismo como modelo exclusivo de racionalidade e à subordinação irrestrita, em todos os domínios, da qualidade à quantidade. A dessubjetivação e a desteleoligização do objeto da ciência natural moderna está ligada segundo Heidegger à técnica moderna, que, historicamente, se desenvolve de maneira conseqüente só na segunda metade do século XVIII com a invenção da máquina a vapor, é o motivo secreto da preparação e da transformação cartesiana da natureza enquanto base filosófica da física moderna.

A trajetória dessa subjetividade dominadora, que responde à essência técnica da ciência moderna e ao seu construtivismo, pode inverter-se em uma humilhação e, às vezes, numa degradação do homem, que não é apenas a expressão de seu destronamento cosmológico e ontológico face à imensidão do universo, ou face à entropia do seu habitat natural.

Segundo Adorno & Horkheimer (1985) o homem, como ser vivo, é também natureza, de modo que a dominação técnica sobre a natureza externa exige, igualmente, a subjugação sacrificial da sua própria natureza interna e a subjugação violenta do outro homem. Isso porque, à força de se adaptar a essa natureza recriada como um mundo técnico de artefatos, a fim de assegurar a sua auto-conservação num tempo de reprodução social cada vez mais competitivo, o homem reconhece que a sua subjetividade, retraída a esse ponto focal da dominação cega da natureza e de auto-superação vazia, é tão pouco viva quanto esse mundo incomensurável de objetos que ela mimetizou para dominá-lo.

Há uma dialética de dominação e subjugação que opera na técnica moderna; por um lado ela mostra a superioridade do espírito sobre a natureza, pois o trabalho necessário para a construção do instrumento exige a protelação, o adiamento da satisfação imediata, bem como a separação do objeto do seu meio natural, para lhe atribuir outros fins; mas a técnica libera o homem da natureza, acelerando e intensificando a satisfação das necessidades, ela gera outras, multiplicando os meios de satisfazê-las e, com isso, cria meta-necessidades, isto é, necessidades a serem satisfeitas exclusivamente por uma mediação técnica cada vez mais complexa.

Quando esta dinâmica indefinida da técnica, que corresponde ao infinitismo da ciência moderna é seqüestrada pela expansão incondicional das forças produtivas, desencadeada pela auto-valorização indefinida do capital, fecha-se historicamente o ciclo da transposição, objetivação e amplificação dos órgãos sensoriais e das capacidades humanas em aparelhos: primeiro os processos motores, depois os sensoriais e, por fim, os de pensamento.

Novas buscas no contexto da Modernidade

Hölderlin, poeta e leitor atento de Kant, em sua obra Édipo disse que "no limite extremo de uma paixão, nada mais resta senão as condições de espaço e tempo". Ou seja, no mundo moderno, Espaço e tempo participam do trágico, do belo e do sublime, pois há uma finitude do Homem!

No limite, o sublime do mundo moderno é o nosso trágico, materializado na crise ambiental. A história da relação do homem com a natureza, mostrou que o vetor do seu desenvolvimento era o desprendimento cada vez mais acentuado do sujeito face à natureza envolvente: quanto mais profunda a subjetividade, tanto mais forte a sua oposição à natureza circundante.

É precisamente na crise ambiental, então, que esta tendência interna ao desenvolvimento da natureza se exprime, paradoxalmente, da forma mais aguda e potencialmente auto-destrutiva, pois, enquanto a finitude dos animais garante que eles não destruam a retroalimentação negativa que determina os ecossistemas em que vivem, o crescimento exponencial do poder técnico do homem provoca a destruição desses mecanismos de equilíbrio, a menos que eles sejam preservados por uma sabedoria reflexiva, que se compreenda também como guardiã da natureza.

Um dos veículos de superação desta dualidade da res extensa e da res cogita, é a transdisciplinaridade, que precisa recuperar uma dimensão holística do mundo e do ser. É necessário reinventar uma nova cosmologia, cujo universo, a exemplo de Leibniz, não tenha um centro, mas seja uma rede cuja dinâmica espaço-temporal esteja garantida por um desenvolvimento teleológico e ontológico. Para isto, é necessário acabar com o dualismo ontológico entre ser e dever ser, fatos e normas e repensar a participação da natureza nas estruturas ideais da sociedade, permitindo com isto uma revalorização do homem,suas buscas e a conquista do respeito à sua subjetividade. . . . .

 

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
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