Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
O testemunho da psicanálise em instituição filantrópica
Gustavo Saboia de Andrade Reis

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Agradecemos a Dra. Maria Cristina Rios Magalhães pela oportunidade de expor nossas idéias e agradeçemos também as sugestões feitas, desta forma revisando o texto, passível de outras revisõe a partir de sugestões e críticas da comunidade.

Resumo:

O texto pretende tratar da psicanálise em pacientes que apresentam psicoses acompanhados de quadros orgânicos. Dando início a uma pesquisa clínica, buscamos diferençar psicoses enquanto fenomenologia, de psicótico definida por uma estrutura. Dando ênfase ao acolhimento ao paciente e acompanhamento aos pais na manutenção e possibilitadora do tratamento.

Unitermos: Quadros orgânicos - psicanálise – psicoses

 

Introdução:

Propomos aqui uma discussão e um levantar de questões sobre a psicanálise no tratamento em pacientes que apresentam quadros orgânicos em atendimento clínico numa instituição filantrópica.

Sigmund Freud dizia que a psicanálise só é possível se houver uma neurose especifica, a neurose de transferência, - neurose obsessiva e histeria - desta forma descartando a psicanálise nas psicoses.

Sigmund Freud, em 1914, em Introdução ao narcisismo coloca que :

" os parafrênicos, exibem duas características fundamentais: megalomania e desvio de seu interesse pelo mundo externo – de pessoas e coisas. Em conseqüência da segunda modificação – tornam-se inacessíveis à influência da psicanálise e não podem ser curados por nossos esforços" pg. 90 ESB, Vol. XIV, p 90.)

Jacques Lacan diz que existe um tratamento possível: o psicótico entra em análise e mesmo que haja interrupções se faz necessário a sua retomada.

Entendemos que sintomas como ansiedade e inibições são comuns em um tratamento, tratamento estes marcados pela fala do sujeito e a escuta do analista.

Um sujeito que não quer saber de sua própria verdade, imerso em uma fantasmática que o oprime na certeza de um absurdo imaginário. O psicótico padece de seus próprios delírios, numa realidade irreal vivida por este como real.

Então porque será que se torna problemática a psicanálise nas psicoses?

Sigmund Freud deixa um campo aberto para a pesquisa e clínica das psicoses, o que se comprova desde os seus primórdios. Psicanalistas dedicados a esta clínica deixam em evidência que a psicanálise é possível e efetiva nestas estruturas ou modos de existência. A neurose inclui uma fantasmática, palco de uma tragédia familiar, do desejo ocultado pelo sintoma, à perversão explícita no imaginário, de uma realidade psíquica conflitante no seu confronto real com a realidade concreta. Já na psicose, uma impossibilidade da relação com o mundo externo, uma realidade psíquica destruída pelo destino.

Então, a escuta de pacientes com comprometimento orgânico não passaria pelas psicoses ? A nosso questão aqui abre para a reflexão de quadros orgânicos nós exibem uma psicose que não estrutural, mas partindo do próprio quadro geral.

Em muitos casos há uma completa incapacidade do paciente de verbalizar seus anseios. Parecem indivíduos enclausurados em seus corpos anômalos, lembrando aqui muitas vezes autismos.

Desta forma propomos tratar estas patologias como psicoses e não sujeitos psicóticos. Fazendo uso de contraponto para a reflexão um caso clínico onde temos um psicose acompanhada de epilepsia

Desenvolvimento

A partir do que foi testemunhado, não somente nos atendimentos clínicos feitos por nós, mas como também em paciente atendidos pela instituição. Encontramos nestes pacientes, danos reais neurológicos, psicomotricidade comprometida e discursos referentes a sujeitos psicóticos.

A questão é de que se trata de uma deficiência, que ocultaria um sujeito na sua articulação possível dentro da linguagem. Até que ponto um tratamento se torna benéfico ou ao pior ?

