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Resumo
Na chamada "psicanálise em extensão", como proposta por Lacan, a psicanálise pode estabelecer diálogo com outros campos, como a educação, ou até mesmo na prática do psicólogo escolar, tarefa principal nesse trabalho. Mas, como atuar com base na psicanálise? Como fica o uso ético dos conceitos? Responder a essas questões não é fácil, requer um olhar crítico, vital para o desenvolvimento das pesquisas nesse campo.
Psicanálise em extensão, educação, psicólogo escolar, intervenção institucional.
Summary
In the so called "psychoanalysis in extension", as Lacan proposed, the psychoanalysis can stablish a dialogue with other fields, such as the education, or even in the practise of the school psychologist, mean task of this paper. But, how to act based on the psychoanalysis? What about the ethic useful of the concepts? Answer these questions is not easy, it claims for a critical examination, vital to the development of the researchs in this field.
Psychoanalysis in extension, education, school psychologist, institutional intervention.
São muitas as tentativas de pensar, estruturar e operacionalizar práticas orientadas pela psicanálise, que se distinguem da atuação classicamente concebida no consultório psicanalítico, na cura pela fala. Podemos encontrá-las em vários terrenos: instituições de saúde, educacionais, serviços públicos, organizacionais, enfim, um grande número de modalidades.
Porém, esse fenômeno porta algumas questões que merecem ser cuidadosamente problematizadas, inclusive com um necessário distanciamento, pois estamos adentrando em um terreno delicado, o da atuação de profissionais que, mesmo não ocupando estritamente o lugar de psicanalistas, organizam sua atuação e leitura dos fenômenos a partir de um atravessamento pelo referencial psicanalítico. A psicanálise é um campo que, como sabemos, forja seus conceitos e sua operatividade com base nas descobertas advindas da clínica, do encontro entre alguém que busca respostas para seu mal estar e o psicanalista. Nesse encontro, pode se configurar um processo indiscutivelmente singular e sujeito a idiossincrasias que talvez não se coadunem com nenhum outro dispositivo encontrável na cultura, aspecto que, de antemão, já complicaria sobremaneira essa possibilidade de "orientação psicanalítica".
Mas, a despeito disso, não se pode negar que a psicanálise encontra um lugar na cultura, tem um peso considerável no ambiente universitário, é parte integrante de vários currículos, não apenas de psicologia ou medicina, que supostamente se beneficiariam de suas descobertas acerca do funcionamento do psiquismo humano. Encontramos também a psicanálise influenciando educadores, filósofos, lingüistas, artistas, e representantes de outros campos e disciplinas.
É razoável supor então que diversos estudantes e profissionais dessas áreas nutram o desejo de estabelecer uma prática levando em conta as particularidades que a psicanálise privilegia. Afinal, o contato com o referencial psicanalítico, por si só, já desperta uma certa curiosidade, senão um certo desejo de operar com os conceitos, ainda que ao preço de algum desconforto. Muitas vezes, ocorre também uma sensação de estar "compreendendo", finalmente, certos aspectos do funcionamento humano. Bastaria nos atermos apenas à hipótese do inconsciente +-para ilustrar nossa hipótese, pois esse conceito fundamental da psicanálise altera substancialmente qualquer apreensão do fenômeno humano ou, de linguagem, poderíamos dizer.
A questão fundamental que se põe a esse interessado, nesse momento, é: como operacionalizar essa idéia? Afinal, ao tentar responder essa pergunta, nos deparamos com um aspecto bastante complicador e que deve ser cuidadosamente pensado: a origem dos conceitos que servirão para essa empreitada.
Conceitos estes que foram, de uma certa forma, forçosamente "retirados" de seu habitat natural, da clínica psicanalítica e seus operadores. Estaremos, portanto, fazendo uso de analogias. Para isso é preciso cuidado, talvez até redobrado!
Freud (1930[1929] p.169) lança uma luz sobre essa questão:
Eu não diria que uma tentativa desse tipo, de transportar a psicanálise para a comunidade cultural, seja absurda ou que esteja fadada a ser infrutífera. Mas teríamos de ser muito cautelosos e não esquecer que, em suma, estamos lidando apenas com analogias e que é perigoso, não somente para os homens, mas também para os conceitos, arrancá-los da esfera em que se originaram e se desenvolveram.
