Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Da Escravaria
(Por as coisas em seu lugar omite o lugar daquele
para quem há lugar para por as coisas...)
José Marcus de Castro Mattos

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(...) pôr em seu lugar o que está em questão.
Afinal, se algo tem sentido no que nos preocupa, só pode ser o de pôr as coisas em seu lugar.
JACQUES LACAN, O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970) (2)

São sempre as coisas mais visíveis, à mostra, as que menos vemos.
JACQUES LACAN, O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970) (3)

 

1

O que segue é talvez uma carta – portanto, observa Lacan, talvez "uma carta de almor" (4): nela dou o que suponho ter e não tenho a quem supõe demandá-lo e não o quer...

Permitam-me então abrir com algo que – se os ventos forem favoráveis – orientará minha errância (5):

De todas as coisas a guerra (pólemos) é pai; de todas as coisas, senhor – a uns, fez deuses; a outros, homens; de uns, fez escravos; de outros, livres.

HERÁCLITO (540 - 470 a.C.), Fragmento 53 (6)

Imediatamente, provoco a escuta de cada um para o título: ouçam da escravaria e não sobre a escravaria... Isto significa que o genitivo é a um tempo subjetivo e objetivo: subjetivo porque o comentário supõe pertencer como propriedade – e, se feliz, com propriedade – à escravaria; e objetivo porque supõe demarcar um lugar de discurso, significando então desde a, a partir de (inspira-me o extraordinário título escolhido por Heidegger para a talvez mais capital de suas conferências, proferida em 1930: Vom Wesen der Wahrheit, isto é, desde (Vom) a essência (Wesen) da verdade (der Wahrheit), pertencendo à mesma).

2

Assim, não faço com Lacan o que ele faz com Freud: ao invés de acompanhá-lo eu vou segui-lo – a rigor, per-segui-lo, a saber, realizar o périplo (a volta completa) em sua exposição sobre a "ladra", a "seqüestradora", a "traidora" filosofia (metafísica, para os peritos (7)) –. Portanto, natural e inevitavelmente este périplo – esta per-seguição – incidirá sobre a própria exposição lacaniana, incluindo-a precisamente ali onde ela supunha mostrar as razões de sua exclusão...

Com efeito, desde já este "o que Lacan faz com Freud" é decisivo para a inteligibilidade das páginas seguintes – cito Lacan:

 

Nós não seguimos Freud: o acompanhamos. Que uma noção figure em algum lugar na obra de Freud nem por isso nos assegura de que a manejamos no espírito da pesquisa freudiana(8).

 

Ora, se o que Lacan faz com Freud é acompanhá-lo para então se assegurar de que está manejando as noções no espírito da pesquisa freudiana, inaugurando o cercamento eu pergunto: 1) qual a diferença entre seguir e acompanhar Freud?; 2) qual o estatuto lógico-conceitual deste acompanhar ?; 3) por que fazê-lo?; e 4) quais as conseqüências teórico-práticas deste ato?

3

Num primeiro momento cito Lacan e em seguida faço-o incidir sobre si mesmo. Os trechos são os seguintes (9):

(...) é fato, determinado por razões históricas, que essa primeira forma (S¹ ÿ S²), a que se enuncia a partir desse significante que representa um sujeito ante outro significante, tem uma importância toda particular na medida em que, entre os quatro discursos, ela se fixará no que iremos enunciar este ano como a articulação do discurso do mestre. (: 18.)

O discurso do mestre, penso que é inútil informar-lhes sua importância histórica (...), a filosofia só fala disso. Antes que falasse apenas disso, isto é, que o chamasse por seu nome – pelo menos é o que ressalta em Hegel, e é muito especialmente ilustrado por ele –, já estava manifesto que era no nível do discurso do mestre, do senhor, que aparecia algo que nos concerne quanto ao discurso, seja qual for sua ambigüidade, e que se chama filosofia. (:18.)

S¹ é, para andar rápido, o significante, a função de significante sobre a qual se apóia a essência do senhor. Por um outro lado, vocês talvez se lembrem do que enfatizei muitas vezes no ano passado – o campo próprio do escravo é o saber, S². Lendo os testemunhos que temos da vida antiga, em todo caso, do discurso que se emitia sobre essa vida – leiam sobre isto o A política, de Aristóteles –, não fica qualquer dúvida sobre o que afirmo quanto ao escravo, caracterizando-o como suporte do saber. (: 18.)

(O escravo) está lá (na família) porque é aquele que tem um savoir-faire, um saber-fazer. (: 19.)

Ora, o que é que acontece sob os nossos olhos e que dá um sentido, um primeiro sentido – vocês terão outros – à filosofia? Afortunadamente, temos sinais disso graças a Platão, e é essencial recordá-lo para pôr em seu lugar o que está em questão. Afinal, se algo tem sentido no que nos preocupa, só pode ser o de pôr as coisas em seu lugar. O que designa a filosofia em toda a sua evolução? Isto – o roubo, o rapto, a subtração de seu saber à escravaria, pela operação do senhor. (: 19.)

Para perceber isto, basta ter um pouquinho de prática dos diálogos de Platão. (: 19.)

Está aí todo o esforço de deslindamento do que se chama episteme. É uma palavra engraçada, não sei se vocês alguma vez refletiram bem sobre ela – colocar-se em boa posição –, é em suma a mesma palavra que verstehen ["re-posicionar-se para compreender"]. Trata-se de encontrar a posição que permita que o saber se torne um saber de senhor. A função da episteme especificada como saber transmissível – remetam-se aos diálogos de Platão – é sempre tomada por inteiro das técnicas artesanais, quer dizer, dos servos. O que está em questão é extrair sua essência para que esse saber se torne um saber de senhor. (: 19.)

Em suma, o que está em questão no caso é o estatuto do senhor. (...). Interessa-nos porque o que se desvela (...) é a função da filosofia. (...). A filosofia, em sua função histórica, é essa extração, essa traição, eu quase diria, do saber do escravo, para obter sua transmutação em saber de senhor. (: 20.)

O que disse aqui apresenta pelo menos, a partir do momento em que é mostrado, o caráter de revelação de uma evidência – quem pode negar que a filosofia tenha sido sempre um empreendimento fascinatório em benefício do senhor? No outro extremo temos o discurso de Hegel e a enormidade ("barbaridade") chamada de Saber Absoluto. O que pode querer dizer Saber Absoluto, se partimos da definição que me permiti lembrar como primordial para o que está em nosso encaminhamento referente ao saber? (: 21.)

Há de fato uma pergunta a ser feita. O senhor que realiza essa operação de deslocamento, de transferência bancária, do saber do escravo, será que ele tem "vontade de saber"? Um verdadeiro senhor (...) não deseja saber absolutamente nada – ele deseja que as coisas andem –. (...). Como terá chegado o filósofo a inspirar o desejo de saber ao senhor? (: 21.)

4

Em síntese, Lacan assevera que o percurso discursivo que se estende desde Sócrates, Platão e Aristóteles até Hegel – incluindo-se Descartes, Espinosa, Leibniz e Kant – é uma operação epistêmica realizada pelo mestre-senhor em seu próprio benefício, a saber, tal operação consiste em posicionar-se corretamente – episteme – face ao savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria, surrupiando de suas técnicas artesanais, por rebatimento conceitual, a transmissibilidade ou modo de ensinar – naturalmente, ensinar... a pensar –.

Esta operação é, pois, um duplo e rigoroso ato epistemo-lógico (a escansão é importante) (10). Primeiro, porque desde os chamados "pré-socráticos" – como quer Heidegger, desde os " maiores pensadores" – não há solução de continuidade entre a realidade ancorada na tradição mito-poética (teocêntrica e teológica) e aquela cujo sentido – sobretudo a partir de Sócrates e de Platão – resulta do radical questionamento do ser de tudo e de todos – questionamento radical porque alicerçado em pressupostos exclusivamente laicos, metódico-racionais, axiomáticos, lógico-causais, dedutivos, classificatórios, dialéticos, matemáticos, etc –. E, segundo, porque não se trata mais de um savoir-faire (saber-fazer prático) transmitido empiricamente – saber-fazer que Sócrates ridiculariza em plena Ágora por não-saber enunciar o ser (a "essência") do que faz –, mas sim de um saber-pensar teórico conceitualmente transmissível, posto que para o ex-mestre de Platão saber é saber ensinar, ou, o que seria dizer o mesmo, saber é saber transmitir (11).

Ora, a meu ver a exposição de Lacan – grosso modo correta – peca pelo excessivo reducionismo: não me parece sustentável o bastante que a filosofia – "em toda a sua evolução" (sic) – seja simplesmente "o roubo, o rapto, a subtração de seu saber à escravaria, pela operação do senhor". Certo, no contexto dos atos que a inauguram, sem dúvida a filosofia é esta operação epistemo-lógica – e, contudo, é bem mais do que isto! Por quê? – Porque o que Lacan não traz à reflexão – não quis trazer? – é a questão estrutural da filosofia ela mesma , questão esta que simultaneamente delimita e aciona de modo flagrante o campo do discurso filosófico – por extensão, o campo do discurso científico – e cuja brutal e imediata enunciação materializa-se nestes termos: Quem tem direito ao pensamento? (12)

Todavia, para-além dos limites da exposição de Lacan, tal questão jamais é enunciada entre os mestres-senhores e a escravaria, como se o pensamento em disputa pudesse passar para as mãos – desculpem, para as cabeças – de uns ou de outros... Não. De modo algum. Isto porque a questão é enunciada pelos que já pensam, pelos que já realizaram o passe – a rigor, o transpasse – entre o saber-doxológico (prático-opinativo) e o saber-epistêmico (teórico-filosófico e científico). Neste sentido, a questão é formulada, enunciada e decidida entre os próprios mestres-senhores, a saber, entre aqueles quedesde pelo menos Heráclito (540 – 470 a.C.) – autocognominam-se filosofos (philósophos) (13).

