Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Formação profissional: da economia capitalista à libidinal?
Gilvânia de Fátima Araújo

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I- Introdução

O interesse de nossa discussão encontra-se firmado no Tema: Formação Profissional: Da Economia Capitalista à Libidinal? Para tanto, tomamos como objeto: o valor do tratamento em Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica numa Instituição de Ensino Privado. Trata-se de argumentação sobre a importância da inclusão e do manejo do dinheiro enquanto instrumento de intervenção da díade cliente-estagiário em uma Clínica Escola e, sobretudo na formação profissional do Psicólogo.

Nossa proposição encontra-se assentada nas teorias da "economia" em seu aspecto material em Karl Marx (1867) e psíquico em Freud (1895). Para Marx, Economia Política refere-se à forma singular que cada pessoa se utiliza para ir em busca de bens que são necessários à sua própria vida. Em uma sociedade capitalista os bens tomam o significado de mercadorias e para adquiri-la usa-se o meio de trocas. A mercadoria é um objeto externo, ela trás consigo o distintivo da satisfação das necessidades humana, que por sua vez pode advir do corpo ou da fantasia.

Se pensarmos na teoria freudiana no ponto de vista econômico o que é considerado é o quantum de energia pulsional circulante no aparelho psíquico. Uma vez que esta está à disposição de um acréscimo ou decréscimo nota-se, portanto, o destino e as quantidades de excitação em seus devidos investimentos.

A mercadoria segundo a teoria marxista pode estar em correlação seja com o desejo, com a necessidade, consumo ou como forma dissimulada como meio de produção. Seu valor advém de sua utilidade. Esta é considerada sob dois aspectos importantes, a saber, seus atributos e quantidade.

O valor-de-troca e o valor-de-uso de mercadorias diferentes são equivalentes na medida em que possuem a mesma quantidade, este opera mudanças no tempo e no espaço. Portanto, o valor de uma mercadoria está atrelado ao que ela pode dar em troca, então a valia parece existir excepcionalmente com base em nossas necessidades.

Já que o mercado capitalista opera no registro da necessidade de seus bens de consumo, desta forma não há espaço para o pensamento livre. Há sim lugar para o consumo e não para a criação. É nesse contexto que a instituição de ensino está inserida. O discurso da mesma é de preparar o estagiário para o mercado de trabalho. Ora, se não há falta, não há desejo, se não há desejo, o estagiário é ideal, e não real, logo o mercado não existe.

Marx utiliza o seguinte conceito: A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso. A utilidade de uma mercadoria emana de sua virtude particular, dessa forma, tais virtudes são inerentes à própria mercadoria. Assim ao valor-de-uso considera-se o caráter quantitativo, logo, isso implica em quantidades definidas. Portanto, o carvão, o grão ou um diamante são valores-de-uso, à vista disso, um bem.

O valor-de-uso só se realiza com a utilização ou o consumo. Os valores-de-uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dela. Na forma de sociedade que vamos estudar, os valores-de-uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais de troca (Marx 1999, p. 58).

À substância do valor de troca apontado por Marx, encontramos equivalência na teoria freudiana referente ao valor de troca no ponto de vista econômico no psiquismo, sobretudo, a indeterminação do curso e da parcela de energia via investimento ligado às formações intrapsíquicas como é o caso dos traumas, libido do ego e os sintomas.

A realidade desses conceitos freudianos encontram-se presentificados no mercado do capital através do marketing, grande administrador da economia pulsional que se expressa pela urgência econômica representada pelos coronelismos "vide multinacionais" ditadores de desejos e sonhos inatingíveis onde se assentam o "sentido da vida". Essa ilusão propagada pelo mercado de consumo aloja o berço de várias patologias.

No andamento dessa justaposição freudo-marxista, observamos que há um entrelaçamento entre instituição-capital-estagiário-cliente e uma impossibilidade de ultrapassamento do registro da necessidade. O valor-de-uso está posto, há um retorno do recalcado, o indivíduo em busca de completude regressa na procura de mais uma mercadoria oferecida pela instituição.

Marx (1999, p.93) quando pensou a sociedade capitalista com seu sistema de trocas, combinou idéias a respeito do fetichismo da mercadoria, esta entendida a partir do caráter misterioso do produto do trabalho, ou seja, a mercadoria.

Perscrutando sobre o caráter misterioso da mercadoria, Marx constatou que este não provém do seu valor-de-uso, muito menos dos fatores causadores do valor, mas da própria forma que o produto do trabalho manifesta-se como mercadoria.

