Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Subjetividade, conhecimento e aprendizagem
Marcia Siqueira de Andrade

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Cabe à Psicopedagogia a compreensão da subjetividade
sendo instaurada pelo conhecimento,
da constituição de espaços objetivos e subjetivos que possibilitem a criatividade,
a experiência da liberdade e a autoria do pensamento .

Pretendemos neste texto, ampliar a compreensão da relação possível entre subjetividade e conhecimento na sociedade contemporânea. Entendemos que a identificação das diferentes formas dessa relação trarão subsídios à constituição do arcabouço teórico da psicopedagogia. Estaremos propondo uma série de oito pranchas nas quais aparecem desenhadas cenas de animais em situação humana, como estratégia que possibilita a cartografia dos movimentos de subjetivação articulados ao processo de aprendizagem.

Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de movimentos de desterritorialização profundos que nos sacodem com tal força que nos incitam a encontrar expressão numa forma simbólica. E, muitas vezes ela se expressa na forma de um animal. Um mito dos índios Pawnee ilustra a relação arquetípica do homem com os animais. Ele começa assim:

"No início de todas as coisas, sabedoria e conhecimento estavam com o animal. Porque Tirawa, Aquele-que-está-acima não se dirigiu diretamente ao homem. Ele mandou alguns animais contarem à humanidade que ele se mostrava através da besta. E que o homem deveria aprender com os animais..."

A partir da leitura de Foucault interpretaremos o movimento de desterritorialização identificados pela ressonância provocada pelos signos presentes nas pranchas apresentadas, enquanto processo de gênese do sentido, resultado de formações políticas, processos históricos instalados nos dois planos de práticas que atravessam toda a empiricidade: as práticas de dizibilidade e de visibilidade (Deleuze, 1986). 1

Dito de outro modo, as formas do visível e do dizível, agindo em regime de reciprocidade, constroem nosso saber sobre a realidade, respectivamente, os objetos visíveis e os temas a serem tratados nos discursos. A linguagem, portanto, articulada às práticas mudas junto aos corpos instaura realidades.Entre as realidades produzidas podemos registrar as formas subjetivas.

Conhecimento e subjetividade

Nosso interesse principal tem sido compreender a constituição da subjetividade a partir da formação do símbolo, dito de outro modo, como o conhecimento produz subjetividade2. Entendemos que o objeto de conhecimento não é in/significante. Trata-se de um significante cujo significado polissêmico não se reduz ao contexto social da escola mas perpassa as conotações subjetivas dos espaços singulares de cada sujeito. 3

Buscamos, inicialmente, compreender a constituição do pensamento4 a partir da construção da linguagem escrita privilegiando a epistemologia genética. 5 Distúrbios presentes nesse processo nos aproximaram das manifestações inconscientes iluminadas pela psicanálise.

Trazemos aqui o produto de um terceiro momento quando buscamos a articulação das dimensões inteligente e inconsciente na formação do signo, considerando o sujeito histórico, encarnado. Esse movimento nos trouxe a compreensão do distúrbio de aprendizagem, em especial na língua escrita, enquanto sintoma neurótico exigindo uma abordagem diagnóstica e uma intervenção diferente da oferecida até então.6

Rolnik (1993) nos diz que o sintoma funciona como uma espécie de sedativo para o mal-estar, que escutá-lo nos dá acesso a algo que determina o modo vigente de funcionamento de tal subjetividade, o sintoma é sinal de que alguma diferença se enreda na antiga figura. Ao mesmo tempo, o sintoma serve como resposta na tentativa de escapar do conflito que a diferença provoca quando quer emergir. Por fim aponta a estratégia existencial construída a partir dessa resposta para aplacar nossa condição trágica, nossa condição de seres não estáticos, que causa mal estar a cada vez que temos que abrir mão do que vínhamos sendo. Hoje pensamos o sintoma neurótico enquanto "marcas" de estratégias de subjetivação. 7

Aqui não pretendemos classificar o sujeito ou suas aptidões intelectuais mas captar signos8 que nos auxiliem na compreensão do padecimento do sujeito que des/conhece, do sujeito com distúrbios de aprendizagem.

Mesmo compartilhamos a posição teórica de Pain (1999:45) quando afirma que "... O inconsciente é o lugar do processamento do pensamento. A aprendizagem constitui o equivalente funcional do instinto, na medida em que podemos entendê-la como uma transmissão das modalidades de ação especificamente humana", em nosso trabalho investigativo temos procurado abordar o fenômeno da produção simbólica desde um lugar transdisciplinar distinto da psicanálise, da epistemologia genética, da antropologia, da semiótica, da psicologia, da sociologia, da lingüística. Um lugar que passa por esses espaços mas transpassa-os produzindo diferenças.

Retomamos neste momento as palavras de Oliveira (2001) ao referir-se ao processo de construção de novas teorias. Toda nova teoria passa por, no mínimo, três estágios: num primeiro estágio trabalha-se com conceitos emprestados, num segundo os conceitos são compartilhados e finalmente há a construção de um novo corpo teórico que transcende os momentos anteriores.

Acreditamos que atualmente encontramo-nos numa etapa intermediária em que os conceitos compartilhados já transitam por novos caminhos de uma área específica das ciências humanas que busca transpor a exégese cartesiana. Não pretendemos dar o passo final nesta empreitada, mas discutir sobre outras bases a relação entre inteligência/desejo, social/individual, objetividade/subjetividade, dentre outras. Os termos de cada distinção não são colocados em oposição ou em contradição, como síntese que os anula num terceiro ponto. Os pares são pensados numa relação irreconciliavelmente diferentes. As fronteiras que separam os termos emparelhados são como vagas em fluxo contínuo. A cada movimento algo do que estava mudou, sem deixar a antiga forma, constituindo e sendo constituída a partir do movimento em si.9

Longe de referenciais teóricos que nos obriguem a pressupor a constância ou a preexistência de conceitos, pensaremos essas dualidades desde as contingências do paradoxo10, concebendo-as imersas num processo ininterrupto de constituição mútua.