Que alerta pode conter nessa frase de Freud? Algo que nos parece bastante importante, estarmos atentos para não incorrermos em uma promiscuidade no uso desses conceitos. Freud, além de sua ousadia peculiar, sempre teve um cuidado extremo em delinear os conceitos para intervir nos fenômenos que o interrogava. Trata-se então de delimitar a tênue linha que há entre o rigor, necessário e salutar, e a rigidez, paralisante e que só favorece as estereotipias.
Portanto, o exercício de pensar uma transposição dos conceitos psicanalíticos para fora da relação analítica pode gerar controvérsias e mesmo assim, " (...) a despeito de todas essas dificuldades, podemos esperar que, um dia, alguém se aventure a se empenhar na elaboração de uma patologia das comunidades culturais" Freud (1930[1929], p.169).
E quem pensa em se aventurar por essas trilhas, deve perceber algo interessante nessa frase de Freud, sobre o uso do termo patologia. Seguindo a tradição médica, na qual Freud de alguma forma se inspirou, o uso desse termo pressupõe a ação ou intrusão de algum agente que perturba uma certa ordem, uma doença em um organismo que se supunha ser sadio.
Levando-se em conta que estamos fazendo um exercício com base em analogias, deveríamos então imaginar que a sociedade necessitaria de uma homeostase, ou seja, a ausência de distúrbios que comprometessem uma suposta ordem natural. Em outra vertente, poderíamos dizer, sem obstaculizações a esse funcionamento, sem o aparecimento de um certo modo de configuração sintomática, de contestação a uma ordem implícita para que tudo caminhe... bem. Askofaré (1977).
AS ESPECIFICIDADES DE UMA INTERSECÇÃO
Posto isso, nosso próximo passo nesse trabalho será a problematização de uma possibilidade específica, em um dos campos que aparentemente se beneficiariam de uma intersecção com o escopo psicanalítico. Forçados pelas limitações intrínsecas da extensão desse artigo e, à guisa de ilustração, faremos uma circunscrição nas intervenções e propostas que tratam das questões do mundo da educação, um campo no qual já ocorrem, por várias formas e com variados objetivos, essas tentativas de uma inspiração pelo referencial psicanalítico, como nos mostram os autores: Kupfer (1997), Stazzone (1997), Silva (2002); Santos (2002); Cohen, Lessa, Melo, Cohen, Sias, Abecassis, Serafim e Alves (2001), Bastos (2001).
Alguns profissionais se ocupam das demandas derivadas do cotidiano escolar, mas aqui nos deteremos ao psicólogo escolar, modalidade de atuação que, especialmente nos últimos tempos, tem sido re-pensada pelos praticantes, tanto na prática cotidiana, quanto nos efeitos de sua oferta nesse ambiente. Mas, para iniciar nossa empreitada, deveríamos estabelecer então uma questão inicial: como poderíamos então conceber a atuação de um psicólogo escolar inspirado pela psicanálise? Ou deveríamos dizer um psicanalista na escola?
Daremos preferência ao termo psicólogo escolar orientado pela psicanálise, até mesmo porque entendemos ser um psicanalista aquele sujeito que pratica um ofício que demanda constantemente: análise pessoal, supervisão e formação com pares. Isso o permite re-dimensionar regularmente sua prática, se interrogar e produzir algum saber sobre sua atuação. Além de outro aspecto crucial, o psicanalista pode ser considerado um efeito da relação analítica, algo muito sutil e que opera em termos bastante peculiares. Não basta freqüentar um consultório de algum psicanalista para se dizer em análise, tampouco àquele que se senta atrás do divã pode se dizer, somente por isso, que seja efetivamente um psicanalista. Isso se complica ainda mais se pensarmos então "fora" desse contexto clínico.
Feita essa demarcação, passaremos agora a problematizar as propostas de uma psicologia escolar orientada pela psicanálise, iniciando pelo "trabalho psicanaliticamente orientado", termo que Kupfer (1997) criou para essa tentativa de se abarcar as questões escolares, da maneira em que elas podem ser lidas, sob a ótica da psicanálise lacaniana.
Esta proposta se inicia com a estruturação de um "espaço psi", um espaço que se definiria inicialmente como um dispositivo para a "circulação da palavra", no qual os atores da cena escolar possam colocar em palavras suas questões.