Para que este sujeito, em meio a todas as suas limitações, possa falar, fazendo uso dos recursos que melhor lhe aprouver, ou seja, fazer uso de instrumentos, tais como lápis, papel, brinquedos, objetos, afim de que se presentifique o surgimento do discurso tornando possível a construção de uma fantasmática e sua travessia.

Constatamos, assim, duas posições discursivas :

Cabe aqui uma reflexão da função de uma análise nestes casos evidente que saindo de comentários gerais a uma caso específico.

 

Fragmento Clínico

Vemos no atendimento de um paciente com hipótese diagnóstica de psicose acompanhada de quadro de epilepsia, no manejo terapêutico fatores importantes tais como: a questão do horário, o paciente buscando fazer relações de tempo e espaço (temporalidade das sessões), construindo delimitações e semelhanças entre objetos e coisas. Será que poderíamos considerar estes eventos como construções em análise ? Constatamos os efeitos terapeuticos de início de tratamento, como uma redução considerável das crises convulsivas, da agressividade, da impulsividade e de uma série de comportamentos anti-sociais (queixa da família e muitas vezes da própria instituição).

O que encontramos no tratamento é uma transferência particular, o que se opõem ao que diz Sigmund Freud. Observamos efeitos reais de uma análise neste atendimento que estamos relatando que não se pretenda uma psicoterapia corretiva e muita menos pedagógica, mesmo sabendo que o acompanhamento médico é necessário em decorrência da quadro organico e do grau de risco que comporta a patologia em sua totalidade.

Neste caso clínico, no histórico do paciente, depreende-se que o seu nascimento ocorreu entre abortos espontâneos. Houve uma toxoplasmose aos dois anos, e os pais deixaram bem claro que demoraram a socorrê-lo. A família apresenta um histórico de doença mental. A mãe se mostra ambivalente em relação ao filho, e, muitas vezes inteiramente indiferente a este. Apresenta atitudes que podemos chamar de perversas, como promover desentendimentos entre os irmãos. O pai sempre busca contornar as situações críticas, negociando com o filho o controle de seu comportamento indesejável. Este, efetivamente induzido pela mãe, desde confrontos físicos com o irmão mais velho, até afogar um cachorro no tanque de lavar roupa. Podemos fazer a seguinte interpretação de que se trata de uma família que aguarda a morte do filho como se fosse uma solução para anos de sofrimento e ou como uma espera da família e ver um dos seus membros chegando ao fim de suas vidas.

Lembraríamos aqui, em meio a uma sessão, o paciente abre a porta da sala de atendimento e grita " Mãe !" , onde está a mãe para este paciente ? o paciente olha para o pai e fecha a porta. Senta-se e tem um período de ausência. Se dermos à realidade o estatuto de ordem ou linguagem, algo não operou na articulação do sujeito com a linguagem. Jacques Lacan nos fala da foraclusão, ou rejeição do Nome do Pai que vem para barrar o desejo da mãe, se fazendo insuficiente e retornando do real.

O paciente durante as sessões passa por períodos de ausência e tontura coloca uma das mãos sobre a cabeça, evitando como de costume a falar do que ocorreu. Levamos aqui em consideração os danos reais neurológicos. Cada convulsão implica em uma acentuação do quadro clínico, visto não apenas as ausências, mas a evidente debilidade em decorrência de anos de crises convulsivas. Apresentando um discurso perseverante, tangencial e delirante

Observamos que não há apenas uma incapacidade de elaboração, o paciente apresenta um real déficit de compreensão e períodos que somam ausências e a gradativa conexão com a realidade.

Lembramos, quando Freud assinala:

"Mas o afastamento do parafrênico do mundo externo necessita ser mais precisamente caracterizado - ele parece realmente ter retirado sua libido de pessoas e coisas do mundo externo sem substitui-la por outras na fantasia. Quando realmente as substitui, o processo parece ser secundário e constitui parte de uma tentativa de recuperação, destinada a conduzir a libido de volta a objetos" (Op. Cit., p.90).