Ora, a conseqüência é imediata: para-além da dialética primária entre o savoir-faire (saber-fazer prático) do escravo e o saber-pensar teórico do senhor (como supõe Lacan), a filosofia é a luta encarniçada, violenta e escravizante no campo mesmo do pensamento, no campo pois habitado – e minado – pelos mestres, pelos senhores, pelos – demarcara-o Platão – diretores de escolas, pelos dirigentes, pelos governantes...

Os exemplos do que procuro sustentar perpassam toda a démarche do discurso filosófico:

¬ os mestres-senhores escravizados por Heráclito – logo, tornados "pré-heraclíticos" – são Homero, Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes, Hecateu, Arquíloco, etc;

¬ os mestres-senhores escravizados por Platão – logo, tornados "pré-platônicos" – são Heráclito, Parmênides e – last but not least – Sócrates;

¬ os mestres-senhores escravizados por Aristóteles – logo, tornados "pré-aristotélicos" – são todos os "pré-socráticos" mais Sócrates e Platão (o Estagirita é o primeiro a escrever uma história da filosofia... aristotélica);

¬ os mestres-senhores escravizados por Descartes – logo, tornados "pré-cartesianos" – são todos os escolásticos (Aristóteles incluído) mais Montaigne (o cético da provinciana Bordeaux sofre a dúvida; o racionalista da cosmopolita Paris exerce a dúvida...);

¬ os mestres-senhores escravizados por Kant – logo, tornados "pré-kantianos" – são Descartes, Leibniz e Hume;

¬ os mestres-senhores escravizados por Hegel – logo, tornados "pré-hegelianos" – são todos os filósofos juntos, especialmente... Kant;

¬ os mestres-senhores escravizados por Marx – logo, posto que se trata de "reverter a metafísica", tornados a um só tempo "pré e anti-marxistas" – são todos os filósofos juntos e todos os "ideólogos alemães", especialmente... Hegel (14);

¬ os mestres-senhores escravizados por Nietzsche – logo, posto que se trata de "inverter a metafísica", tornados (brinco um pouco) "jamais super-homens" – são (especialmente) Sócrates, Platão, Kant, Hegel e... Paulo ("o cristianismo, via Paulo, – sentencia Nietzsche –, é o platonismo para os pobres");

¬ enfim, os mestres-senhores escravizados por Heidegger – logo, posto que se trata de "destruir / superar a metafísica", tornados "proto-heideggerianos" – são todos os "maiores pensadores" mais os filósofos propriamente ditos, especialmente... Marx e Nietzsche ("os últimos metafísicos").

5

Com efeito, todo este percurso em nada pacífico da filosofia é definido por Heidegger nos seguintes termos:

(...) o próprio ser é a disputa (das Strittige);

ou então:

O perigo é arriscar-se na disputa para dizer o mesmo (das Selbe), pois se está sob a ameaça da equivocação;

e ainda:

A disputa entre pensadores é a "disputa amorosa" (der liebende Streit) da mesma questão [ou da causa em si mesma] (15).

Portanto, Heidegger não se vale de meias-palavras: pensar é "amorosamente" lutar para dizer algo de próprio sobre a mesma questão... De imediato, no entanto, desconfiemos deste "amorosamente" (daí as aspas): de uma à outra ponta Ser e Tempo (Sein und Zeit, 1927) é nada menos que o ato de destruir a ontologia tradicional (16) – logo... De outra parte, na contramão do que supõe Heidegger, qual é a mesma questão à qual se arvoram litigiosamente os pensadores? Ora, há outra para o saber-pensar teórico senão a da verdade? Assim, a questão estrutural da filosofia – Quem tem direito ao pensamento? – significa pois, extensivamente, Quem tem direito ao pensamento verdadeiro? – Observem que se trata de decidir imediatamente quem tem direito ao, deixando-se para depois a verificação da justiça ou injustiça de tal ato. Isto significa que uma decisão desta natureza jamais é aventada entre seres díspares: onde quer que ocorra – e pelos motivos que ocorrer – ela é sempre requerida entre pares. Noutros termos, indagar pelo ter direito a algo apenas é possível em um campo discursivo no qual de fato já se decidiu pelo conjunto dos elementos que constituem o sujeito da questão, a saber, em tal campo – exata e conclusivamente – já se decidiu pelo "quem". Assim, em primeira instância este quem é o próprio conjunto de pares. Com efeito, ao se perguntar Quem tem direito ao pensamento verdadeiro?, a resposta imediata – porque antecipadamente decidida – é: Nós, os pares. Isto significa que é apenas em um segundo tempo que se decide por aquele que – entre pares – terá direito ao pensamento verdadeiro (adiante, com Lacan, retomarei esta exposição).

 

6

Avanço no cercamento.

Curiosamente, na transmissão de seus muitos anos de prática com os diálogos platônicos Lacan não se refere àquele momento no Parmênides (17) em que Sócrates – ele mesmo – é o objeto da derrisão, do escárnio: ao invés de vê-lo dirigir dialeticamente a discussão – dominando-a, como o fez inúmeras vezes –, Platão nos apresenta um Sócrates inseguro, balbuciante e – no final – encurralado. Pouco depois, no A república, resta-nos um Sócrates apenas porta-voz do "Mundo das Idéias" pertencente ao fundador e diretor da Academia...

Desse modo, parece-me que Lacan não percebeu – talvez não tenha querido perceber e / ou que percebêssemos (sabe-se lá) – o que se passa nestes diálogos que concluem a transmissão platônica: para-além de uma episteme surrupiadora do savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria – transmutando-o num saber-pensar teórico conceitualmente transmissível –, o que transcorre sob os nossos olhos estupefatos é a heideggeriana "disputa amorosa" entre dois mestres-senhores (Sócrates e Platão), resultando tal pólemos – tal embate decisivo, como assinala Heráclito – na escravização do mestre pelo discípulo... – Aliás, pergunto: é possível sabermos algo do pensamento do filho da parteira Fenareta e do escultor Sofronisco a não ser através do ensino – na maturidade, inteiramente pós-socrático de Platão?

Ora, em seu percurso histórico o ato polêmico – a justo título, posto que pólemos é o termo empregado por Heráclito – retorna para decidir sobre a mesma questão, qual seja, retorna para decidir entre pares qual deles tem o direito à conquista e ao usufruto do pensamento verdadeiro.

Assim, desde Homero escravo do mestre-senhor Heráclito, seguem-se Sócrates escravo do mestre-senhor Platão < Platão escravo do mestre-senhor Aristóteles < Aristóteles escravo do mestre-senhor Descartes < Descartes escravo do mestre-senhor Kant < todos escravos do mestre-senhor Hegel ("Saber Absoluto"), e, na "reversão" do pólemos < Hegel escravo do mestre-senhor Marx, ou, na "inversão" do pólemos < Platão (outra vez!) escravo do mestre-senhor Nietzsche, ou, na "destruição / superação " do pólemos < todos eles escravos do mestre-senhor Heidegger, ou, encore / en corps ("mais, ainda", "em o corpo"), na "subversão" do pólemos < os "maiores pensadores", mais todos os filósofos, mais todos os pré-freudianos, mais Freud, mais todos os pós-freudianos escravos – uns e outros – do mestre-senhor "antifilósofo" Lacan...

(Pausa para ouvirmos as imprecações do hoste de empedernidos lacanianos. Surpreendidos no corriqueiro semblant com o qual pretextam uma "castração bem realizada" (sic), mas que em verdade mascara – tal semblant – a ausência de coragem, de talento e de entusiasmo intelectual (18), penosamente eles soerguem a voz: "Anátema! Bastardia! Calúnia! Difamação! Excomunguem-no!")