Kupfer (1997) traça uma analogia com o corpo humano, organismo que depende de uma oxigenação constante para manter a vitalidade de seu tecido, pois em caso contrário, partes não oxigenadas se necrosariam. Nesse raciocínio, com esse dispositivo, há então a possibilidade de uma oxigenação do tecido discursivo, pelos efeitos da circulação da palavra.
Stazzone (1997, p.45) por sua vez, propõe algo aparentemente similar, pois em sua proposta, o que "o psicanalista pode fazer, deve fazer, tanto na escola quanto em qualquer âmbito ao qual seja convocado enquanto tal é FAZER-DIZER".E bem sabemos a diferença entre falar e dizer...
Enfim, parece que a questão passa pela possibilidade de fala dos atores da cena escolar, o que se coaduna com o que Lacan (1998[1953], p.248) já determinava:
Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispões de apenas um meio; a fala do paciente. A evidência desse fato não justifica que se o negligencie. Ora, toda fala pede uma resposta.
Ou seja, dessa perspectiva, em uma intervenção na qual o sujeito possa falar, pressupõe um certo manejo daquele a quem é endereçado essa fala, o psicólogo escolar. E onde desenvolvemos essa capacidade senão quando ocupamos o outro lugar, quando endereçamos a fala a alguém?
Aqui já começa a se delinear o primeiro problema que identificamos em uma psicologia escolar orientada pela psicanálise: as falas, narrativas, pedidos, queixas e demandas são consideradas como elementos integrantes de um discurso, endereçados ao saber que supostamente o psicólogo escolar deteria.
Mas, todo esse discurso que pode ser captado no cotidiano escolar, também pede um certo olhar, um posicionamento. Lacan (1998, p.86) nesse ponto contribui, destacando que:
(...) o psicanalista, por não desvincular a experiência da linguagem da situação que ela implica, a do interlocutor, toca no fato simples de que a linguagem, antes de significar alguma coisa, significa para alguém. Pelo simples fato de estar presente e escutar, esse homem que fala dirige-se a ele, e, já que ele impõe a seu discurso não querer dizer nada, resta o que esse homem quer lhe dizer. O que ele diz, com efeito, pode não ter nenhum sentido, mas o que ele lhe diz contém um sentido.
Cabe então ao psicólogo escolar orientado pela psicanálise perceber e possibilitar a assunção de novas significações para as questões trazidas pelos atores da cena escolar, esperando que, de forma análoga ao que se processa com o analisante, pelo fato de poderem falar e se escutarem possa, justamente por isso, causar um efeito pela ação e retroação das palavras. Enfim, fazer circular a palavra geraria efeitos nos posicionamentos das pessoas, ampliando as percepções e causando fissuras, "rachaduras no que está cristalizado" (Kupfer, 1997, p.55).
Em termos de uma estratégia para se contrapor ao modelo clássico da intervenção em psicologia escolar, quase sempre calcado na psicometria e nas variadas formas de investigação diagnóstica, essa proposta de um modelo de trabalho orientado pela psicanálise parece apresentar uma certa consistência, uma solidez na sustentação teórica, causando até mesmo entusiasmo em quem se defronta com essa aposta. Parece ser um passo adiante no desenvolvimento da formação do psicólogo.
Mas, o fato de ser inspirado em conceitos que foram desenvolvidos na prática clínica na qual são necessárias algumas condições para que o próprio processo aconteça há de se pensar que, caso ocorra um trabalho nesses moldes em escolas, com grupos, como poderíamos pensar a fidedignidade dos conceitos extraídos da clínica?
Kupfer (1997) propõe alguns parâmetros norteadores, que ajudariam a viabilizar a estruturação do espaço "psi", dispositivo que atuaria como um potencializador da circulação da palavra, na possibilidade da flexibilização dos discursos daqueles que toma parte do processo.
Inicialmente, elegeremos apenas dois desses parâmetros como objetos de problematização: a escuta e a transferência. Afinal, são operadores absolutamente essenciais quando pensamos em psicanálise. Porém, como a extensão desses conceitos poderia ser concebida nesse tipo de trabalho?
ESCUTAR: O QUÊ?