Ora, a mercadoria não tem vida própria, esta só existe enquanto produto do trabalho, então o caráter misterioso desta encontra-se no encobrimento das relações sociais entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total. Ao dissimular as características sociais do trabalho dos homens, a mercadoria e sua materialidade traduzem-se como único condutor da relação social no trabalho.

Para dar conta desse caráter social estabelecido entre o produto do trabalho e a mercadoria, o homem lança mão de uma relação de quimera com o mundo das mercadorias, essas conduzidas pela crença humana, quase ganham vida própria, ou seja, o mundo das mercadorias apresenta-se como alguma coisa que não está sujeito à força do trabalho, conseqüentemente a vida do trabalhador.

A isso Marx (1999, p.94) chama de: "Fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias."

O enunciado nos conduz ao terreno da mais-valia, teoria marxista (1999) "da cultura do excedente". A mais-valia refere-se ao excedente monetário atribuído à mercadoria que não pára (tempo é dinheiro), este, está para além das horas trabalhadas. Funciona como metonímia do trabalhador que não é pago. Sua existência no tempo é o próprio excedente, é o que escapa à equação valor = tempo de trabalho.

À presentificação do que acabamos de nos referir encontra-se no trinômio estagiário-sintoma-cliente. O sintoma se torna um produto, uma mercadoria dessa relação estagiário-cliente a ser consumido, utilizado para encobrir a falta-a-ser. A instituição está fora do registro da castração. Sendo assim, "falta" um representante da Lei aquele que põe em marcha a dupla proibição feita pelo pai: ao filho não possuirá sua mãe, à mãe: não incorporará o seu rebento.

Não é difícil perceber na teoria psicanalítica em Freud uma relação com a teoria marxista da cultura do excedente no mercado capitalista a conexão capital, libido, mais-valia e excedente libidinal. Essa relação nos diz que os significantes da demanda a qual a pulsão representa são recalcados e cifrados no inconsciente.

Logo, podemos afirmar que: para que haja em psicoterapia um deciframento, algo de antemão encontra cifrado, dessa forma o sintoma é algo inalisável, por ser da natureza da linguagem e formação do inconsciente.O deciframento passará por obstáculos e oposições, pois a libido se satisfaz no sintoma, logo o sujeito terá que abrir mão do mesmo. Desta forma interrogamos: qual o valor a pagar pelo deciframento e abandono do sintoma em psicoterapia breve?

No encaminhamento dessas idéias propomos um enunciado de Slavoj Zizek (1988:137) in Slemenson (2001: 56) no qual aponta para uma impossibilidade de Marx ir além da materialidade do dinheiro:

"Com isso tocamos no problema não resolvido por Marx, o da materialidade do dinheiro: não da materialidade "empírica", sensível, mas o da materialidade sublime desse outro corpo "indestrutível e não criado" que persiste para além da deterioração do corpo físico o corpo do dinheiro... essa corporeidade imaterial do "corpo sem corpo", não submetido "a usura, mas que pressupõe a garantia de uma autoridade Simbólica."

É aqui que se encontra o dinheiro no tratamento na ordem simbólica. O que implica a união entre o que é da ordem do ciframento e o que é da ordem do quantum de energia que o sujeito dispende com o sintoma, este possui um valor incomensurável.

Assim, o dinheiro pode permitir amoedar esse capital do sujeito que é a libido. Se o que é da ordem do ciframento pode equivaler, no nível do inconsciente, à própria cifra (montante das operações comerciais), podemos fazer um paralelo e dizer que, na análise, a cifra, assim como o cifrão, vemos representar o montante das operações libidinais. (Quinet, 1990, p.89).

De acordo com as questões de valor no inconsciente mencionadas, alguns questionamentos se apresentam dessa forma: Então, quanto pagar pelas vivências psíquicas que confrontariam o sujeito à instalação de seu sintoma? O sujeito investiria onde sua "grandeza quantitativa" denominada por Freud de libido? Em que objetos fruto de desejo investiria o sujeito pós-moderno o capital de sua libido?

Na sociedade capitalista pós-moderna o capital da libido encontra-se patrocinado pela propaganda, agente potencializador do narcisismo em seus estados de fusão e onipotência e por que não dizer "onisciência".