Linguagem e subjetividade

Diferentemente de fazer referência ao mundo, a linguagem intervém sobre ele, engendra os próprios fatos que supostamente descreve. Não mais apartada dos fatos, a linguagem age com eles e sobre eles. Por conta disto a palavra advém para nós, não como unidade de significação tal qual para aparece na psicanálise, mas como ato11 enunciativo, ação do sujeito que apreende as coisas do mundo e aprende sobre elas.São,

"...as circunstâncias, tomadas como pressupostos implícitos da linguagem que, sem se confundirem com as palavras, determinam sua força produtora de real". (Deleuze e Guattari, 1980/1995).

Neste sentido, afirmamos que a linguagem produz subjetividade no mesmo movimento em que é por ela produzida. Afirmamos a existência de um processo de produção recíproca. E com isso o sentido de produção abala-se pois em sua dupla natureza o elo entre linguagem e subjetividade ora reproduz, ora inventa os dois termos do par.

A partir da leitura de Foucault pensamos o movimento de desterritorialização identificados pela ressonância provocada pelos signos, enquanto processo de gênese do sentido, resultado de formações políticas, processos históricos instalados nos dois planos de práticas que atravessam toda a empiricidade: as práticas de dizibilidade e de visibilidade (Deleuze, 1986). 12

Dito de outro modo, as formas do visível e do dizível, agindo em regime de reciprocidade, constroem nosso saber sobre a realidade, respectivamente, os objetos visíveis e os temas a serem tratados nos discursos. A linguagem, portanto, articulada às práticas mudas junto aos corpos instaura realidades.Entre as realidades produzidas podemos registrar as formas subjetivas.

A idéia de produção da subjetividade pode ser enriquecida através da noção de subjetivação (Foucault, 1988, 1990; Deleuze, 1992). Esta noção vêm sempre precedida das palavras "formas", "modos", "processos", que indicam que a subjetivação nunca está acabada, mas se constitui como um processo contínuo (Prata, 2001). A partir desta perspectiva, há múltiplas maneiras de se subjetivar que são diferentes no decorrer da história, onde o sujeito pode fixar, manter ou transformar sua identidade (Foucault, 1997).

Como nos lembram Rolnik e Guattari,

''Um fato subjetivo é sempre engendrado por um agenciamento de níveis semióticos heterogêneos, num entrecruzamento de determinações enunciativas não só sociais, mas também econômicas, tecnológicas, de mídia, entre outros ". (Guattari e Rolnik, 1993, p. 35)".

 

Aprendizagem como estratégia de subjetivação

Estamos chamando de estratégia de subjetivação à operação específica pela qual o indivíduo ou comunidades se constituem sujeitos, à margem dos saberes constituídos e dos poderes estabelecidos, podendo dar lugar a novos saberes e poderes.

Foucault (Microfísica do poder) nos coloca que em muitas formações sociais não são os senhores que constituem focos de subjetivação, mas os excluídos. Diante dessa colocação cabe perguntar: até que ponto podemos pensar o distúrbio de aprendizagem como "doença"? O distúrbio de aprendizagem não seria, em muitos casos, estratégia para "novas" subjetivações ?

Essa estratégia inaugura-se no nascimento do indivíduo com a possibilidade de aprender. O aprendizado é produto e produtor da diferença13. Desde então, em toda nossa existência estamos sujeitados à violência do signo, quando o que nos é conhecido se torna inoperante e a diferença produzida exige de nós a criação de algo novo, de um sujeito-pessoa. Um sujeito-pessoa é um território existencial que, limitado por uma contingência, responde a uma representação que ele se faz do que ele mesmo vive. Esse sujeito, enquanto autor do mundo, também se representa o que vive, enquanto vive. Essa representação que ele se faz acaba por tornar-se a matriz do seu olhar. Assim, não é mais seu olho que olha, mas é um olhar que (se) olha na diferença. Nesse sentido podemos dizer do "olhar psicopedagógico", daquele olhar que (se) olha no diferente; sua imagem se faz na diferença.

A diferença nos desterritorializa, despende afetos que buscam matérias onde possam se efetivar. A desterritorialização, ou seja, o desfazimento de um território existencial carrega e aciona um movimento de re/territorialização. É uma abertura aos devires14, são eles que dão condições de pensar em novidade fora de qualquer previsibilidade, ou seja, só o devir possibilita que se pense em invenção. É no encontro com as diferenças que as subjetividades se desestabilizam, que experimentam o mal-estar. E então se fecham quando não suportam seus abalos, retornando à cópia, restringindo a aprendizagem à mera recognição ou num outro pólo se entregam à experimentação das múltiplas sensações e diferenças que se produzem chegando à invenção de algo no campo estratificado.

Deleuze 15traz a questão da decepção para a aprendizagem. Para ele a decepção é fundamental no processo de aprendizagem, é ela que deixa sem referências, criando a necessidade de buscar o sentido do signo em outro lugar, que não apenas nos registros da memória. A decepção vem quando o que o signo provoca, ultrapassa tudo o que conhecia até então forçando a criação de algo inédito, que pode ser uma nova concepção, uma nova saída ou um novo ponto de vista sobre si mesmo. Segundo ele, se aprende por intermédio dos signos, desde que se vença duas crenças: a primeira é atribuir ao objeto o signo de que é portador, pois ao mesmo tempo em que o signo designa um objeto também significa alguma coisa diferente, confundimos o significado com a coisa que designa.