Não obstante, eu persevero. O passe – a rigor, o transpasse – entre o savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria e o saber-pensar teórico do senhor é, se bem vistas as coisas, insofismável e iniludível:

¬ pois para Platão o escravo Sócrates sabe-fazer em plena Ágora a crítica dos mitos e da doxa – todavia, não-sabe-pensar e transmitir todas as conseqüências de seu ato;

¬ pois para Descartes o escravo Montaigne sabe-fazer da dúvida o tema central de seu talento ensaístico – todavia, não-sabe-pensar um modo de, ao invés de "sofrer" a dúvida, exercê-la metodicamente (falta ao pobre Montaigne as Regras para a direção do espírito [1628] e O Discurso do método [1637]);

¬ pois para Kant o escravo Hume sabe-fazer o papel de "mordomo", isto é, "despertá-lo (a ele, Kant) do sono metafísico " – todavia, fá-lo apenas para ouvir com todos os pingos nos is que ele, Hume, não-sabe-pensar "transcendentalmente" o ceticismo, e, pois, libertar-se do "empírico-sensível";

¬ pois para Hegel os escravos filósofos (todos eles) sabem-fazer da consciência-de-si (ou autoconsciência, como quiserem) a "terra firme" de suas reflexões todavia, não-sabem-pensar a "dialética" de tal consciência vis-à-vis a história e o Saber Absoluto;

¬ pois para Marx o escravo Hegel sabe-fazer a dita "dialética" – todavia, não-sabe-pensar os determinantes materiais que, no frigir dos ovos (ou dos ossos...), acionam uma "dialética-outra", isto é, a da luta de classes;

¬ pois para Nietzsche os escravos Platão e Paulo sabem-fazer com que o Ocidente acredite em O Bem ("Idéia-fundante do Ocidente-cristão ele mesmo") – todavia, não-sabem-pensar que esta crença é a própria "fraqueza niilista e terminal " do... Ocidente;

¬ pois para Heidegger os escravos filósofos sabem-fazer do ser-do-ente inscrito na temporalidade infinita ("inautêntica") a pré-ocupação de suas perorações teórico-metafísicas – todavia, não-sabem-pensar "o mais originário", isto é, a questão da verdade do ser no horizonte do tempo finito ("autêntico");

¬ pois para Lacan o escravo Freud (para ficarmos apenas nele) sabe-fazer (a duras penas, canhestramente, quase mesmo que com as mãos) o "campo do inconsciente" – todavia, por lhe faltarem os meios discursivos h odiernos a... Lacan, ele, Freud, não-sabe-pensar o inconsciente do campo...

7

Atenho-me doravante à posição discursiva de Lacan face à obra freudiana. Permitam-me uma longa citação:

Estou certamente, agora, na minha data, na minha época, em posição de introduzir no domínio da causa a lei do significante, no lugar onde essa hiância (o inconsciente) se produz. Nem por isso deixa de ser preciso, se queremos compreender o de que se trata na psicanálise, tornar a evocar o conceito de inconsciente nos tempos em que Freud procedeu para forjá-lo – pois não podemos completá-lo (ao conceito de inconsciente) sem levá-lo ao seu limite [grifos meus, JMCM] (19). Ou então:

Retornar a essa origem é absolutamente essencial se queremos colocar a psicanálise de pé (20). E ainda:

Pois bem, eu direi que, até certo ponto, recoloquei de pé o que diz Freud. Se falei de "retorno a Freud" é para que nos convençamos de a que ponto [Freud] é falho. E parece-me que a idéia de significante explica de todo modo como isso funciona. // Freud tinha pois razão, mas não se pode dizer que o inconsciente seja por ele realmente isolado, isolado como eu o faço pela função que chamei simbólica e que está indicada na noção de significante. // Supor que a clínica psicanalítica é isso indica uma direção àqueles que a ela se dedicam. É preciso decidir: o inconsciente é – sim ou não – o que chamei na ocasião blá-blá-blá? É difícil negar que, ao longo do A ciência dos sonhos, Freud só fala de palavras, de palavras que se traduzem. Há apenas linguagem nessa elucubração do inconsciente. Ele [Freud] faz lingüística sem saber, sem ter dela a mínima idéia [atenção: Lacan aqui insere Freud, explicitamente, no savoir-faire (saber-fazer prático)]. // Portanto, sou obrigado a dizer isso, o inconsciente não é de Freud – ele é de Lacan –. O que não impede que o campo, este, seja freudiano [grifos meus, JMCM] (21).

Isto posto, avanço o seguinte: se o retorno a Freud é o retorno de Freud ao estilo de Lacan – e se o estilo é o homem... a quem nos endereçamos (22) –, conclui-se que tal retorno é rigorosamente ao estilo de uma episteme – frise-se: episteme no sentido lacaniano do termo, qual seja, enquanto colocar-se em boa posição para apropriar-se do savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria, transmutando-o num saber-pensar teórico conceitualmente transmissível –. Sustento pois que Lacan – ele mesmo – coloca-se em boa posição para apropriar-se do savoir-faire (saber-fazer prático) freudiano, surrupiando-o, transmutando-o em um saber-pensar teórico conceitualmente apto à transmissão – e, pois, apropriado (no duplo sentido do termo) para a formação de psicanalistas –.

Os exemplos pululam a cada pelo menos três páginas de O seminário (1953 - 1980) e dos Escritos (1966). Com efeito, ao lado das passagens citadas acima releiamos por um momento o precioso O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 - 1954):

Gostaria de levá-los hoje, nos Escritos técnicos, a um desses pontos em que a perspectiva se estabelece. Antes de manejar o vocabulário, trata-se de compreender, e, com esse fim, colocar-se num lugar a partir do qual as coisas se ordenem. E mais adiante: Trata-se para nós de estabelecer uma perspectiva, uma percepção em profundidade de diversos planos. (...). É preciso escalonar aí uma estereoscopia um pouco mais complexa [grifos meus, JMCM] (23).

Ato contínuo, indaguemos: isto tudo não soa platônica e lacanianamente epistêmico? – Sim, inegavelmente. Para acentuá-lo, retomemos alguns trechos de O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), expostos no início. Observem:

 

Afinal, se algo tem sentido no que nos preocupa, só pode ser o de pôr as coisas em seu lugar. // Está aí todo o esforço de deslindamento do que se chama episteme. É uma palavra engraçada, não sei se alguma vez vocês refletiram bem sobre ela – colocar-se em boa posição, é em suma a mesma palavra que verstehen ["re-posicionar-se para compreender"]. Trata-se de encontrar a posição que permita que o saber se torne um saber de senhor. A função da episteme especificada como saber transmissível – remetam-se aos diálogos de Platão – é sempre tomada por inteiro das técnicas artesanais, quer dizer, dos servos. O que está em questão é extrair sua essência para que esse saber se torne um saber de senhor (24).

 

8

 

Ora, se é assim, por que então não realizarmos a "intromistura" (25) destes trechos do final dos anos 60 com os do início dos anos 50, mais com os da metade dos anos 60 e, por fim, com os do final dos anos 70?

O surpreendente resultado é o seguinte:

Nós não seguimos Freud: o acompanhamos. Que uma noção figure em algum lugar na obra de Freud nem por isso nos assegura de que a manejamos no espírito da pesquisa freudiana. Gostaria de levá-los hoje, nos Escritos técnicos [de Freud], a um desses pontos em que a perspectiva se estabelece. Antes de manejar o vocabulário, trata-se de compreender, e, com esse fim, colocar-se num lugar a partir do qual as coisas se ordenem [início dos anos 50]. Afinal, se algo tem sentido no que nos preocupa, só pode ser o de pôr as coisas em seu lugar [final dos anos 60]. Trata-se para nós de estabelecer uma perspectiva, uma percepção em profundidade de diversos planos [início dos anos 50]. Estou certamente, agora, na minha data, na minha época, em posição de introduzir no domínio da causa a lei do significante, no lugar onde essa hiância (o inconsciente) se produz. Nem por isso deixa de ser preciso, se queremos compreender o de que se trata na psicanálise, tornar a evocar o conceito de inconsciente nos tempos em que Freud procedeu para forjá-lo – pois não podemos completá-lo (ao conceito de inconsciente) sem levá-lo ao seu limite. Retornar a essa origem é absolutamente essencial se queremos colocar a psicanálise de pé [metade dos anos 60]. É preciso escalonar aí uma estereoscopia um pouco mais complexa [início dos anos 50]. Está aí todo o esforço de deslindamento do que se chama episteme. É uma palavra engraçada, não sei se vocês alguma vez refletiram bem sobre ela – colocar-se em boa posição –, é em suma a mesma palavra que verstehen ["re-posicionar-se para compreender"]. Trata-se de encontrar a posição que permita que o saber se torne um saber de senhor [final dos anos 60]. Pois bem, eu direi que, até certo ponto, recoloquei de pé o que diz Freud. Se falar de "retorno a Freud" é para que nos convençamos de a que ponto [Freud] é falho. E parece-me que a idéia de significante explica de todo modo como isso funciona. Freud tinha pois razão, mas não se pode dizer que o inconsciente seja por ele realmente isolado, isolado como eu o faço pela função que chamei simbólica e que está indicada na noção de significante. Supor que a clínica psicanalítica é isso indica uma direção àqueles que a ela se dedicam. É difícil negar que, ao longo do A ciência dos sonhos, Freud só fala de palavras, de palavras que se traduzem. Há apenas linguagem nessa elucubração do inconsciente. Ele [Freud] faz lingüística sem saber, sem ter dela a mínima idéia. Portanto, sou obrigado a dizer isso, o inconsciente não é de Freud – ele é de Lacan –. O que não impede que o campo, este, seja freudiano [final dos anos 70].