A globalização com suas imagens rápidas colocam o sujeito como em um caleidoscópio com "n" possibilidades de completude através do consumo. Não há espaço para a vivência psíquica de castração, sendo esta, único meio para integração psíquica e contato com a realidade interna e externa do sujeito. Esta vivência possibilitará o convívio do sujeito com a alteridade. Se assim não for, é no conflito eu-alteridade que aparece o sintoma. O sujeito paga com um quantum de capital de sua libido para sustentá-lo (o sintoma) elaborando-o ou não.

É inconteste a falência da função paterna numa sociedade onde tudo pode, em que o limite é o impossível. A instituição como reprodutora dessa forma de viver, de alguma forma faz o estagiário acreditar em sua incapacidade de penetrar no mercado de trabalho, pois, não está apto, precisa consumir mais e mais.

Em se tratando de registro de necessidade do ser humano, o dinheiro passa a ser secundário em relação à linguagem na cultura. A saber, este só existe em função da cultura, pois o mesmo funciona como meio de troca de objetos e bens marcados pela simbolização.

A moeda não se restringe apenas à noção de objetos imaginários marcados pela falta, como o é aquilo que permite o ciframento do excedente da libido. O dinheiro é da ordem da pulsão, assume duas vertentes: uma metafórica e outra metonímica. A primeira substitui a falta comprometida no desejo, a segunda o desejo faz parte do dinheiro onde o que se mostra é sempre o desejo como desejo de outra coisa.

A sociedade de consumo e tudo que se pode-ter através do mesmo, funciona como meio tamponador da falta, dessa forma sobrevém o sofrimento, ao amoedar a psicoterapia, esta pode ter o mesmo valor da doença, ou seja, um pode ter o mesmo cifrão do outro. Resta avaliar em psicoterapia o benefício do sintoma para o sujeito, o quanto ele pode pagar para abandoná-lo já que o capital de sua libido está investido no mesmo.

a) Problema de pesquisa
Numa sociedade capitalista em que o mercado assume diferentes formas sintomáticas e o consumidor se torna um devorador de ilusões dominado por imagens rápidas e por verdadeiras oferendas de felicidade nas quais só podem ser reconhecidas na esfera da necessidade, qual a importância da inclusão e do manejo do dinheiro no tratamento psicoterápico em uma Instituição de Ensino Privado?

b)- Objetivo Geral
Refletir sobre a necessidade da inclusão e do manejo do dinheiro em um tratamento psicoterápico em uma Instituição de Ensino, já que esta se trata da aprendizagem de uma prática profissional no registro de uma cultura capitalista.

c) Objetivos Específicos
Analisar o discurso da Instituição quanto à sua proposta de preparar o estagiário para o mercado de trabalho no contexto sócio-econômico contemporâneo.
Avaliar em Psicoterapia Breve o benefício do sintoma para o indivíduo, o quanto ele pode "pagar" para abandona-lo, já que, o capital de sua libido está investido no mesmo levando em consideração os perigos de fazer do sofrimento uma cifra corrente, já que esta é a única moeda que ele pode por em circulação em um tratamento em que o dinheiro está fora do discurso.

d) Justificativa
É de capital importância um estudo investigativo em Psicoterapia Breve no âmbito de uma Instituição de Ensino Privado sobre a inclusão e o manejo do dinheiro na clínica do estagiário. Sobretudo, buscarmos entendimento sobre o valor representativo de uma quantia qualquer equivalente à unidade monetária numa sociedade capitalista e o que disso resulta em operações libidinais no inconsciente.
Desta forma, uma reflexão teórico-clínico sobre o tema proposto concorre para nossa argumentação, visto que é no embate dessa operação dinheiro-libido que resulta um valor singular, no qual cada indivíduo paga na obtenção ou na renúncia do quantum de energia que dispende com o sintoma.
Assim, se faz urgente para a "Ciência Psicológica" uma reflexão sobre o exposto acima, pois o estagiário quando se forma e se lança no mercado de trabalho, muitas vezes cai na armadilha de uma "ordem missionária ou assistencialista" em igrejas, nas várias instituições para pessoas carentes ou mesmo em ONGs.
Em um tratamento psicoterápico o dinheiro está vinculado a questões importantes para o trabalho psíquico. Em 1913 Freud escreveu um texto relatando sua experiência analítica e fez algumas proposições a respeito do início do tratamento. Dentre as técnicas em questão apresentadas nesse texto encontra-se a recomendação sobre a inclusão e o manejo do dinheiro.
Baseando em sua própria experiência Freud diz sem titubear que quando um indivíduo pobre gera uma neurose, só com dificuldade consegue ser libertado dela. Pois, a pobreza lhe é útil na luta pela sua existência visto que lhe assegura um lucro secundário, assim ele pode reclamar por direito de sua própria neurose a comiseração do mundo por ter-lhe negado os bens materiais, pode desobrigar-se da luta contra sua pobreza por meio do trabalho.
Para incluirmos o discurso ideológico da Instituição de Ensino se faz necessário que a mesma discuta qual o seu papel frente ao pacto social, pois em que medida a lógica capitalista que a própria Instituição de Ensino sustenta produziria um discurso de reconhecimento da pobreza social que não se encontra apenas além de seus muros? É possível que a Instituição não admita que o curso de Psicologia está inserido no registro de uma sociedade capitalista? Ou ainda: é possível que a Instituição sustente a ideologia de ser a única prestadora de serviços, portanto somente ela deve receber? Escutar o "isso" da população carente não possui um valor?
Sabemos bem que para responder ao pacto social há de haver uma interdição. Resta saber em que medida o estagiário pode interditar o indivíduo que recorre a uma psicoterapia gratuita, indagar sua condição de sujeito faltante, posto que a própria Instituição e o estagiário ficam excluídos do discurso da falta.