A segunda crença a vencer é a compensação subjetiva que surge para aplacar a decepção com relação ao objeto. O signo, tanto vai além do objeto que o emite, como do sujeito que o interpreta, o que existe além deles são as essências, a diferença que diversifica e pode diversificar-se, mas não pode se repetir.

Toda aprendizagem tem uma parcela de recognição e repetição, nos ensina Deleuze 16. A aprendizagem em parte é recognição, em parte é divergência. A divergência é a diferença, é o desconhecido que escapa, desestabiliza e provoca problematização na nova configuração. Quando o sujeito põe em relação elementos, em parte reconhece através do seu repertório prévio e por outro lado é colocado em xeque diante da composição inédita, é afetado pelo estranhamento que o força a criar algo a partir da divergência que percebe na situação.

Dessa forma a aprendizagem não pode ser entendida como solução de problemas, mas sim preferencialmente como criação de novos caminhos. Não basta compreender uma situação, a questão é problematizá-la, ou seja, aprender é constituir um campo problemático.

A repetição não é generalização, a generalidade é da ordem das leis e as leis são estáticas, mudam os que a seguem. Repetir é comportar-se em relação a algo único, é a universalidade do singular, até que essa repetição seja interiorizada por ser tantas vezes repetida, levando ao esquecimento e através do esquecimento se torna uma potência positiva, elevando o querer. Só se deve buscar a diferença naquilo que já não tem mais sentido, só se repete o que é insubstituível: o que quiseres queira-o de tal maneira que também queiras o seu eterno retorno 17. Um solo já conhecido é parte fundamental, um lugar conhecido onde se possa pisar, transitar, construir a partir dele.

Repetição, inibição e simbolização

"...se graças ao esquecimento, não se pôde estabelecer nenhum laço, tecer malha alguma entre si e o momento presente, se ficou em seu lugar, em seu tempo, se conservou sua distância, seu isolamento no côncavo de um vale ou no cimo de uma montanha, a recordação faz-nos respirar de repente um ar novo, precisamente por ser um ar outrora respirado, o ar mais puro que os poetas tentaram em vão fazer reinar no Paraíso, e que não determinaria essa sensação profunda de renovação se já não houvesse sido respirado, pois os verdadeiros paraísos são os que perdemos (Proust, 1989-1990, p.152).

Grande parte do aprendizado é recognição, grande parte do que realizamos pela vida a fora é repetição, ela é fundamental para a consistência do que fazemos e do que somos, complicado é quando o que fazemos e somos nos causa mal-estar por não estarmos conseguindo romper com algo que torna a repetição doença.

Deleuze18 afirma que a repetição tanto cura como é através dela que adoecemos. Cura porque é ela que nos dá condições de possibilidade para que possamos transitar por caminhos já traçados e que dão certo, a repetição assim é da ordem da arte, só se repete tal e qual o que é especial, o que se não fosse repetido de tal forma não teria valor, perderia a graça e o encanto. A repetição adoece quando repetimos por medo de arriscar sair de algo que não nos revigora mais, quando repetimos algo que deu certo com outros e por covardia não tentamos descobrir o que em nós causa alegria 19.

Freud (1914/1972), no texto Recordar, repetir, elaborar nos fala:

"... o analisado não recorda nada do que foi esquecido ou reprimido, vive-o de novo. Não o reproduz como recordação, mas como ato; repete-o sem saber, naturalmente o repete."

Ele relaciona a repetição com o reprimido, não tardando por notar que a transferência não é por si mesma mais que uma repetição, e a repetição, a transferência do passado esquecido. Este texto nos é precioso para as articulações que pretendemos fazer aqui por trazer a repetição em ato, por incluir o ato.

Freud, que alguns anos depois do texto citado acima, em Além do princípio do prazer, escreve observando seu neto, que a partir do jogo de carretel começa a utilizar-se de dois vocábulos: fort da.

A interpretação do jogo tornou-se então óbvia. Ele se relacionava à grande realização cultural da criança, a renúncia instintual (isto é, a renúncia à satisfação instintual) que efetuara ao deixar a mãe ir embora sem protestar. Compensava-se por isso, por assim dizer, encenando ele próprio o desaparecimento e a volta dos objetos que se encontravam a seu alcance. (Freud, 1920/1998a, p. 19)

Freud que observara o surgimento de duas novas palavras a partir da brincadeira repetitiva com o carretel, jogado longe para ser encontrado em seguida, enfoca no texto a repetição de uma situação de desprazer. Vamos aqui colocar o acento na repetição.

Gostariamos então de pontuar as relações que o autor vai fazendo entre recalcamento, repetição e desprazer, logo denominado de instinto de morte, no mesmo texto. Freud aprende da observação de seu neto que a repetição da situação desagradável, atuada na brincadeira com o carretel, devia ser lida como um ato que põe um limite ao gozo, na medida em que dá ensejo, na medida em que forja essas duas palavras novas que o menino passa a pronunciar. Assim, o jogo do carretel não estaria ainda na categoria de um espaço de metaforização já estabelecido, mas de uma metaforização em curso, que ainda irá se estabelecer.

Em seu texto Inibições, Sintomas e Ansiedade, Freud (1925/1998c) afirma o seguinte a respeito da inibição:

No tocante às inibições, podemos então dizer, em conclusão, que são restrições das funções do ego que foram ou impostas como medida de precaução ou acarretadas como resultado de um empobrecimento de energia; e podemos ver sem dificuldade em que sentido uma inibição difere de um sintoma, portanto um sintoma não pode mais ser descrito como um processo que ocorre dentro do ego ou que atua sobre ele. (p. 13)

Assim, o sintoma fica definido como formação do inconsciente, e a inibição, como distúrbio egóico. É função do ego enfrentar as exigências levantadas por suas três relações de dependência – da realidade, do id e do superego – e não obstante, ao mesmo tempo, preservar a sua própria organização e manter a sua própria autonomia.