Não seriam estes períodos de ausência, uma retomada de um estado anterior ? Cremos que essa hipótese pode ser confirmada no retorno a uma realidade da sessão, quando o paciente diz: "Agora estou melhor, estou calmo ". Perguntamos: "o que houve ?" e faz sinal de negativo. Seria um não querer saber ? ou um não suportar querer saber do que experimentou nesta suspensão?

Na ausência, o sentido de ser se torna nulo. Não há o que compreender. O sujeito se desmancha na crise e retorna nesta temporalidade, onde não há sujeito e sim uma nulidade de existência.

Procedimentos estratégicos que se mostraram necessários para o tratamento e manejo da transferência.

- Primeiro, notamos que a transferência evidencia que há análise.

- Segundo não tomamos medidas pedagógicas com o paciente. Buscamos acolhê-lo , para

que ele possa falar, para que o sentido advenha dele. Permanecemos na função de analista, causando uma construção, pontuando o discurso do paciente. Ficamos em silêncio, para que o paciente possa falar, se ouvir e fazer algo com o que ouve. Há uma completa desorganização apresentada ao início do tratamento, em direção a uma gradativa organização.

Mas o que é uma organização ?

Trabalhamos aqui com o conceito de organização, de dispor em conjunto elementos dispersos e propo-los em um sistema de sentidos, onde o sentido é proposto pelo paciente em meio a toda sua confusão deliróide. A temporalidade das sessões (o intervalo entre um atendimento e outro), como marco interpretativo e possibilitador desta organização. Logo, temos uma medida terapêutica sem que o tratamento perca a sua característica de uma psicanálise, havendo desta forma a construção de delimitações cognitivas. É na relação transferêncial, que o sujeito não ficará à deriva em seu caos delirante e em suas rupturas epilépticas. Em meio à indiferenciação sexual, do que é bom ou mal, da paranóia, de quem busca condições para a própria vida, de ir traçando possibilidades de viver de forma não tão combatente consigo mesmo e com outrem.

Os pais, quando há crises levam o paciente de médico em médico, que intervém. Com a suspensão das crises a mãe do paciente altera as prescrições e as crises convulsivas retornam com intensidade.

Abrimos então cinco hipóteses de desencadeamento de crises convulsivas:

1º - alteração de prescrição da medicação por parte da mãe e o uso de inúmeras medicações durante anos;

2º - periodicidade das crises tendo como desencadeante o relacionamento do paciente com a família e mais especificamente com a mãe;

3º - as convulsões como evidência natural de epilepsia;

4º - a convulsão como possessão paranóica (fenômeno psicótico);

5º - a convulsão intencionalmente provocada pelo paciente para um jogo de manipulação.

Retornemos ao caso.

Dos jogos com baralho, o paciente busca semelhanças, elege as cartas com números e diz: "essa casa com esse". As cartas figuradas, K,D,A,J são descartadas, inclusive o coringa que o paciente diz não servir para nada. Para o paciente não há Rei, não há Dama e não há Valete e A’s. Diz que quando crescer irá ter uma mulherzinha e vai mudar de casa. Não há para este o outro enquanto possibilidade de identidade, não há diferença entre um e outro, mas meras semelhanças numéricas.

De início, representamos para o paciente algo a ser combatido, a ser eliminado. É extremamente agressivo durante as sessões. Após isto começa a produzir, de desenhos incoerentes e remendados a lineares, com alguma composição.

Interrupções ao tratamento são comuns, até que cessaram, com a criação de critérios, visto o histórico de atendimentos institucionais, que foram interrompidos pelo comportamento do paciente.

Seguem os critérios:

Atendimento só é feito caso o paciente esteja acompanhado pelo pai ou pela mãe a não ser em casos excepcionais, onde um parente deve se responsabilizar por este no interior da instituição, evitando qualquer tipo de problema, seja da agressividade e da impulsividade. Quando o paciente estiver em crise deverá ficar em casa e o pai ou a mãe deverão se apresentar para uma reunião, o acompanhamento será junto à família, pelo telefone ou em encontros após os atendimentos. Deverá ser dada uma atenção rigorosa ao controle da medicação. Não sendo recomendável falta aos atendimentos.