e) Hipótese
A influência do capitalismo se torna um impeditivo a assunção do sujeito frente a sua condição desejante, uma vez que imerso no consumo de imagens e objetos o que lhe resta é a acumulação narcísica que o torna prisioneiro do registro da necessidade.
A instituição deixa de exercer a função paterna. Ignora a castração, logo não pode interditar a díade estagiário-cliente. Faz conluio com o mercado capitalista e mantém a díade refém da necessidade de seus produtos.

II - Metodologia de Pesquisa

a) Método - Estudo de caso.

b) Sujeitos - Estagiário-cliente

c) Instrumentos - Escuta, observação e relato de sessões clínicas.

 

III- Discussão dos Resultados

Colocando como horizonte uma discussão possível, partimos do princípio que o trabalho que o estagiário realizará com o seu cliente é o trabalho psíquico, portanto precisa fazer valer a técnica. A técnica como instrumento instituído na linha psicanalítica faz sérias recomendações quanto à inclusão e o manejo do dinheiro no tratamento.

A valência do que foi posto acima passa a ser relatado no caso clínico que vamos apresentar. V. se apresenta como portadora de Transtorno Obsessivo Compulsivo diagnosticado por um médico plantonista de um Hospital Geral. Relata um mundo rico em fantasias, nas quais foi princesinha do pai em sua infância. Engravidou durante o primeiro namoro e foi obrigada pelo pai a se casar e continuar morando na casa dos mesmos.

Seu pai ignorava o marido escolhido por ela, entrava no quarto do casal em momentos mais inesperados. A relação do casal entrava em constantes conflitos devido à impossibilidade do marido ser o homem daquela relação. Entre vários motivos dos desentendimentos estava o custeio pelo pai de quase todos os gastos do casal, pois a cliente não podia passar falta de nada e o marido não podia pagar pelos seus excessos.

A ameaça de separação fez com que o pai comprasse um apartamento próximo à sua moradia para o casal, que permanecia alienado ao pai através das contas pagas de um condomínio "caro", escola para o neto e o excesso que a filha V. fazia no supermercado e em outras lojas do comércio. Esse pai possuía uma cópia das chaves do apartamento que dera ao casal e entrava no apartamento quando desejava. O marido nada conseguia fazer, não podia interditar a esposa.

O sintoma de V. lhe impunha um excedente de consumo no supermercado e nas lojas. A cliente se encontrava identificada com o objeto de desejo da mãe, estava na condição de complemento de sua falta, ou seja, na condição de falo, por isso não podia ser vista como um sujeito, mas em um estado de assujeitamento. Para que V. pudesse sair desse estado seria preciso o interdito paterno.

O estagiário uma vez possuído pelo comprometimento com o seu trabalho precisa fazer valer seu desejo como futuro profissional da área psi. Desejo este que remete à diferença, esta como condição natural da realidade freudiana: o inconsciente. A diferença que é da ordem do pai estabelecer entre mãe e filho, esta confere ao psiquismo uma organização, uma lei.

A ausência do interdito pela instituição de ensino, por conseguinte, instala a condição do estagiário de estar no lugar de complemento da falta da instituição, ou seja, o falo, por isso não pode ascender a posição de sujeito, de profissional pronto para ocupar seu lugar no mercado de trabalho.