"A pré-condição necessária aos estados patológicos em debate só pode ser um enfraquecimento relativo ou absoluto do ego, que torna impossível a realização de suas tarefas. A exigência mais severa feita ao ego é provavelmente a sujeição das reivindicações instintivas do id, para o que ele é obrigado a fazer grandes dispêndios de energia em anticatexias. Mas as exigências feitas pelo superego também podem tornar-se tão poderosas e inexoráveis que o ego pode ficar paralisado, por assim dizer, frente às suas outras tarefas. Podemos desconfiar de que, nos conflitos econômicos que surgem neste ponto, o id e o superego freqüentemente fazem causa comum contra o ego arduamente pressionado que tenta apegar-se à realidade a fim de conservar o seu estado normal. Se os outros dois se tornam fortes demais, conseguem afrouxar e alterar a organização do ego, de maneira que sua relação correta com a realidade é perturbada ou até mesmo encerrada." (Freud, 1940/1998b, pp. 45-46)

Retornamos ao proposto por Freud (1920/1998a) em Além do princípio do prazer , de que esse atuar da criança vem relacionado ao gozo, termo lacaniano para designar aquilo que no texto de Freud comparece sob o nome de instinto de morte. É para estabelecer um limite ao gozo que a criança atua seu brincar, falar será sua grande realização cultural, a renúncia instintual, para o que ela terá se apoiado na leitura do outro significativo.

De acordo com Freud (1925) a inibição tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente uma implicação patológica. Segundo ele podemos denominar inibição uma restrição normal de uma função. O sintoma por outro lado, denota a presença de algum processo patológico. Assim, uma inibição pode ser também um sintoma.

(...) inibição quando há uma simples redução da função e sintoma quando uma função passou por alguma modificação inusitada ou quando uma nova manifestação surgiu desta.

A inibição pode ser uma expressão de uma restrição de uma função do ego, podendo ter causas diferentes. Quando o ego se vê envolvido em uma tarefa psíquica difícil, como ocorre no luto, ou quando se verifica uma tremenda supressão de afeto, ou quando um fluxo contínuo de fantasias sexuais tem de ser mantido sob controle, ele perde uma grande quantidade de energia em diversos pontos ao mesmo tempo.Torna-se relevante pontuar neste caso a relação entre ansiedade e inibição:

(...) Algumas inibições obviamente representam o abandono de uma função, porque sua prática produziria ansiedade.(...) são restrições da função do ego, que foram impostas como medida de precaução ou acarretadas como resultado de um empobrecimento de energia; e podemos ver sem dificuldade em que sentido uma inibição difere de um sintoma, porquanto um sintoma não pode mais ser descrito como um processo que ocorre dentro do ego ou que atua sobre ele.

Pain (1985) afirma que a inibição está relacionada com a diminuição da função, impedindo que esta se realize, enquanto que o sintoma acarreta a modificação dessa função.Ao contrário do sintoma a inibição é um processo que se passa exclusivamente no ego, ela é em termos uma limitação do eu. A inibição ocorre no nível da consciência , ou seja, o ego para reduzir o desprazer evita a função, podendo acontecer em três oportunidades:

A inibição aparece também como uma particularidade do fenômeno neurótico através de duas reações opostas, sendo uma o impulso da repetição da situação traumática ou a necessidade de evitação do lugar indicado pela marca. Pain (1985, p.31) coloca que

..."este rodeio que impõe o sinal de angústia realiza-se de acordo com as diferentes modalidades de defesa, algumas das quais interessam diretamente ao problema de aprendizagem".

A evitação é uma defesa diante da angústia, ocorrendo um evitar pensar que pode prejudicar a aprendizagem, neste caso, aprendizagem materna.

Inibição implica uma repressão exitosa, uma evitação ao contato com o objeto do pensamento, ou seja, o pensar em seu conjunto e o aprender serão evitados. Fernandez (199, p 87) coloca :

Cremos que quando está sexualizado o pensar, o conhecer, o aprender, é possível produzir-se um tipo de inibição que chamamos de inibição cognitiva. Pode estar sexualizado o objeto de conhecimento e a função, ou o processo que rodeie esse objeto, inibindo-se o aprender.

Tanto o problema de aprendizagem que constitui um "sintoma" quanto o que forma uma "inibição" instala-se em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, desejo, organismo e corpo, resultando em um aprisionamento da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica inconsciente.

 

Cartografia da aprendizagem (no) do humano

Aqui nos interessa pensar a possibilidade de cartografar os movimentos de subjetivação inerentes ao processo de aprendizagem, de apropriação do conhecimento. Consideramos que o movimento do aprender articula e cristaliza as diferentes instâncias do individual e do social, mostrando, desta forma, possibilidades de constituição de subjetividades e de processos de singularização. O contorno de uma subjetividade delineia-se a partir de uma composição singular de forças, um certo mapa de sensações. A cada novo universo que se incorpora, novas sensações entram em cena e um novo mapa de relações se estabelece, sem que mude necessariamente a figura através da qual a subjetividade se reconhece.