De fato, qual é a boa posição "estereoscópica" escalonada por Lacan para isolar conceitualmente o inconsciente? Bem, o ato é feito sob os nossos olhos: o instrumental ao estilo de uma episteme – instrumental surrupiador pois do savoir-faire (saber-fazer prático) freudiano, para transmutá-lo em um saber-pensar teórico conceitualmente transmissível a justo título lacaniano – vai da lingüística de Saussure, passa pelas filosofias de Platão, de Aristóteles, de Descartes, de Espinosa, de Kant (avec Sade) e de Hegel (via Kojève), pela antropologia de Lévi-Strauss, pela epistemologia de Koyré, pela poética de Jakobson, pelo pensamento de Heidegger, pelo teatro de Shakespeare, pela escritura de Joyce, pelas lógicas paraconsistentes , pelas matemáticas, pelas topologias (das superfícies e das linhas), vai e passa então por isso tudo até... até... até onde? – Deuses!, até o próprio Lacan, pois concluído o seu ensino resta-nos o rigorosíssimo Como Queríamos Demonstrar (nos estertores da conclusão, Como Queríamos "Monstrar"), a saber, resta-nos a rigorosa operação epistemo-topo-lógica (os hífens são importantes) de – em seus próprios termos – "um sujeito que pensa o pensamento de um outro" (26) e cujas linhas finais nos asseguram que (citei-o acima) "o campo é freudiano" mas... o inconsciente – este – é de Lacan.

Ora, o colocar-se em boa posição – posição discursiva, logo, a episteme ela mesma – lança-nos de imediato em um dos postulados centrais com o qual Lacan procura sustentar a sua leitura da obra freudiana, a saber, aquele segundo o qual "não há Outro do Outro" (27), ou, o que seria dizer o mesmo, "não há metalinguagem".

Todavia, se as coisas forem bem vistas, o postulado "não há Outro do Outro" não é o mesmo que "não há metalinguagem"... Claro que o Outro enquanto campo do simbólico ("lugar do significante", nos termos de Lacan (28)) não admite um Outro dele mesmo – caso contrário, a redução seria ad infinitum –. Contudo, no contexto do Outro-simbólico é inteiramente legítima e verificável a existência de uma – ou mais de uma – metalinguagem. Certo, afirma-o Lacan, "não existe metalinguagem que possa ser falada" (29), posto ser impossível ao falante ao mesmo tempo falar e falar o que está falando, ou, noutros termos, ao mesmo tempo falar e produzir – falando – a inteligibilidade de sua fala... Neste sentido, "não existe metalinguagem que possa ser falada" é um dos modos lacanianos de predicar a ex-sistência do inconsciente ("o sujeito toma a sua fala no campo do Outro, etc ").

Não obstante, o aforismo "não há Outro do Outro" – não há metalinguagem... "que possa ser falada" – não implica em "não há metalinguagem"... que possa ser escrita. Isto porque – quer lógica, quer ontologicamente – falar e escrever não são mesmo. Apenas para ater-me ao principal, basta observar que a fala é um ato inapelavelmente marcado pela equivocidade de sentido – pois "não há Outro do Outro" ou "não existe metalinguagem que possa ser falada" [escritura: S (ÿ)] –, enquanto que escrever pode ser um ato materialmente inequívoco, a saber, um ato discursivo constituído concretamente por fórmulas algébrico-matemáticas (proposições elementares, nos termos de Wittgenstein; matemas, nos termos de Lacan) que não admitem a equivocidade de sentido – e, pois, existe metalinguagem que possa ser escrita (a rigor, existe um discurso [escrito] que não seria do semblante) (30) –.

Sim, por que não? Atentemos para o seguinte: o próprio colocar-se em boa posição discursiva (o saber-pensar teórico) para apropriar-se de uma outra posição também ela discursiva (o saber-fazer prático) logo, a episteme como e enquanto tal – configura-se de imediato como uma posição metalingüística. Com efeito, a "transferência bancária" (os termos são de Lacan) do savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria para o saber-pensar teórico do senhor é pari passu uma operação metalingüística, a saber, constitui-se de uma à outra ponta na estruturação de um discurso para além de e / ou sobre um outro discurso inapelavelmente predisposto como suporte. Lacan – ele mesmo – destaca um dos momentos capitais deste procedimento:

Reportem-se ao Mênon (de Platão), ao momento em que se trata da raiz de 2 e seu incomensurável. Alguém diz: "Porém vejamos, o escravo, mas que venha, o pequenino, vocês vêem, ele sabe." Faz-se-lhe perguntas – perguntas de senhor, de mestre, obviamente – e o escravo responde com naturalidade às perguntas o que as perguntas já ditam como respostas. Acha-se aí uma forma de derrisão. É um modo de escarnecer do personagem que está virando no espeto. Mostram que o importante, a finalidade, é mostrar que o escravo sabe, mas, ao confessar isto apenas por esse viés de derrisão, o que se oculta é que se trata exclusivamente de arrebatar do escravo sua função no plano do saber (31).

Ora, – quem não o percebe? –, esta "forma de derrisão" pela qual o mestre/senhor arrebata ao escravo "sua função [simultaneamente, a do senhor e a do escravo] no plano do saber" apenas é possível existir pela via do "diálogo" porque ancorada em uma escrita algorítmico-matemática previamente formalizada – pois, acentue-se, trata-se de questões relativas ao incomensurável da... raiz de 2 (ÿ)–. A propósito, notemos que os seminários de Lacan têm apenas a aparência de uma transmissão exclusivamente oral (aparência pois de estarem imersos na equivocidade), posto que ao fim e ao cabo a sua fala apóia-se pontual e materialmente em uma escrita – ouçamos o que diz Lacan:

Eu também certamente não me privo dela [da escrita], pois é com ela que preparo o que tenho a dizer. É notável que seja preciso, da escrita, garantir-se [grifos meus, JMCM] (32).

Curiosamente, em seus termos Heidegger descreve com precisão o estatuto deste ato meta-lingüístico, identificando-o com o discurso do saber-pensar teórico enquanto... meta-física – cito Heidegger:

O nome "metafísica" vem do grego tà metà physiká. Esta surpreendente expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da interrogação que vai metà – trans, a saber, "além" do ente enquanto tal. // Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensão (33).

Entendamo-nos. Heidegger elucida e define o estatuto do ato destacado por Lacan naquela célebre passagem do Mênon, a saber, o escravo é aquele sujeito cuja posição discursiva está aquém do perguntar além do ente. Noutros termos, o escravo é aquele sujeito cuja posição discursiva está imersa no e às voltas com – exclusivamente – o plano ôntico, a saber, o plano da lida prática – tecno-instrumental – com aquilo que se lhe apresenta imediatamente "diante dos olhos" e "à mão" (34). Assim, no limite, torna-se impossível à posição discursiva do escravo indagar para-além do plano ôntico – para-além da lida prática, para-além do savoir-faire (saber-fazer prático) – e, desse modo, como rigorosa e esplendidamente escreve Heidegger, "recuperá-lo [ao plano ôntico], enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensão". Portanto, se é este o estado de coisas, a posição discursiva do escravo não pode – salvo pela via da derrisão "dialético-maiêutica" que lhe impõe o senhor [imposição, acentue-se, garantida em uma escrita] – ascender ao plano ontológico, ou, o que seria dizer o mesmo, situar-se no plano discursivo no qual é possível enunciar o conceito do savoir-faire (saber-fazer prático) e, pois, transmutar o plano ôntico (a lida prática) em um saber-pensar teórico conceitualmente transmissível – notem que a frase de Heidegger ["recuperá-lo (ao plano ôntico), enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensão"] é a clara descrição do sentido que Lacan atribui ao termo episteme, qual seja, cito outra vez Lacan,

colocar-se em boa posição, é em suma a mesma palavra que verstehen ["re-posicionar-se para compreender"]. Trata-se de encontrar a posição que permita que o saber se torne um saber de senhor (35) –.

Naturalmente, Lacan e Heidegger operam em registros discursivos distintos quanto ao objeto em tela – o inconsciente, em Lacan; a questão do sentido do ser no horizonte do tempo finito, em Heidegger –, porém não-excludentes (tais registros) quanto àquilo que estrutura quer a discursividade filosófica, quer a científica, quer – ainda – a psicanalítica: o lógos no contexto da tradição do saber-pensar teórico conceitualmente transmissível. Neste sentido, ouçamos o que Lacan tem a dizer sobre a questão da inexistência da metalinguagem:

Eu me distingo da linguagem do ser [logo, da filosofia]. // Não é porque escrevi coisas que tomam função de formas da linguagem que tenho que garantir o ser da metalinguagem. Pois, esse ser [o da metalinguagem], seria preciso que eu o apresentasse como subsistindo por si, só por si mesmo, como a linguagem do ser [a filosofia]. // A formalização matemática [tal como ocorre no discurso científico] é nosso fim, nosso ideal. Por quê? Porque só ela é matema, quer dizer, capaz de transmitir integralmente [em acordo, pois, com a tradição da episteme]. A formalização matemática é a escrita, mas que só subsiste se eu emprego, para apresentá-la, a língua que uso. Aí é que está a objeção [àqueles que definem o percurso de Lacan como metalinguístico vis-à-vis a obra freudiana] – nenhuma formalização da língua é transmissível sem uso da própria língua. É por meu dizer que essa formalização, ideal metalinguagem, eu a faço ex-sistir. É assim que o simbólico não se confunde, longe disso, com o ser, mas ele subsiste como ex-sistência do dizer. // No quê? [No quê o simbólico suporta a ex-sistência?] É uma das coisas essenciais que eu disse da última vez – a análise se distingue, entre tudo o que foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso do meu ensino: que eu falo sem saber. Falo com o meu corpo, e isto, sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei (36).