A lei faltante na relação estagiário-cliente fica clara no relato da última sessão da paciente em questão. Quando V. entrou e se pôs a falar, disse que percebera como o seu pai a usava. Perguntei: como isso era feito? Com resposta V. disse que há muito tempo havia pedido ao pai um móvel novo para a sala e este recusara. Naquele dia o pai ligara cedo dizendo que estava mandando um marceneiro tirar as medidas do móvel que ela queria fazer. Mas, ela sabia que ele só estava fazendo isso porque ela havia lhe dito que queria vender aquele apartamento que se localizava perto do prédio dele. Deseja ir para um bairro distante do controle do pai.

Ficou-nos a pergunta: se a cliente fosse interditada com um amoedamento de seu tratamento, permaneceria nessa condição de objeto (móvel)? Porque no encaminhamento do discurso da mesma em transferência estava claro que eu também a usava para obter o meu título de psicóloga. Será que esse "móvel" não poderia se transpor em "movi-mento" ? Estaria a díade estagiário-cliente presos nas malhas do sintoma institucion al de apenas consumir e não produzir-criar?

Uma vez alienado ao que foi dito o estagiário está "assujeitado", fora do discurso da prática profissional. Cai na cumplicidade ideológica da instituição de ensino, ou seja, apenas ela pode estar no mercado.

Ora, a práxis do estagiário do curso de Psicologia fica comprometida devido à incapacidade da inclusão do dinheiro como instrumento de intervenção do indivíduo que procura atendimento. Se assim não for esse atendimento fica eliminado da lógica capitalista, logo fora do discurso da cultura.

Institui, portanto nesse circuito, o risco de fazer do sofrimento do cliente uma cifra corrente desse atendimento, pois deixa de ficar marcado no mesmo a condição de interdição própria ao laço social. O dinheiro como uma condição da falta-a-ser estabelece a condição de castração tanto para o estagiário quanto para o cliente, por conseguinte sua inclusão e manejo faz-se necessário no discurso institucional.

Em vista disso, o estagiário acaba capturado pelo discurso da instituição de ensino, pois apesar de questionar sobre como seria as condições do atendimento se houvesse a presença do dinheiro, esta indagação não se faz circular, por esse motivo não é audível, fica interrompido e sem resposta. Cabe, por conseguinte, nessa cumplicidade ideológica por parte do estagiário a implicação de si mesmo sobre as suas escolhas: primeiramente em qual instituição escolheu fazer o curso de Psicologia, como esta presta serviços à comunidade e por fim, sobre seu próprio desejo de incluir em sua vida profissional a presença física do dinheiro.

 

IV- Conclusão

Concluir seria adotarmos uma postura de fechar outras possibilidades de entendimento sobre o tema proposto. Porém, no encaminhamento do que foi submetido a exame nesta pesquisa podemos tomar como ponto de partida o dinheiro como moeda corrente. Esta em sua dimensão física e simbólica como algo que está fora do discurso da prática do estagiário.

Ora, se é a prática que leva o estagiário a se profissionalizar a impossibilidade de refletir sobre o dinheiro compromete a sua inserção no mercado de trabalho visando o que lhe é de direito pelo seu trabalho: o dinheiro. A importância de se pensar a prática a partir desse objeto interditor do atendimento, remeteria o estagiário a um outro registro diferentemente do registro da necessidade ao qual encontra-se submetido nessa instituição: a saber, a condição de objeto de consumo da própria instituição se mantendo na mesma em outros cursos.

Confirma-se assim nossas duas hipóteses de que a influência do capitalismo se torna um impeditivo a assunção do sujeito frente a sua condição desejante, uma vez que imerso no consumo de imagens e objetos o que lhe resta é a acumulação narcísica o que o torna prisioneiro do registro da necessidade. A instituição deixa de exercer a função paterna. Ignora a castração, logo não pode interditar a díade estagiário-cliente. Faz conluio com o mercado capitalista e mantém a díade refém da necessidade de seus produtos.

Da mesma forma o cliente também não pode ascender a uma posição desejante, pois não pode ser interditado, não precisa pagar o preço de seu tratamento. Em vista das discussões levantadas fica um questionamento: o estagiário do curso de Psicologia de uma Instituição de Ensino Privado estará pronto para qual mercado?

Notas

* Esta pesquisa foi apresentada sob a categoria Psicologia: Formação Profissional, comunicação Oral no 13º Encontro de Serviços-Escola de Psicologia do Estado de São Paulo cuja discusão central foi: Práticas Psicológicas em Instituições

Referências Bibliográficas

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SLEMENSON, Karin de Paula. $EM? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

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