Ao analista compete estar à disposição da família para suportar períodos de ansiedade familiar e que o acompanhamento seja de importância para a manutenção do tratamento. E principalmente o atendimento ao paciente.

Mesmo parecendo aqui medidas extremas, se fizeram necessárias para que a própria instituição não sentecia-se o tratamento como não possível e que fosse oferecido a família em estado de urgência uma contenção para que o tratamento tivesse continuidade. Problemas institucionais se revelam de forma contraditória ao mesmo tempo que tem como objetivo a assitência ela exclue do tratamento casos graves que implicam um certo incomodo. E desta forma tivemos que intervir tanto junto a instituição quanto junto a família, como mediador.

Sobre o acolhimento

Como técnica e não como expressão idealizada do ajudar, acolhimento implica em possibilitar o tratamento e não em estigmatizar o paciente, colocando no lugar do necessitado.

O surto de agressividade e a resistência do analista.

"As provas da psicanálise demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdurou por certo tempo – casamento, amizade, as relações entre pais e filhos – contém um sentimento de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em conseqüência do recalque " Sigmund Freud – Psicologia de Grupo e Análise do Ego

Após um evento de surto de agressividade do paciente segue aqui o relato de um acontecimento, do insuportável de tolerar a agressividade, mas ao mesmo tempo, como condição de fazer efeito de causa no analista de sustentar a possibilidade do tratamento.

 

Evento:

Recordamos de um evento que o paciente chega para o atendimento, extremamente agressivo, se tranca no banheiro, jogando objetos nas pessoas, apresentando-se desorientado e confuso, o analista buscando conter o paciente, se angustia diante da situação que se torna sem controle, tendo que chamar os pais para buscá-lo na instituição (isto mostra claramente o quanto é difícil, muitas vezes contornar as situações, despertando no analista uma impotência, atravessado pela angústia, ao mesmo tempo colocando em causa, na elaboração de estratégias para contornar situações críticas e observando que este evento faz parte evidentemente do tratamento).

Conversamos com a mãe do paciente, angustiados, mas ao mesmo tempo surge no analista a implicação ao tratamento, e é de um evento onde se trata da agressividade, que mobiliza o analista sobre a sua própria agressividade, é do surgimento de uma situação delicada, que ao analista compete refletir sobre o que o mobiliza. Chamar a mãe do paciente como aquela que teria controle sobre a situação. Lembramos aqui a fala do pai, "só você mesmo que banca está parada, porque outros caíram fora."

Só é possível o acolhimento, se ao analista suas questões pessoais não estejam em jogo, e no esvaziar de sua história, que advém a escuta do analista e o acolher como condição primeira de tratamento, Acolher aqui não é colocar o paciente no colo ou abraça-lo, a se fazer de um pai ou mãe que sumplantariam a falta dos originais, em situações de crise. E esta palavra crise que de pronto nos impede o olhar e comprender o que se passa, e a posteriori em conclusão que nós abre perspectiva de intervenção. Acolher é estar aberto a receber o outro, mas o que acolhemos não é um amigo, uma namorada, um parente, mas uma pessoa que apresenta um quadro clínico severo. Pretendemos discutir aqui como acolher, como fazer um fechamento, para a captação do paciente para o tratamento em meio a resistência do analista e o quadro clínico do paciente.

É inegável que o material apresentado em análise mobilize o analista sem o qual não será possível um distanciamento, é no acolher o outro, como artefato para tratamento que temos então um marco de uma entrada em análise.

 

Busacmos agora aqui fazer uma paralelo mesmo que seja breve de conceitos como a contra-transferêcia (D.W.W.) e resistência do analista (Lacan) mesmo que sejam opostos observamos a presença de um fenômeno de repulsa desta forma fazendo alguma aproximação. A partir do evento de agressividade do paciente e o estado do analista que não sobe contornar a situação.