Ora, a meu ver estas passagens desnudam o extraordinário talento sofístico de Lacan. Certo, o estatuto de seu ensino é diverso do da "linguagem do ser" [logo, da filosofia]. Certo, ainda, o fato de ele ter escrito coisas "que tomam função de formas da linguagem" não o obriga a "garantir o ser da metalinguagem". Contudo, pergunto, o que é que coisas escritas as quais "tomam função de formas da linguagem" – no caso, a formalização matemática – têm a ver com a garantia do "ser da metalinguagem"? Resposta: rigorosamente nada. Há aqui dois graves sofismas: primeiro, coisas escritas "que tomam função de formas da linguagem" – no caso, a formalização matemática – constituem-se em um agenciamento de letras logicamente articuladas, e tais letras e tal agenciamento são, no limite, tautológicos, a saber, a validade – lógica – dos mesmos prescinde da referência a um determinado estado de coisas ontologicamente constituído (a dita aplicabilidade da formalização ocorrerá – ou não ocorrerá – apenas a posteriori) (37); e, segundo, predicar ser à metalinguagem de tal modo que seria preciso que se o apresente (ao ser da metalinguagem) "como subsistindo por si, só por si mesmo, como a linguagem do ser" [a filosofia] é misturar coisas duplamente – e radicalmente – imiscíveis: a) " o ser da metalinguagem" (termos de Lacan) – isto significa tomar o lógico (qual seja, a metalinguagem) pelo ontológico (qual seja, o ser); e b) [apresentar o ser da metalinguagem] "como subsistindo por si, só por si mesmo, como a linguagem do ser" [a filosofia] (termos de Lacan) – isto significa supor que apenas é possível "subsistir por si" no plano ontológico ("só por si mesmo, como a linguagem do ser"), e não, pois, no plano lógico; ora, ao contrário do que neste momento supõe Lacan, – demonstra-o à exaustão Wittgenstein em seu Tractatus logico-philosophicus (1921) –, a "subsistência por si" a rigor apenas é possível exatamente no plano lógico (38).

Todavia, afirma-o Lacan com menos imprecisão, a subsistência "só por si mesma" da formalização matemática – enquanto uma escrita – depende do emprego da língua, qual seja, do dizer – cito Lacan:

A formalização matemática é a escrita, mas que só subsiste se eu emprego, para apresentá-la [a formalização], a língua que uso. Aí é que está a objeção – nenhuma formalização da língua é transmissível sem uso da própria língua (39).

Ora, não vejo porque a apresentação – e, pois, a transmissão – de uma escrita matemática apenas subsiste caso eu empregue a língua que uso, qual seja, sua inteligibilidade e sentido seriam subsumidos, em última instância, pelo e em meu dizer. Caso isto ocorresse, a formalização matemática enquanto uma escrita não possuiria autonomia alguma vis-à-vis à equivocidade de sentido essencial ao dizer (qualquer) – logo, tal formalização (ou uma outra) estaria imersa em às voltas com o mal-entendido estruturante do inconsciente, posto que o sujeito (do inconsciente, $) é, pelo e em seu dizer, "resposta [fantasmática] do real" (40), ou, se preferirmos, resposta (ele, sujeito [$ ÿ a], pelo e em seu dizer) de "o que não-cessa de não-se-inscrever", ou então, resposta (ele, sujeito [$ ÿ a], pelo e em seu dizer) de "a relação sexual não existe", ou ainda, resposta (ele, sujeito [$ ÿ a], pelo e em seu dizer) de "não há Outro do Outro", ou finalmente, resposta (ele, sujeito [$ ÿ a], pelo e em seu dizer) de "não há metalinguagem que possa ser falada" [escritura desta(s) resposta(s): S (ÿ)] –. É isto aliás o que Lacan nos diz em seguida:

É por meu dizer que essa formalização, ideal metalinguagem, eu a faço ex-sistir. É assim que o simbólico (...) subsiste como ex-sistência do dizer. É o que sublinhei (...) ao dizer que o simbólico só suporta a ex-sistência [vis-à-vis ao dizer] (41).

Bem, aqui o simbólico – pela via da formalização ("ideal metalinguagem") – "subsiste como ex-sistência do dizer", e, o que é mais, visto que Lacan o sublinhou, " o simbólico só suporta a ex-sistência" pela sua subsunção ao dizer. Mas, indaga Lacan, "no quê?" – qual seja, no quê o simbólico suporta a ex-sistência? Resposta imediata fornecida por Lacan e caracterizada como constituindo "o osso do [seu] ensino": – o simbólico suporta a ex-sistência à medida que "eu falo [com o meu corpo], e isto [‘falo com o meu corpo’], sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei (42)."

Sim, sem dúvida. Contudo, "eu falo sem saber" não é o mesmo que "eu escrevo sem saber", e, com mais rigor, "eu falo sem saber" não implica em "eu escrevo sem saber". Isto porque, no caso em tela, a escrita matemática (a formalização matemática) via de regra exigida pelo discurso científico mostra-nos que há saber – em letras – no real (termos de Lacan: "pequenas fórmulas, pequenas equações"). Logo, pelo menos no campo do discurso da ciência (escritura: $ / S² ÿ S¹ / a), eu escrevo o saber (que há no real).

Assim, – insisto: pelo menos no campo do discurso da ciência –, o pathos necessariamente implicado no "eu falo [com o meu corpo], e isto [‘falo com o meu corpo’], sem saber" não é determinante. Ora, o que temos aqui? Nada menos do que isto: uma separação entre a fala e a escrita – nestes termos: fala // escrita –, separação esta favorável à escrita. Quero dizer que o discurso da ciência opera um corte longitudinal (corte sem dúvida inaugurado pelo discurso filosófico) entre o pathos da fala – e / ou do dizer não-formalizado – e o lógos da escrita. A conseqüência brutal e imediata é a seguinte: doravante a univalência do lógos da escrita – da escrita formalizada, sobretudo a da matemática – haure autonomia vis-à-vis à polissemia da fala. Noutros termos, doravante há uma disjunção estrutural entre verdade e saber – verdade // saber –, de tal modo que falar – e / ou dizer (sem formalização) – é falar (dizer) a verdade [no jogo de linguagem psicanalítico: a verdade vis-à-vis o fantasma ($ ÿ a), e, pois, falar enquanto ato locucionário imerso na equivocidade de sentido], enquanto que escrever – a escrita formalizada (sobretudo a matemática) – é escrever o saber [no jogo de linguagem científico: o saber vis-à-vis o real (S¹ / a), e, pois, ato escritural imerso na univocidade de sentido]. – Num breve esquema, teríamos: fala ÿ verdade ÿ (fantasma) // escrita ÿ saber ÿ (real).

Espantosamente, Heráclito (540 – 470 a.C.) já anunciara esta separação entre fala (verdade) e escrita (saber):

Auscultando não a mim mas o lógos, é sábio concordar que tudo é Um (43).

E Heidegger, ao final de uma longa e soberana interpretação, traduz este fragmento do seguinte modo:

Se não ouvirem simplesmente a mim, mas se atentarem, na obediência, ao ÿÿÿÿÿ (à coletividade originária: lógos), então é (se dá) saber em sentido próprio, que consiste em recolher, com recolhimento, o uno único de tudo o que se une (ou seja, o presente da coletividade originária: lógos) (44).

Retomo o fio de minha exposição.

Sabe-se que O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) constitui-se simultaneamente no momento de concluir o "retorno a Freud" e no instante de ver as conseqüências deste ato com o estatuto de uma episteme topo-lógica. Com efeito, qual é o instante de ver que se abre no momento de concluir? Ora, nada menos que a produção dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise e a fundação da Escola Freudiana de Paris. Isto significa: se – anunciara-o Lacan em 1955 – "o sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freud" (45), o " sentido de Freud" materializa-se em um momento de concluir enquanto novo instante de ver, qual seja, o savoir-faire (saber-fazer prático) de Freud ganha enfim inteligibilidade – ao estilo discursivo de Lacan: "quatro conceitos fundamentais articulados topo-logicamente" – e transmissibilidade institucional – ao estilo discursivo de Lacan: "Escola Freudiana de Paris" –.

Portanto, no contexto do que estou a expor, o "campo freudiano" emerge ao preço de os "conceitos fundamentais" que o delimitam – e que se constituem nas condições de possibilidade de sua transmissão – serem de Lacan. Com efeito, não apenas 1) "o inconsciente é de Lacan": sob a forma de conceitos fundamentais "isolados" no momento de concluir, 2) "a repetição é de Lacan", 3) "a transferência é de Lacan" e 4) "a pulsão é de Lacan". Logo, a escola é freudiana porque o campo de experimentação foi inaugurado pelo savoir-faire (saber-fazer prático) de Freud, mas a inteligibilidade teórico-conceitual – com o estatuto de uma episteme topo-lógica – e a transmissibilidade institucional – com o estatuto de uma formação (permanente) – são (permitam-me a elipse) de Paris.