"Saber, inclusive na ordem histórica, não significa encontrar de novo nem sobre tudo nos encontrar. A história será "efetiva" na medida em que introduza o descontínuo em nosso mesmo ser. Dividirá nossos sentimentos; dramatizará nossos instintos; multiplicará nosso corpo e o oporá a si mesmo. Não deixará nada debaixo de si que teria a estabilidade tranqüilizadora da vida ou da natureza, não se deixará levar por nenhuma obstinação muda para um fim milenário. Cavará aquilo sobre o que a quer fazer descansar, e se encarniçará contra sua pretendida continuidade. O saber não foi feito para compreender, foi feito para fazer talhos. "(Michel Foucault )

De acordo com Deleuze, as linhas de fuga surgem a partir da afecção com as linhas molares - linhas objetivas que atravessam a sociedade - e, então, passam a produzir recodificações e invenções de modos de vida. Pode-se dizer que elas remetem a re-territorializações; o prazer é um meio através do qual uma pessoa ou um sujeito pode recuperar-se dos processos que lhe desterritorializam. As linhas de fuga são linhas de resistências

Tentamos, então, descrever o movimento das linhas de desejo, discernir no novelo das linhas de subjetivação. Essas linhas não podem ser separadas pois sua trama é o que permite nossa existência e são de, pelo menos, três ordens: linhas molares, as moleculares e as linhas de fuga.

-.as linhas molares são os fatos que nos organizam e a partir dos quais organizamos nossa vida. É o visível.Tomar o fio das linhas molares, vai ser pinçar o visível e a partir dele procurar uma linguagem que possa dizer dos movimentos que realiza.(molecular)

-.as linhas moleculares traçam os movimentos de subjetivação provocados pelos fatos, os fluxos e os fluxos são os desejos e as crenças19 que nos acompanham, são sempre os fluxos que vem promover a desterritorialização,

-.e as linhas de fuga. linhas criadoras de outras formas de estar nesse campo, modificando meu jeito de ser (estar) no mundo. (DELEUZE, 1995)

Essas linhas indicam a força criadora do (no) humano.

Na tentativa de estabelecer a cartografia das estratégias de subjetivação construímos imagens que produzissem ressonâncias com linhas molares específicas, marcas da aprendizagem.20

Como dissemos anteriormente, marca é um estado, uma diferença produzida que contamina as subjetividades e suas formas de ser. São esses estados inéditos que se produzem em nosso corpo, a partir das composições que vamos fazendo ao viver. Cada um desses estados constitui uma diferença que instaura uma abertura para a criação de um novo corpo, o que significa que as marcas são sempre gênese de um devir (PEREIRA, 2000). Estaremos considerando aqui marcas paradigmáticas : a marca da castração oral, anal, do espelho, do pensamento e genital.

Cada uma delas tem a potencialidade de voltar a reverberar quando atrai e é atraída por ambientes em que encontra ressonância (ROLNIK, 1993, p. 242). As marcas não são necessariamente de perda e depressão, resultam de experiências inéditas e intensas (de vida ou de morte) em nossos corpos afetivos que não desaparecem, mas reverberam, vibram e convocam nossa capacidade de criar uma nova realidade, são gênese de devir (ROLNIK, 1993).

As imagens construídas partindo de formas de animais tendem à ressonância com territórios pré-históricos e vão se mostrar por metáforas. Aquele que quiser compreendê-las deve abandonar saberes instituídos, assumindo o posicionamento de des/conhecimento pois "Não existe aprendiz que não seja egiptólogo de alguma coisa."

A intolerância diante da in/certeza poderá ofuscar os signos que se apresentam nos instantes em que o processo de produção bifurca e seus efeitos desviam-se da rota esperada gerando, na estranheza desta fratura, realidades ainda desconhecidas. A interferência dessas fraturas provoca a quebra de compreensão. E o não-sentido gerado pelo hibridismo da linguagem tem como efeito principal a exigência da busca de novas significações.

No lugar da significação esperada surgem séries infinitas e proliferantes de novas significações. As realidades criadas pelas palavras, neste caso, divergem da ordem estimada dos fatos, faz emergir o acontecimento, rupturas na ordem geral estabilizada.

Neste momento, cabe nos perguntarmos como esse outro sentido plural e divergente afeta a subjetividade. Dito de outro modo, indagamos sobre os efeitos do elo entre o sentido desviante dos signos e a subjetividade.

Há tantos modos de subjetivação quanto diversas são as maneiras de cada um organizar sua existência. Algumas subjetividades desejam mais que tudo a estabilidade, excluem situações que possibilitem qualquer experiência nova, segmentarizam as relações, esquadrinham o viver, institucionalizam o quotidiano. Temendo a desestabilização e o enfrentamento do desassossego que ela traz, fazem sintomas como medida desesperada de lidar com o mal-estar, que o afastam da fluidez do devir, repetem-se em certas figuras identitárias ou calcificam em certas estereotipias que lhes dê o mínimo de segurança, vivem a desterritorialização como precipitação do caos, que pode aparecer como angústia de morte às vezes ou como medo de enlouquecer ou ainda de fracassar. Esta tem sido a forma mais comumente encontrada nos sujeitos com distúrbios de aprendizagem, principalmente no sexo feminino. Chamamos de hipoassimilação projetiva. (Andrade, 2002ª)

Noutro extremo está o modo de subjetivação que não tem a estabilidade como fundamento vital, é o modo de se organizar na vida que suporta a dor, não o sofrimento e a renúncia, mas a dor de ter que abandonar a figura existencial em vigência, de encarar o desconhecido, dor de abrir mão de antigas fórmulas que deram certo, mas que em determinado momento se tornam repetição sem razão de ser. Diz respeito à subjetividade que procura dar passagem para o que vem abalar o que vinha sendo até então e suporta reconhecer que a consistência alcançada não tem mais validade acolhendo a figura da subjetividade que pede novo traçado, embarcando nesse processo que está sempre se fazendo e desfazendo. É a que se permite admitir que aquilo que sempre acreditou não faz mais sentido, que aceita sua finitude e percebe que nada permanece o mesmo para sempre. É o modo de subjetivação que acolhe o mal-estar como sinal de que a vida exige uma nova posição, um novo olhar, uma nova atitude. É um modo de viver, pensar e experienciar as coisas que exige permanentemente criação, que dá conta de abrir mão da estabilidade, inventando possibilidades mais condizentes às novas situações. Entre um e outro desses dois modos de subjetivação, existe uma infinidade de formas que cada um vai encontrar de se fazer na vida vivida.