Consideramos que D.W.Winnicott, traz em seus textos: A Contratransferência (1960) O Ódio na Contransferência (1947) e Agressão e sua relação com o desenvolvimento emocional (1950) grande contribuições para este relato. Mesclando estes três textos de D.W.W, nos causa uma reflexão. Segundo D.W.W:

A conclusão que chegamos que se há contratranferência o analista está reagindo, e se reage, evita ou resiste não só ficar na função de causa mas como também se coloca impossível fazer uso de instrumento o acolher, e se isso ocorre, o tratmento se torna impossível e acabamos reforçando sintomaticamente que a psicanálise é impossível nas psicoses. Desta forma é o analista que evita o contato com a problemática, o material apresentado o mobiliza e baixa a quilhotina sobre o caso e reforça a decisão de uma instituição em encerrar o tratamento, como já explicitado acima.

Na realidade, isso é de extrema importância para um clínico, é em situações críticas que lhe aguçará, estabelecer estratégias para a virada do jogo, para a aproximação junto ao paciente e sua família. Teremos então que definitivamente superar questões próprias, para poder acolher o paciente e estar sempre atento para que a situação não se reverta.

A partir de uma série de eventos chegamos a algumas conclusões:

Buscando contornar rompantes de abraços exagerados, explicando ao paciente que não é necessário desta forma, o abraçando lentamente ao aperto de mão, de uma proximidade extrema a um distanciamento gradativo e lento.

Então acolher é estar disponível, realmente haverá a resistência do analista (Lacan) que deverá superada, e como diz D.W.W , "o ódio vem no fim da sessão". Aqueles 30 minutos poderão se tornar 3 horas para o analista. E no atravessar destas problemáticas que a análise do paciente se torna possível. E temos o tratamento, o paciente vem e sabe que tem uma hora marcada, sabe que vai voltar, sabe que para ele é importante que ele venha, caso contrário não perguntaria "quando eu volto" e respondo "até a próxima".

Como encerrar uma sessão ?

Uma sessão dura em média 30 minutos, o paciente chega na hora, busca transpor o que diz para o papel fazendo uso de lápis ou caneta. Durante um certo tempo transcorre-se uma sessão, onde há uma produção, um trabalho e o paciente produz, mas quando é que isso se encerra. Encerra-se pelo tempo estabelecido ? talvez, pela produção ? mas como se avalia que uma sessão chegou a seu termo.

Observamos três situações:

Mas, se o analista não conduz a sessão, no sentido de propostas iniciais dentro do contexto discursivo, não há produção e ficamos apenas na tese já explicitada acima da temporalidade das sessões como marco interpretativo (que não deixa de ter a sua importancia), mas aos poucos foi se notando na transferência que não se trata apenas de intervalo entre uma sessão e outra, é do surgimento do material apresentado que aos pouco o analista foi manejando a transferência e se o analista não propõem formas de expressão, não há produção.

Lembramos de uma sessão que o paciente pega uma bola e diz "com a mão não pode, e o questionamos, e responde "só com o pé, com o pé é um ponto e com a mão e zero ponto, e pontuamos "como assim ? e o paciente repete o que diz e lhe pedimos que pegue um papel e uma caneta e mostre como é essa relação de número, pé e mão, e durante a sessão a bola vem e vai, o paciente pega a bola com a mão e anota um zero, chuta a bola, um ponto e o paciente diz "um ponto para mim, zero para você, um ponto para mim, um ponto para você e vai anotando em um papel e então temos o seguinte retrato.

0 1 0 1 1 0 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 1 1 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 0 0 1 1 1

Marcações, pontuações, relações entre números, o zero é diferente na relação do que não vale pelo um que é positivo e válido na relação do jogo da bola com o pé e do jogo da bola com a mão.

Em outra sessão:

O paciente senta-se sobre a mesa e começa a nos agredir, o que deveríamos ter feito ? Devemos trabalhar de forma diretiva inicialmente, para que a sessão transcorra sem muitas interferências do analista, a não ser por suas pontuações então temos uma progressão e evolução da sessão e seu termo quando o paciente diz só mais uma vez. Fim da sessão.