Uma longa passagem de O inconsciente freudiano e o nosso ilustra com rigor e clareza exemplares a posição lacaniana quanto à produção dos conceitos e à sua transmissibilidade:

Há algumas pessoas aqui, eu sei disso, que se estão introduzindo ao meu ensino. Elas se introduzem através de escritos que já fizeram época. Eu gostaria que elas soubessem que uma das coordenadas indispensáveis para apreciar o sentido desse primeiro ensino deve ser encontrada no seguinte: que elas não podem, onde estão, imaginar até que grau de desprezo, ou simplesmente de desconhecimento para com seu próprio instrumento, podem chegar os praticantes. // (...) o de que se trata é algo que não chamarei de outra coisa senão a recusa do conceito [pelos praticantes]. É por isso que, como anunciei no fim de minha primeira aula, é aos conceitos freudianos principais – que isolei como sendo em número de quatro, e mantendo propriamente esta função – que tratarei hoje de introduzir vocês. // Estas palavras que estão aí no quadro-negro sob o tí tulo de conceitos freudianos, são os dois primeiros – o inconsciente e a repetição –. A transferência (...) nos introduzirá diretamente aos algoritmos que acreditei dever adiantar na prática, especialmente para os fins do nosso manejo da técnica analítica como tal. // (...) nossa concepção do conceito implica ser este sempre estabelecido numa aproximação que não deixa de ter relação com o que nos impõe, como forma, o cálculo infinitesimal. Se o conceito se modela, com efeito, por uma aproximação da realidade que ele foi feito para apreender, só por um salto, por uma passagem ao limite, é que ele chega a se realizar. Daí somos requisitados a dizer no que pode dar – direi, sob forma de quantidade finita – a elaboração conceitual que se chama o inconsciente. Ig ualmente para a repetição [e para a transferência, e para a pulsão]. // Os outros dois termos inscritos no quadro no fim da linha, O sujeito e O real, é em relação a eles que seremos levados a dar forma à questão posta da última vez – pode a psicanálise, sob seus aspectos paradoxais, singulares, aporeicos, ser considerada entre nós como constituindo uma ciência, uma esperança de ciência? [Grifos meus, JMCM] (46).

Tais parágrafos são pois decisivos para a configuração da episteme lacaniana face ao savoir-faire (saber-fazer prático) freudiano e ao dos "praticantes" (recordemos: episteme = verstehen = colocar-se em boa posição [discursiva] para compreender), sobretudo porque estas linhas estão articuladas à questão obstinadamente diretiva do "retorno a Freud" e do que a ele se seguiu, a saber, "(a psicanálise pode) ser considerada entre nós como constituindo uma ciência? (47)" – Observem os passos dados por Lacan na tentativa de estruturar adequadamente esta questão (48):

1) (...) estou aqui, na postura que é a minha, para sempre introduzir esta mesma questão – o que é a psicanálise? [Grifos meus, JMCM] (: 11); ou

2) (trata-se de colocar um fato) na entrada mesma do que tenho agora a dizer, no momento em que, diante de vocês, eu interrogo – o que são os fundamentos, no sentido amplo do termo, da psicanálise? O que quer dizer – o que é que a funda como práxis? [Grifos de Lacan] (: 14); ou então

3) (...) se estou aqui, diante de um auditório tão grande, num tal meio, e com tal assistência, é para me perguntar se a psicanálise é uma ciência, e para examiná-la com vocês [grifos de Lacan] (: 14); e

4) Assim, para autorizar à psicanálise chamar-se uma ciência, exigiremos um pouco mais. // O que especifica uma ciência é ter um objeto (: 15) [Lacan dá este objeto à psicanálise...] ; e ainda

5) Isto me permite fazer surgir uma dimensão garantida – estamos no beabá, mas, enfim, é preciso mesmo estar nele –, a da formulação. // Será que isto é o bastante para definir as condições de uma ciência? Não acredito nisso. Uma falsa ciência, assim como uma verdadeira, posta ser posta em fórmulas. A questão, portanto, não é simples, uma vez que a psicanálise, como suposta ciência, aparece com características que podemos dizer problemáticas. // A que dizem respeito as fórmulas na psicanálise? O que é que motiva e modula esse deslizamento do objeto? Existem conceitos analíticos de uma vez por todas formados? [Grifos meus, JMCM.] A manutenção quase religiosa dos termos dados por Freud para estruturar a experiência analítica, a que se remete ela? Tratar-se-á de um fato muito surpreendente na história das ciências o de que Freud seria o primeiro, e permaneceria o único, nessa suposta ciência, a ter introduzido conceitos fundamentais? Sem esse tronco, sem esse mastro, esse piloti, onde amarrar nossa prática? [Grifos meus, JMCM.] Poderemos dizer mesmo que se tratam, propriamente falando, de conceitos? Serão conceitos em formação? Serão conceitos em evolução, em movimento, a serem revistos? // Creio que aí está uma questão sobre a qual podemos afirmar que algum avanço já foi feito, numa via que só pode ser de trabalho, de conquista, visando resolver a questão de se a psicanálise é uma ciência (: 17 - 18) [grifos de Lacan]; finalmente

6) É nesta perspectiva que se mostra o que está no núcleo do problema que levanto. Será a psicanálise, de uma vez por todas, uma ciência? O que distingue a ciência moderna da ciência em sua aurora, de que tanto se discute no Teeteto (de Platão), é que quando a ciência se levanta, sempre está presente um mestre. Sem dúvida alguma, Freud é um mestre. Mas se tudo que se escreve como literatura analítica não é puro e simples jogo de palavras, funciona sempre como se o fosse – o que põe a questão de saber se esse pedículo poderá ser, um dia, diminuído (: 49) [grifos meus, JMCM].

Portanto, percebe-se imediatamente que estes passos desvelam uma determinada posição discursiva, qual seja, a de um sujeito às voltas com a tentativa de estruturar teórico-conceitualmente a experiência psicanalítica, quer amarrando-a – o termo é de Lacan – em torno de determinados conceitos fundamentais, quer formalizando o que decorre da articulação destes conceitos, quer enfim incluindo tal experiência no campo científico pela especificação de seu objeto. E a estruturação destes elementos busca demarcar, em acordo com o processo da episteme (nos termos de Lacan, vistos acima), o campo de transmissibilidade da psicanálise – atentemos: demarcar o campo de transmissibilidade com o intuito, também ele em acordo com o processo da episteme, de formar psicanalistas –. A propósito, cito uma importante passagem de O título da letra na qual Nancy e Lacoue-Labarthe contextualizam com ousadia e precisão a estratégia lacaniana:

Temos que insistir em que tal busca [a dos efeitos de formação] impõe certo recurso à palavra, um certo uso da eficácia própria da fala e de seu poder, digamos, persuasivo. Em realidade, é isto que anima e governa toda a estratégia de Lacan e dá, até certo ponto, as razões das voltas e rupturas que afetam o fio demonstrativo de seu discurso. Mesmo quando dá impressão de ausente, uma espécie de pré-texto pedagógico não pára de trabalhar o texto teórico – [este pré-texto pedagógico] não cessa de retornar, em particular, desde que se trata de Freud, como uma escansão obstinada do próprio texto. Que se trate, de fato, de arrancar a psicanálise das mãos de uma certa ortopedia não interdiz, pelo contrário, que o projeto, em seu conjunto, seja ele próprio ortopédico. Ortopedia esta, se se prefere, antiortopédica, ou contrapedagogia, que não deixa de estar relacionada, até em sua vontade crítica, com a intenção, talvez a mais fundamental, pelo menos após Sócrates, de toda a filosofia. A formação a que Lacan se refere nada mais é, sem dúvida, que a própria ÿÿÿÿÿÿÿ (Paidéia) ou sua retomada na Bildung (formação) das Luzes (de que Lacan se vale explicitamente) e do Idealismo alemão. Não faltaria aí até, e com razão, este segundo "forro" teórico da filosofia que se ata, a maior parte do tempo, com o próprio projeto pedagógico e que é o estofo médico. Pois a formação é formação para a análise, formação do analista, mesmo não sendo reservada exclusivamente só para os experientes, isto é, só para os médicos. Por isso, a psicanálise poderia aparecer aqui como uma espécie de medicina generalizada, a Paidéia de todas as paideiai, o desfiladeiro paidéico, se assim podemos dizer, que seria doravante inevitável (49).

Salta aos olhos pois que se trata da posição de um sujeito decididamente suposto ao discurso da ciência, isto é, anuncia-o o próprio Lacan em dois momentos subseqüentes, trata-se da posição de um sujeito suposto à discursividade para a qual "o saber se acrescenta ao real" (50) e / ou "há saber no real" (posição discursiva: S¹ / a) (51). Naturalmente, frisa-o Lacan,

O analista abriga um outro saber, num outro lugar, mas que deve levar em conta o saber no real [abrigado pelo cientista] (52).

Não obstante, que "outro saber" é este e qual a sua articulação com o discurso da ciência? Ouçamos Lacan:

O saber em jogo (...) é que não há relação sexual, relação, quero dizer, que possa ser escrita (53).

Mas, prossegue Lacan,

Sem tentar essa relação da escritura, na verdade não há meio de chegar àquilo que, ao mesmo tempo em que definia sua inex-sistência, eu propus como um objetivo pelo qual a psicanálise se igualaria à ciência [grifos meus, JMCM], a saber, demonstrar que essa relação é impossível de se escrever, ou seja, é nisso que ela não é afirmável mas da mesma forma não refutável, a título da verdade. // Com a conseqüência de que não há verdade que se possa dizer toda, mesmo esta, já que esta não é dita nem mais nem menos. A verdade só serve para fazer o lugar onde se denuncia esse saber. // Mas esse saber não é pouca coisa. Pois aquilo de que se trata é que acedendo ao real, ele [o saber abrigado pelo psicanalista] o determina da mesma maneira que o saber da ciência [grifos meus, JMCM] (54).