Entendemos que na produção de repetições acontece o momento de criação de significantes que nos falam metaforicamente do mal estar21 desse sujeito. Uma produção que buscando o passado em si na "diferença interiorizada", na extratemporalidade das lembranças involuntárias, tenta desvelar a verdade contida nos signos. Signos vazios da mundanidade, onde o tempo se perde; signos mentirosos do amor e do tempo perdido; signos materiais da sensibilidade onde o tempo se redescobre; e, enfim, os signos da essência ideal na arte, onde o tempo redescoberto é o tempo puro. Concordamos com Proust quando fala sobre a recordação como repetição criativa:

"...se graças ao esquecimento, não se pôde estabelecer nenhum laço, tecer malha alguma entre si e o momento presente, se ficou em seu lugar, em seu tempo, se conservou sua distância, seu isolamento no côncavo de um vale ou no cimo de uma montanha, a recordação faz-nos respirar de repente um ar novo, precisamente por ser um ar outrora respirado, o ar mais puro que os poetas tentaram em vão fazer reinar no Paraíso, e que não determinaria essa sensação profunda de renovação se já não houvesse sido respirado, pois os verdadeiros paraísos são os que perdemos (Proust, 1989-1990, p.152).

O sujeito, feito autor, pode ir percorrendo o caminho traçado por seu escrito, ora achando que dita as regras do jogo, ora considerando-se diluído em um jogo cujas regras lhe escapam. Tomando a segunda posição, a escrita da história do sujeito é entrecruzada pela interminável história de sua escrita, já que o sujeito reconstrói-se continuadamente a partir das questões subjetivas que o afligem.

O texto pelo qual o sujeito se apresenta é o primeiro, marcado pelo caráter de identidade e pelo esforço de reconstrução racional de sua história, diferentemente das histórias que se edificam pelo ato da escrita, marcadas por conflitos e denunciadoras do caráter trágico da sua condição de sujeito desejante. Portanto, concebendo o lugar do sujeito que se propõe a escrever sobre si como marcado por questões sobre sua existência, a autobiografia não passaria de uma tentativa de responder aos enigmas humanos. A possibilidade de aproximação das respostas se dá no próprio campo do experienciar-se como construtor de si próprio pelo ato da escrita, experienciação que escapa das amarras de um discurso racional e que não permite ser nomeada.

É nesse sentido que se entrecruzam a escrita de uma história e a história de uma escrita. Talvez o sentido de uma autobiografia se encontre e se perca nesse segundo momento, já que a experiência de escrever a própria vida termina por se constituir em mais uma escrita de uma história e assim por diante

Parece não haver motivo suficiente para uma autobiografia, se não houver uma intervenção, na existência anterior do indivíduo, de uma mudança ou transformação radical que a impulsione ou justifique.

Se a mudança não afetou diretamente a vida do narrador, a matéria apta a tornar-se objeto de uma narração limitar-se-ia à série de eventos exteriores, mais condizentes à efetivação do que Benveniste chama de "história", que prescinde de um narrador em primeira pessoa. Ao contrário, a transformação interna do indivíduo provocada por eventos externos proporciona material para uma narrativa que tem o eu como sujeito e como objeto, sendo que a importância da experiência pessoal, aliada à oportunidade de oferecer o relato dela a outrem, estabelece a legitimidade do eu e autoriza-o a tomar como tema sua existência pretérita.

É nesse espaço de posicionamento do sujeito frente a si mesmo que a questão autobiográfica se institui como tentativa de dar conta de sua existência, de sua constituição no que se tornar. É uma escrita que tem como objeto o si próprio, a análise, isto é, a auto-análise da história de uma vida, a vida do próprio sujeito narrada por ele próprio.

As histórias pessoais são impregnadas de significados culturais legitimamente reconhecidos, denunciando os mitos identitários que sustentam o imaginário social. Então, sempre o sujeito está implicado, sua marca está posta nos seus percursos, nas suas escolhas, até mesmo na opção de narrar sua história, prendendo-se narcisicamente a acontecimentos, como pilastras nas quais o eu pode se sustentar.

Assim, a autobiografia situa-se a partir do espaço de singularidade em que o homem passou a se constituir, sendo, portanto, produto da civilização ocidental, passando a marcar um dos modos pelo qual ele pode dar conta de sua história, no contexto mais amplo da História como memória da humanidade. A reconstituição da unidade de uma vida ao longo do seu tempo passa a ser um meio privilegiado de dar testemunho da existência.

Deleuze 22 Gilles DELEUZE. Crítica e clínica. nos ensina que escrever não é impor uma forma a uma matéria vivida, quer dizer, uma escrita dessa ordem não é só colocar no papel fatos passados que vêm à lembrança, sob o que parece mera história pessoal existe uma potência do impessoal que não é absolutamente uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau, antes de tudo a escrita nos traz o inacabado dessas histórias passadas 23, diz do que está em vias de se fazer quando esses acontecimentos ao serem provocados buscam se acoplar ao que se vive na atualidade.

O texto se produz no próprio ato da escritura, a partir da intromissão de elementos oriundos de pontos variados no tempo, que de forma extratemporânea se apresentam a nós na presentidade do escrever. O escritor, pela descontração, pela distensão, pela distração, pela desatenção, aprimora sua percepção, alarga-a e aprofunda-a, como diria Bergson (Silva, 1992, p. 146).