A escuta, no sentido estritamente psicanalítico, é um modo particular de apreensão de alguns aspectos presentes no discurso, captáveis pela habilidade do psicanalista em destacá-los dessa narrativa, "devolvendo-os" ao falante. Esta operação, num primeiro momento, causa um certo estranhamento e, ao mesmo tempo, pode proporcionar uma certa interrogação sobre a origem do conteúdo proferido.
Com isto, num momento posterior, há uma tentativa de articular quais relações poderiam ser estabelecidas com aquilo que estava sendo dito antes, possivelmente produzindo-se então novas significações e, em última instância, novos sentidos. Enfim, seria uma das possibilidades de se entender a entrada em cena de conteúdos inconscientes, que podem ascender à consciência após a intervenção precisa de um psicanalista atento.
Kupfer propõe extrair uma certa parcela desse fenômeno acima narrado, pois o psicólogo escolar orientado pela psicanálise, de certa forma também ofereceria uma escuta para os participantes desse espaço "psi". Estando "em posição de escuta ativa", termo que Kupfer (1997, p.58) destaca, seria possível então se diferenciar da simples sugestão, de um ouvinte interessado, para algo que se aproximaria mais da operatividade psicanalítica.
Em outras palavras, o psicólogo escolar seria um destinatário a quem essa fala pudesse ser dirigida e "devolvida", pois é justamente nesse movimento, nessa circulação dos discursos, que algum efeito poderia se processar, pois o falante não apenas seria "escutado", bem como também teria a possibilidade de se "escutar", a si e aos outros participantes.
Escutaria o quê? Seus atos falhos, lapsos ou qualquer outra manifestação do inconsciente? Não é o que Kupfer (1997) propõe, mas sim, como entendemos, uma possibilidade de um outro caminho para os discursos institucionais, ou ainda de uma possibilidade para expressão de discursos que eventualmente não venham à tona, que por uma ou outra razão não são plenamente proferidos, ou ainda tratados de formas pouco claras. É uma tentativa de se apreender a profundidade das palavras, saindo da superfície, do sentido aparentemente óbvio, para um exercício de fruição, de desvelamento de ângulos até então pouco pensados. Com isso, ocorreriam então rachaduras no que está cristalizado nos discursos, promovendo algo de um giro, de novas posições e questionamentos.
Nesse sentido, "escutar" desde o pedido inicial endereçado ao psicólogo escolar, para que ele faça algo pela instituição, no lugar da instituição, ao invés da própria instituição organicamente tentar tratar suas questões, que poderiam talvez ser explicitadas por meio dessa "escuta", do que porta essa demanda inicial, ou como diria Kupfer (1997 p.58):
(...) um psicólogo não aceitará a demanda da instituição, e tampouco se recusará a aceitá-la. Só poderá escutá-la se quiser que os sujeitos nela envolvidos venham, a saber, efetivamente o que está em jogo, o que querem, do que precisam, e por que não podem formular tudo isso".
Há então de se pensar, a partir dessas próprias palavras, sobre o que poderia levar um participante desse tipo de trabalho a se envolver, a se questionar, como bem diz a autora, a pensar no que quer, no que precisa e, principalmente no que o impede de formular essas questões.
Atentemos para o termo formular, que se conjuga com o efeito de uma análise, com o que pode ocorrer em uma análise. O sujeito, ao formular e re-formular suas questões, pode então também se re-posicionar frente a elas, elaborando e alterando seu grau de importância, enfrentando-as ou até mesmo, principalmente, re-significando-as.
Devemos, contudo, considerar também o outro lado da moeda, muitas vezes, o indivíduo prefere se manter na mesma posição, sem arriscar ficha alguma na possibilidade de criar algo novo, de se aprofundar em suas questões, enfim, de se responsabilizar por elas.
Esse tipo de escuta, da mesma forma que a escuta psicanalítica clássica, pode trazer à tona questões que absolutamente sejam desconfortáveis para o sujeito ou a instituição. O efeito é previsível: podem ocorrer fechamentos, recuos, negatividade e até mesmo a adoção de uma postura cínica com uma conseqüente desimplicação.
A possibilidade de que esses fenômenos não ocorram de forma intensa e não há garantia prévia quanto a isso seria por meio de um manejo pelo psicólogo escolar a partir de um lugar, que "tenha sido colocado pelo falante em posição privilegiada". Kupfer (1997 p.59). Isso só se dá quando ocorre um fenômeno bastante caro à psicanálise: a transferência.