 

Com efeito, o que é esta "mesma maneira que o saber da ciência" pela qual, por sua vez, o saber abrigado pelo psicanalista acede ao real? – Esta "mesma maneira que o saber da ciência" não é outra senão (cito Lacan) "o de uma escrita constituída por pequenas equações, pequenas fórmulas" (55). Ora, esta escrita constituída por pequenas equações / fórmulas – esta escritura, seja a da ciência, seja a da psicanálise – deve sua estruturação discursiva exata e precisamente à episteme tal como Lacan a define, a saber, à episteme enquanto colocar-se em boa posição para compreender (em alemão, verstehen), e, pois, ao saber-pensar teórico surrupiador do savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria e votado à transmissibilidade (transmissibilidade cujo horizonte orto-pedagógico é o da formação).

9

A objeção mais imediata ao que venho de expor consiste em inscrever o posicionamento de Lacan face à obra freudiana – ou ao que quer que se lhe apresente – no campo do discurso do analista (56), a saber, seja lá o que Lacan tenha dito e escrito ele o fez impreterivelmente como psicanalista, ou, se preferirmos, na posição discursiva de um psicanalista.

Para ilustrar o conteúdo desta objeção, permitam-me transcrever a seguinte passagem de um texto elaborado a três mãos:

Lacan exerceu a posição de ensinante ante seus pacientes, o que lhe valeu severas críticas que concluíram no seu afastamento da Sociedade Internacional. Ao ocupar essa posição, o fazia precisamente desde um não saber que a experiência analítica lhe ensinava. Os analistas se protegem de mostrar aos pacientes o que não sabem, e por isso crêem ou fingem saber. Colocar-se no ensino na posição de analista difere do mestre que não sai da posição de saber. Ao analista é possível não saber, gaguejar, balbuciar e não responder à demanda. Nisto há um certo cálculo de como situar-se no discurso (57).

Ora, ao procurar clarificar a posição discursiva de Lacan na transmissão da psicanálise infelizmente esta passagem, pelo contrário, descerra uma noite em que todos os gatos são pardos... Observem – se os trechos principais forem destacados e colocados em seqüência, resulta o seguinte:

Lacan exerceu a posição de ensinante ante seus pacientes (...). Ao ocupar essa posição, o fazia precisamente desde um não saber que a experiência analítica lhe ensinava. (...). Colocar-se no ensino na posição de analista difere do mestre que não sai da posição de saber. Ao analista é possível não saber, gaguejar, balbuciar e não responder à demanda. Nisto há um certo cálculo de como situar-se no discurso.

Como vêem, este período está sustentado em um sofisma. Por quê? – Porque articula elementos a rigor inarticuláveis, e, tomando uma coisa pela outra, erige um contexto discursivo lógica e ontologicamente insustentável. Porém, que contexto discursivo insustentável é este? – O seguinte:

Lacan exerceu a posição de ensinante ante seus pacientes colocando-se no ensino na posição de analista. Ao ocupar essa posição, o fazia precisamente desde um não saber que a experiência analítica lhe ensinava.

Eis pois a construção sob o modo de um sofisma: toma-se a posição discursiva de ensinante pela posição discursiva de analista, a saber, afirma-se que Lacan cumpriu com a posição de ensinante – "ante seus pacientes" (sic) – situando-se no ensino na posição de analista. Isto significa que se toma a posição de um sujeito suposto ao discurso da ciência – e cuja suposição, em acordo com a estruturação deste discurso, é a de que "há saber no real" (Outro: S¹ / Produção: a) – pela posição de objeto (no caso, objeto a) –, posição de objeto esta, em acordo com a estruturação do discurso do analista, votada, pelo contrário, ao testemunho de que "o real não é, antes de tudo, para ser sabido" (Agente: a / Verdade: S²) (58).

Procura-se sustentar em seguida que "ao ocupar essa posição (a de ensinante), (Lacan) o fazia precisamente desde um não saber que a experiência analítica lhe ensinava". Como vêem, aqui se produz simultaneamente nada menos que dois sofismas: primeiro, lógica e ontologicamente é impossível ocupar a posição de ensinante "precisamente desde um não-saber" (posição a ÿ $), posto que a transmissão – implícita na posição de ensinante – exige a inscrição prévia, no discurso do sujeito votado ao ensino, precisamente de um saber (posição $ ÿ S¹); segundo, a experiência analítica – seja na posição de analista (a), seja na de analisando ($) – não ensina absolutamente nada, ou, o que seria dizer o mesmo, não transmite absolutamente nada: experiência analítica e aprendizagem (qualquer) são elementos incompossíveis, posto que o dispositivo analítico objetiva apenas a produção – e não a aprendizagem – de efeitos de sujeito, qual seja, objetiva produzir no analisando tão-somente o saber de sua divisão no campo do Outro (Outro: $ / Produção: S¹) e – talvez – a responsabilidade sobre os atos decorrentes deste saber (saber que, pois, inevitavelmente o ultrapassa). A propósito, os três anos finais do ensino de Lacan transcorrem como que enlutados pela percepção de que a suposta objetividade da episteme topo-lógica obstinadamente buscada ao longo de três décadas é impotente para demarcar e garantir a transmissibilidade integral da experiência psicanalítica:

(...) tentei conseguir algum testemunho sobre a maneira pela qual alguém se torna psicanalista: o que é que faz com que alguém se torne psicanalista depois de ter sido analisante? // Devo dizer que procurei saber sobre isso, e foi por essa razão que fiz minha Proposição, aquela que instaura o que se chama de passe, com o que depositei minha confiança em algo que se chamaria de transmissão, se houvesse uma transmissão da psicanálise. // Tal como hoje chego a pensar, a psicanálise é intransmissível. Isso é bem desagradável. É desagradável que cada psicanalista seja forçado – já que é preciso que ele seja forçado a isso – a reinventar a psicanálise. // Se eu disse em Lille que o passe havia-me decepcionado, foi exatamente por isso, pelo fato de ser preciso que cada psicanalista reinvente, a partir do que ele tirou do fato de ter sido durante um tempo psicanalisante, a maneira pela qual a psicanálise pode perdurar. // Mesmo assim, tentei dar a isso um pouco mais de corpo, e foi por isso que inventei um certo número de escrituras, etc (59).

Todavia, para os que persistem em situar Lacan exclusivamente no campo do discurso do analista quando da transmissão da experiência, de modo algum o "retorno a Freud" e tudo o que a ele se seguiu poderiam ser interpretados como a démarche epistêmica de um mestre-senhor "escravizando " os pares que o antecederam – sobretudo, "escravizando" Freud –. Assim, dizem eles, a questão estrutural do discurso filosófico – Quem tem direito ao pensamento verdadeiro? – jamais foi aventada por Lacan como questão diretiva de sua leitura e de sua transmissão dos textos saídos da escuta e da pena freudianas. Neste sentido, insistem tais sujeitos, enquanto posição discursiva a psicanálise – "de orientação lacaniana" – não tem absolutamente nada a ver com filosofia, com epistemologia, com ciência, com mestria ou com seja lá o que for que não apresente (nesta ordem) "angústia", "divisão" e "vacilação" subjetivas, posto que tais "noções" (reincidem eles) seriam expressivas de uma "lógica do não-todo" decididamente avessa à "unicidade e ao absolutismo da consciência ou da razão"...

Claro, contendo o riso e a vontade de deixar – como por vezes fazia Heidegger – determinadas objeções entregues a elas mesmas, cabe-me brevemente indicar que o discurso do analista é uma construção teórica que exigiu vinte anos de obstinado trabalho intelectual para ser estabelecida com o rigor matêmico desejado por Lacan – observe-se que a estruturação do "quadrípode", embora aparentemente simples (enquanto resultado: quatr o letras ocupando quatro posições), é extremamente racionalizada, quer em termos lógicos, quer conceituais (Ockam enrubesceria face à feroz precisão com que Lacan recorta o corpus lógico-conceitual, deixando sua afortunada navalha escapar-lhe das mãos...) –. Assim, para dizer o mínimo, o discurso do analista é efeito dos pressupostos teóricos com os quais Lacan deu início à reconquista da verdade da experiência inaugurada por Freud. Logo, tal discurso – e, acrescente-se, também os outros três (o do mestre, o da histérica e o da universidade) – exige tais pressupostos. Isto significa que a entronização dos "pequenos quadrípodes giratórios" (60) jamais teria ocorrido se Lacan não tivesse desejado fazer aquilo que de partida ele se propusera realizar, a saber, formalizar – "ao estilo de jardins à francesa", logo, "dispondo as coisas em seu lugar" (diz ele) – a algaravia de textos saída das calosas e ineptas mãos de Freud.

Além disso, note-se o que Lacan diz sobre o discurso do analista:

É em torno disso [da articulação S¹ ÿ S²] que se dá o jogo da descoberta psicanalítica. Como qualquer outro jogo, não deixa de ter sido preparado [grifos meus, JMCM]. Foi preparado por essa hesitação – que é mais que uma hesitação –, essa ambigüidade, sustentada por Hegel com o nome de dialética, quando chega a postular de início que o sujeito se afirma como sabendo-se (61); ou então:

O que o discurso analítico nos traz – e é esta talvez, no fim de tudo, a razão de sua emergência num certo ponto do discurso científico [grifos meus, JMCM] – é que falar de amor é, em si mesmo, um gozo (62); e ainda:

Foi preciso nada menos do que o discurso científico, ou seja, algo que não deve nada aos pressupostos da alma antiga. // E é dali somente [do discurso científico] que surge a psicanálise, isto é, a objetivação do fato de que o ser falante passa ainda o tempo a falar em pura perda [grifos meus: JMCM] (63); finalmente:

A psicanálise, na medida em que sua possibilidade se atém ao discurso da ciência [grifos meus, JMCM], não é uma cosmologia (64).