Do prototexto ao texto definitivo nos interessa, aquele que trabalha sob a égide de seus desejos, e que no trabalho de criação transforma-se em leitor de si mesmo, em crítico de si mesmo, amputando, deslocando, denegando partes do texto primeiro, em sucessivas reformulações, até chegar ao texto final, àquele que o leitor encontra pronto na edição finalizada da obra.

Contudo, nos limites deste texto, tentaremos exemplificar uma leitura crítica que procura, pelo exame das omissões, das substituições e dos acréscimos, identificar o inconsciente (n)do texto. Assim como os lapsos e os atos falhos funcionam para o analista como manifestações do inconsciente do analisando, as rasuras e os acréscimos encontrados na comparação entre os manuscritos e o texto final implicam o inconsciente da gênese do texto aos olhos da aprendizagem do (no) humano, histórico.

O devir é um tornar-se sem chegar a ser.

O que a desterritorialização faz é justamente mostrar os caminhos para se romper com esses círculos viciosos de mal-estar, aproveitando a radicalidade da vivência da desterritorialização por ser ela a mais alta expressão de singularidade, de diferença24.

Pensar na desterritorialização no contexto clínico implica em revisitar as marcas, implica em estar atento para onde o desejo se inclina, que movimentos ele nos pede ou muitas vezes nos impõe tamanho mal estar que provoca. Ou, ainda, quando nos impõe um sintoma que nos trava, incapacita ou nos torna bizarros, forçando a que se preste atenção, sinalizando que algo está acontecendo.

O espaço clínico é tomado como laboratório onde a atenção com o mal-estar vai dar pistas dos movimentos do desejo, suas desterritorializações, já que é nelas que reside toda a potência da invenção, quando o estranhamento e o desassossego se tornam forças operatórias.

Notas

1 Para o autor a realidade divide-se em duas modalidades de produção de realidades. Na primeira, localizam-se as práticas centradas no uso de signos, isto é, toda e qualquer atividade envolvida com a expressão. Na outra, as práticas empíricas que envolvem corpos e coisas. É o plano das ações, das visibilidades. De um lado, os atos, realizações vinculadas às enunciações, de outro, as ações mudas, as operações.

2Subjetividade refere-se aos fenômenos psíquicos realizados no/pelo sujeito. Para Guattari o sujeito é o "lugar" de onde a subjetividade pode se denominar, sendo produzida e modelada no social. (Félix Guattari. Caosmose: Um Novo Paradigma Estético. p.11)

3 Estaremos considerando neste caso os termos significado e significância enquanto valor atribuído. Abbagnamo, N. (2000) Dicionário de filosofia. Martins Fontes, São Paulo: p.894.

4 O pensamento é entendido como a trans/ação entre o nível inteligente, que se ocupa do conhecimento, do mundo possível e o nível inconsciente que busca o saber e o mundo do impossível. A possibilidade de pensar é assegurada pela ignorância que permeia o saber isolando-o do conhecimento impedindo dessa forma o sintoma e a loucura. As experiências emocionais precoces, nas quais a relação com a mãe tem fundamental importância, influenciam a formação do pensamento nos processos de simbolização e discriminação da criança.Para Aulagnier:":...na relação mãe-filho, será no registro do pensar que se instituirá uma luta decisiva respeitante à aceitação ou recusa por parte da mãe de reconhecer a diferença, a singularidade, a autonomia desse novo ser que fez parte de seu corpo..." (1990:270)

Na elaboração da castração do pensamento o conhecimento reveste-se de um significado fálico. Para a Psicanálise o pensamento seria o substituto do desejo alucinatório constituindo-se como tal na diferenciação entre realidade e fantasia. O pensamento surgiria da ausência de um seio pois se a capacidade de tolerar a frustração for suficiente, o não-seio se transforma em pensamento e desenvolve-se um aparelho para pensá-lo.

Esse processo conduziria ao aparecimento de funções essenciais para a inteligência tais como a atenção e a memória. Diante dessas colocações consideramos inerente à autoria de pensamento:" ... a liberdade de conhecer, tanto o bem vindo como o não querido, os pensamentos ansiosos, os pensamentos sentidos como maus ou loucos, assim como os pensamentos sentidos como construtivos e os sentidos como bons e sadios...Mas como todas as liberdades, também é sentida como um laço já que nos faz sentir responsáveis pelos nossos próprios pensamentos". (Segal,1982:301)

5 Linguagem como "conjunto de sinais falados, escritos ou gesticulados que serve ao homem para exprimir suas idéias e sentimentos" (Michaellis, 1998, p.1260) sendo, portanto manifestação concreta da articulação do pensamento inteligente e pensamento desiderativo. Desta forma as manifestações lingüísticas podem ser entendidas como pensamento em ação. Por outro lado toda e qualquer linguagem é simbólica, contém dados objetivos e parcela do mundo subjetivo daquele que a produz. Neste sentido articula dois níveis lógicos: a lógica da inteligência que funciona pela classificação, ordenação, seriação etc... e a lógica do inconsciente que funciona pela metáfora e metonímia. Estes dois níveis, apesar de se articularem não podem se interseccionar sob pena de comprometer a produção lingüística e, consequentemente, a compreensão da mensagem ali contida.