A(S) TRANSFERÊNCIA(S)
Freud já apontava que, sob variadas intensidades, o fenômeno da transferência ocorre em todas as relações e não só na relação analítica, mas que nesse campo ocupa um lugar fundamental, vital para o processo. No caso do campo educativo, Janine Filloux (2002, p.44) alerta com propriedade: "(...) fala-se dos fenômenos transferenciais, das transferências, e não da transferência no quadro da prática analítica."
Já nesse tipo de trabalho proposto, acreditamos que a dinâmica desse fenômeno não parece diferir muito, especialmente se avançarmos para além do aspecto fenomênico da transferência, da re-edição de experiências com figuras outrora importantes em nossa economia psíquica.
Lacan vai além desse aspecto e se interroga sobre a diferença que Freud marca, entre a transferência e a sugestão. Afinal, ambas causam, cada qual a seu modo, efeitos no individuo ou grupo e por outro lado, sabemos também que há algo que as sustenta.
É nesse ponto que Lacan (1957-58, p.450) se pergunta então: o que leva o sujeito a aceitar o que fala esse outro tornado por ele tão especial, a dar-lhe poder? E afirma um ponto nodal: "A transferência já é, em si mesma, um campo aberto, a possibilidade de uma outra articulação significante, diferente do que encerra o sujeito na demanda". Em outras palavras, o fenômeno transferencial poderia, por si só, causar movimento no sujeito, pois, para Lacan (1960/61, p.199):
(...) tudo aquilo que é, no sujeito que fala, tendência natural, tem que se situar num mais-além e num aquém da demanda. Num mais-além que é a demanda de amor. Num aquém que é o que chamamos de desejo, com aquilo que o caracteriza como condição (...).
E ainda nesse campo, vem nos dizer que "para além de todo alimento da fala, o que o sujeito realmente necessita é aquilo que ele significa metonimicamente, e que não está em ponto algum dessa fala" (p. 208).
Podemos afirmar, com base nos apontamentos de Lacan, que pensar a transferência nesses termos amplia a percepção acerca daquilo que encerra a fala dirigida ao portador de um saber, comumente atribuído ao psicólogo nas instituições.
Logo adiante, Lacan acrescenta ainda outro elemento fundamental presente nessa dialética da transferência: o amor presente na demanda do sujeito a esse Outro. Um desdobramento interessante do que Freud (1915[1914], p.216) já apontava em seu texto intitulado Observações sobre o amor transferencial.
Nesse artigo, Freud problematiza a influência desse aspecto, tanto como dínamo do tratamento analítico, bem também como fator de resistência ao processo. A chave disso encontra-se na capacidade de leitura da demanda pelo analista, como nos mostram suas próprias palavras:
É, portanto, tão desastroso para análise que o anseio do paciente por amor seja satisfeito, quanto que seja suprimido. O caminho que o analista deve seguir não é nenhum destes; é um caminho para o qual não existe modelo na vida real.
Portanto, baseando-se nesse caminho sem modelo na vida real, podemos esperar que o psicólogo orientado psicanaliticamente seja tomado como, além de alguém que supostamente sabe sobre as questões e vicissitudes do cotidiano escolar, também um alvo para outras demandas.
Nesse ponto Kupfer (1997, p.57) se atém e aponta uma direção:
Um psicólogo estará "autorizado" a intervir em uma instituição quando estiver criada a transferência, seu principal instrumento de trabalho, da qual extrairá seu poder de ação e, com a qual poderá criar o espaço psi na escola.
E é justamente daí que o poder para sua ação estará configurado, possibilitando a escuta das questões que chegam até ele, fazendo com isso que o demandante, professor ou grupo, possa "trabalhar" psiquicamente em torno das particularidades que revestem essas questões. Com isso, espera-se, como efeito indireto, uma possibilidade para que cada professor possa desenvolver algo de seu estilo, tão precioso e quase sempre tão desvalorizado.
Esse "trabalho" poderia ser caracterizado como um exercício no qual o professor pudesse deslocar, deslizar e ampliar as significações que envolvem suas questões, não muito diferente de uma transferência de trabalho, análoga ao modelo entre o analista e o supervisor escolhido pelo movimento transferencial.
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