Temos a transferência, o seu manejo, as associações que sejam livres, a atenção flutuante do analista, intervenções de efeito interpretativo e terapêutico e principalmente a busca da dimensão do que se trata um fim de uma sessão.

Justificativa:

A instituição recebe para tratamento as mais variadas patologias designadas por seu próprio estatuto como excepcionais. Os pacientes apresentam síndromes, psicoses acompanhadas de quadros organicos, retardos mentais leves à graves estando ou não incluindo nas sindromias e deficiências.

Compreendemos, as psicoses em pacientes acompanhados de quadros orgânicos, muitas vezes se apresentam inteiramente alheios ao mundo externo, atendidos por terapêuticas com medidas pedagógicas e comportamentais. Compreendemos aqui psicótico (enquanto determinado por uma estrutura subjetiva), o paciente que apresenta sintomas referentes, como delírios, discursos perseverantes e tangenciais entre outros, podendo ou não estar acompanhados de quadros organicos de menor à maior grau.

Os pacientes em sua maioria são medicados como psicóticos com o intuito de contornar e combater sintomas apresentados: Agressividade, impulsividade, onanismo, atitudes antisociais, compulsões entre outros.

Defendemos a psicanálise nos casos que designamos como psicoses e psicóticos acompanhados de quadros organicos. Sem descartarmos a importância de medidas pedagógicas e comportamentais, na luta contra a deterioração natural e evolutiva das patologias.

A investigação pretende-se a distinção dos sintomas psicóticos de uma psicose em decorrência do quadro orgânico sem que se evidencie algo da ordem da estrutura subjetiva, mais da sintomatologia. E que de uma psicanálise advenha o sujeito do desejo, um sujeito singular. Observamos que na literatura psicanálitica, encontramos psicanalistas envolvidos nesta clínica e pesquisa, evidenciando a possibilidade da psicanálise. Como Maud Mannoni, Rosine e Robert Lefort, Donald Meltzer, Margareth Mahler entre outros, defendemos que a psicanálise deve ser oferecida a estes pacientes como um recurso de tratamento efetivo, mas um tratamento particular, que não se inclui como, comportamental ou pedagógico. E que os critérios apresentados acima, tem como objetivo possibilitar a análise dos pacientes em questão, de intervenções como acompanhamento familiar ao atendimento ao paciente.

Conclusão:

Para concluir, sustentamos que a psicanálise nas psicoses é possível, havendo uma direção para o tratamento e principalmente a composição de estratégias, onde é considerada a existência do Inconsciente, da existência de um sujeito que não é natural ou biológico, podendo estar ocultado pelo silêncio das anomalias orgânicas. É na aposta em uma análise que naquele indivíduo, portador de um quadro orgânico, advenha um sujeito.

Michel Foucault, em seu célebre texto: "A História da Loucura", nos ensina que a experiência da loucura é impossível para o racionalismo. As tábuas de classificação são apenas uma linguagem, um sentido sobre a existência do indivíduo, mas uma classificação que vem de fora para este, onde a ciência dá o seu veredicto e eleva-se enquanto ciência pela vias das disposições de um discurso científico que capta o sujeito, o anulando de sua verdade e legislando sobre este, condenado a desrazão.

Já que fazemos parte de um racionalismo que se supõem cientifico, então para que serve a psicanálise ? Foucault neste mesmo texto comenta que Sigmund Freud traz o Inconsciente, dando ao sujeito o estatuto de singular, de particular, muito diferente do alienismo do século XVII-XVIII, que ao louco seu estatuto era o de alienado, do fora da razão, e na psiquiatria do fim do século XIX e início do século XX, na sua busca incessante da causalidade lesional da loucura.

Considerar psicanálise como ciência, não tem o mesmo estatuto científico do racionalismo comentado acima, mas implica em um discurso analítico onde se leva em consideração, o Inconsciente. É a psicose que nós dá o desafio para uma escuta analítica e tratamento sem que repitamos as medidas históricas, morais e pedagógicas sobre o louco.

4 de outubro de 2002

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