Vamos também considerar que o conteúdo de toda manifestação lingüística se apresenta em dois níveis: o conteúdo manifesto e o conteúdo latente. Estamos chamando de conteúdo manifesto a parte da manifestação lingüística que é regida pelo pensamento inteligente e de conteúdo latente a parcela que emerge do pensamento desiderativo e que se apresenta como a metáfora da realização do desejo. (Andrade, M. A linguagem e a pesquisa em psicopedagogia. In: Andrade, M. S. A produção do conhecimento. Métodos e técnicas de pesquisa em psicopedagogia. Editora Memnon/UNISA, São Paulo, 2002)

6 Língua é um produto social da capacidade de linguagem.

7 A noção de marca é utilizada por Suely Rolnik em lugar do conceito de trauma que seria mais estanque e determinista. Suely ROLNIK. O mal estar da diferença. 1993.

8 Estamos utilizando a palavra signo no lugar de sintoma por acreditarmos que o signo indica a marca, e não a doença. Um signo remete sempre a outro signo e assim sucessivamente.

9 Temos representado esse movimento ininterrupto de constituição de subjetividade pelo prefixo acrescido de /, como em re/conhecer, trans/formar, des/velar. Dessa forma as palavras assim escritas devem ser entendidas como fluxo infinito de uma forma particular de mudança que de acordo com o pensamento de Aristóteles "vai do nada ao ser e do ser ao nada": o devir.

10 Para a lógica, os paradoxos são a conseqüência da tentativa de totalizar onde isso é impossível. Koyré e Russell colocam a impossibilidade da totalização como fonte de todos os paradoxos e propõem como solução estipular restrições de forma a impedir a produção de tais afirmações paradoxais. Para a psicanálise o surgimento do paradoxo é inevitável na medida em que é inerente à estrutura da linguagem.

11 O conceito de ato é, com o de potência, um dos conceitos centrais da filosofia de Aristóteles. Constituem ambos uma tentativa de explicar o movimento enquanto devir. A mudança de um "objeto" só é inteligível se houver nele uma "potência" de mudar: a mudança é a passagem de um estado de potência ou potencialidade a um estado de ato ou atualidade -- a passagem da potência de ser algo ao ato de o ser. Utilizando exemplos de Aristóteles: uma estátua (ato) está em potência na madeira; o ser que não especula, embora tenha a faculdade de especular, é um sábio em potência. O ato é, então, a realidade do ser. Diz-se do que está em ato, por oposição ao que está em potência.A potência, entende-a Aristóteles sobretudo em dois sentidos: como o poder que uma coisa tem de produzir uma mudança noutra coisa -- e (o significado mais importante para a Metafísica de Aristóteles) como a potencialidade residente numa coisa de passar a outro estado.

12 Para o autor a realidade divide-se em duas modalidades de produção de realidades. Na primeira, localizam-se as práticas centradas no uso de signos, isto é, toda e qualquer atividade envolvida com a expressão. Na outra, as práticas empíricas que envolvem corpos e coisas. É o plano das ações, das visibilidades. De um lado, os atos, realizações vinculadas às enunciações, de outro, as ações mudas, as operações.

13 A diferença advém da repetição, ela habita entre uma ordem de repetição à outra, é a "novidade" que está entre elas. As duas noções são interligadas. Gilles DELEUZE. Diferença e Repetição. p 61

14 Devir é um vir a ser sem chegar a tornar-se. É o caminho e não a chegada. O conceito de devir é essencial nas inquietudes filosóficas de Deleuze e está vinculado com seu propósito de imaginar a atividade do pensamento como um modo diferente de se manifestar. A noção de devir de Deleuze é uma adaptação tomada de Nietzsche e, portanto, é profundamente antihegeliana. Devir é a afirmação do caráter positivo da diferença, entendida como processo múltiplo e constante de transformação. É a renúncia das identidades fixas em favor de um fluir de devires múltiplos. Ver Gilles DELEUZE e Félix GUATTARI. Mil Platôs Capitalismo e Esquisofrenia. vol.4.

15 Gilles DELEUZE. Proust e os signos. cap. III

16 Gilles DELEUZE. Diferença e Repetição.

17 Gilles DELEUZE. Diferença e Repetição. p.30

18 Gilles DELEUZE. Diferença e Repetição. p.28.

19 Alegria é um conceito desenvolvido por Espinoza para referir-se a um tipo de paixão, ou seja, uma paixão alegre refere-se ao efeito de uma modificação que aumenta a potência do ser, que possibilita uma composição. Quando o sujeito está entregue às paixões alegres que convém à sua existência é capaz de chegar à potência de agir, a sair do imobilismo, da passividade Gilles DELEUZE, Espinoza e os signos, p. 40.

20 Estamos considerando essas marcas à partir da desterritorialização provocada pelas etapas do processo de castração . ANDRADE. A escrita inconsciente e a leitura do invisível.

21 A noção de mal-estar utilizada aqui é relativa ao desassossego vivido quando algum território existencial é desestabilizado, não se refere ao termo utilizado por Freud no início deste século, em 1930, para referir-se à infelicidade, ao sofrimento intrínseco à cultura, partindo do princípio que o processo civilizatório nos obrigaria a subjugar nossos instintos trazendo sofrimento e perda. No texto ‘Mal-estar da civilização’ publicado em 1930. Ver Sigmundo FREUD, Obras Completas, v.3, p. 3017-67.

22 Gilles DELEUZE. Crítica e clínica.

23 O tempo em Deleuze não se dá como sucessão, mas como coexistência virtual, centro descentrado, onde o presente é referência fundante, pois é sempre no presente que o sujeito se encontra. O tempo para ele é rizomático onde cada ponto pode conectar-se com qualquer outro considerando-se a tripartição em passado , presente e futuro. Peter Pal PELBART. O tempo não reconciliado, p. 124

24 Peter Pál PELBART. Da Clausura do Fora ao Fora da Clausura: Loucura e Desrazão.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 19 - Julio 2004
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