De todo modo, quais são os pressupostos teóricos desde os qua is Lacan pôde "colocar-se em boa posição" (episteme) para ler a obra freudiana – formalizando-a, e, pois, tornando-a objetivável (apta à transmissão)? – Já o disse acima (Saussure, Lévi-Strauss, Jakobson, etc), porém a delimitação deste posicionamento ao estilo de uma episteme topo-lógica encontra-se tão bem explicitado pelo próprio Lacan que me limito a transcrevê-lo:

Hoje em dia, no tempo histórico em que estamos [acrescente-se: tempo histórico... dos discursos], de formação de uma ciência (...), a lingüística – cujo modelo é o jogo combinatório operando em sua espontaneidade, sozinho, de maneira pré-subjetiva –, é esta estrutura [acrescente-se: discursiva] que dá seu estatuto ao inconsciente. É ela [esta estrutura discursiva destacada pela lingüística], em cada caso, que nos garante que há sob o termo de inconsciente algo de qualificável, de acessível, de objetivável. Quando incito os psicanalistas a não mais ignorarem este terreno, que lhes dá um apoio sólido para sua elaboração, quer isto dizer que eu penso manter os conceitos introduzidos historicamente por Freud sob o termo de inconsciente? Muito bem, não!, eu não penso assim. O inconsciente, conceito freudiano, é outra coisa, que eu gostaria de tentar fazer vocês apreenderem hoje [grifos meus, JMCM] (65).

Ora, – assumo o trocadilho –, aí está a posição meta-linguística de Lacan, a saber, a precisa descrição de uma posição de leitura lógico-conceitual (teórica) vis-à-vis um outro discurso disposto como suporte ao nível do savoir-faire (saber-fazer prático). Quanto a isto, aliás, em 17 de Junho de 1970 outra vez Lacan retoma o que dissera em 1955:

Afirmo sempre que não há metalinguagem. Tudo o que se pode pensar como sendo da ordem de uma busca do meta na linguagem é sempre, simplesmente, uma pergunta sobre a leitura (66).

Sim, talvez. Façamos no entanto o seguinte exercício: se reescrevermos esta frase na forma negativa obteremos imediatamente uma denegação, pois "Afirmo sempre que não há metalinguagem" é, enquanto enunciado, o mesmo que "Nego sempre que há metalinguagem", logo, denegativamente, enquanto enunciação, "Afirmo sempre que há metalinguagem". O segundo período ("Tudo o que se pode pensar, etc") desvela então o que o primeiro período ("Afirmo sempre que não há metalinguagem") procurava ocultar, resultando: "Tudo o que se pode pensar como sendo da ordem de uma busca do meta na linguagem é sempre, simplesmente, uma resposta de leitura". Então, caso admitamos a legitimidade deste exercício, a posição ao estilo de uma episteme topo-lógica de Lacan face aos textos freudianos configura-se afinal como uma resposta de leitura, e, pois, pela via da invenção "de um certo número de escrituras" (67) – invenção esta, frise-se, inteiramente de acordo com a tradição do saber-pensar teórico conceitualmente transmissível –, configura-se – a posição de Lacan, dizia eu – como uma metalinguagem. Aliás, confrontando-se finalmente com a possibilidade de que todo o seu percurso de leitura da obra freudiana não fosse "simplesmente uma pergunta" mas uma resposta de leitura materializada (objetivada) em uma escrita – logo, a configuração concreta de uma metalinguagem –, no momento da segunda reviravolta decisiva em seu ensino – aquele em que passa da topologia das superfícies para a topologia das linhas, radicalizando in extremis a "monstração" do real –, como que acuado Lacan retoma desesperadamente o tema:

Preciso entretanto dizer o que há de metalinguagem, e no que ela se confunde com o traço deixado pela linguagem. // A escrita, então, é um traço onde se lê um efeito de linguagem. É o que se passa quando vocês garatujam alguma coisa. // Eu também certamente não me privo dela [da escrita], pois é com ela que preparo o que tenho a dizer. É notável que seja preciso, da escrita, garantir-se. No entanto, ela não é a metalinguagem, embora possamos fazê-la preencher uma função parecida. Este efeito não é, por isso, menos segundo, em vista do Outro, onde a linguagem se inscreve como verdade [logo, "não há Outro do Outro" ou "não há metalinguagem"]. Pois nada do que eu pudesse, no quadro, lhes escrever das fórmulas gerais que ligam, no ponto em que estamos, a energia à matéria – por exemplo, as últimas fórmulas de Einstein –, nada disso se mantém se não o sustento com um dizer que é o da linguagem e com uma prática que é a das pessoas que dão ordens em nome de um certo saber [no discurso da ciência, posição $ ÿ S¹] (68).

Esta passagem evidentemente é decisiva. Observem que Lacan precisa especificar o que há de metalinguagem... E por quê? – Naturalmente para proteger sua leitura – concreta e rigorosamente, sua escritura –, preservando-a das tentativas de caracterizá-la, propriamente, como uma metalinguagem. Logo, trata-se para Lacan de defender sua escritura / leitura (esta ordem é importante), resguardando-a de ser interpretada como uma linguagem que iria (em grego) metà (trans-), a saber, no caso, uma linguagem que iria além da linguagem freudiana, e, pois, enquanto tal, capaz a um só tempo de a) ordenar os elementos dispersos nesta linguagem (demarcando-lhe o campo lógico), b) extrair dela os seus conceitos fundamentais (os operadores conceituais mínimos e indispensáveis) e c) através de proposições elementares algébrico-matemáticas (equações / fórmulas), objetivar a experiência à qual esta linguagem se refere. Mas, curiosamente, por tudo o que vimos até aqui, e na contramão dos cuidados lacanianos citados acima, este parece ser in totum o agenciamento ao estilo de uma epi steme que Lacan, sob os nossos olhos perplexos, realiza do dispositivo clínico inaugurado por Freud...

Todavia, atenhamo-nos ao essencial da citação. Para Lacan a confusão está em se tomar "o traço deixado pela linguagem" – logo, a escrita – por uma metalinguagem . Isto porque, se crermos em Lacan, a escrita é apenas "um traço onde se lê um efeito de linguagem", e apesar de que "seja preciso, da [desde a] escrita, garantir-se [para que haja transmissão]", contudo "ela [a escrita] não é a metalinguagem, embora possamos fazê-la preencher uma função parecida" (69). E agora o mais importante: "Este efeito [o de fazer a escrita preencher uma função parecida com a de uma metalinguagem] não é, por isso, menos segundo, em vista do Outro, onde a linguagem se inscreve como verdade [grifos meus, JMCM] (70)." Depreende-se portanto que o "efeito de metalinguagem" que a escrita pode dar a ler nela mesma é segundo em vista do Outro, a saber, quer falemos, quer escrevamos, o estatuto próprio destes atos simbólicos é o de se inscreverem "como verdade" no campo do Outro – e, acrescente-se, nada mais do que isso –. A conclusão é inevitável: "não há Outro do Outro", logo, "não há metalinguagem" [escritura: S (ÿ)].

Não obstante, pergunto: – Será mesmo? Observem como Lacan justifica sua abordagem do problema:

Pois nada do que eu pudesse, no quadro, lhes escrever das fórmulas gerais que ligam, no ponto em que estamos, a energia à matéria – por exemplo, as últimas fórmulas de Einstein –, nada disso se mantém se não o sustento com um dizer que é o da linguagem e com uma prática que é a das pessoas que dão ordens em nome de um certo saber (71).

Entendamo-nos. Para Lacan, então, as últimas fórmulas de Einstein – as equações que ligam a energia à matéria – não subsistiriam por si mesmas se não fossem sustentadas "com um dizer que é o da linguagem e com uma prática que é a das pessoas que dão ordens em nome de um certo saber". Isto significa que, por exemplo, a fórmula E = m . c² não subsistiria por si mesma caso não fosse sustentada com um dizer ("que é o da linguagem") e com uma prática ("que é a das pessoas que dão ordens em nome de um certo saber", quais sejam, os cientistas).

Ora, esta justificativa está inteiramente em desacordo com a démarche lógica do próprio Lacan, além de ser, no limite, absurda. Isto porque, primeiro, o percurso lógico de Lacan consiste no estabelecimento de determinadas escrituras – ditas "lingüísticas", "matêmicas", "topológicas (das superfícies e das linhas)" – que devem confluir, sobretudo as escrituras topológicas das linhas – a dita " física do último Lacan" –, para a "monstração" do real, prescindindo pois, tal "monstração", de qualquer dizer ("que é o da linguagem"); e, segundo, quanto ao discurso científico tomado como suporte da justificativa lacaniana (a física, particularmente a de Einstein), é absurdo supor que a fórmula equacional E = m . c² – ou mesmo, admitamos, uma outra fórmula matemática qualquer – necessite de um dizer ("que é o da linguagem") e de uma prática ("a dos cientistas") para subsistir lógica e ontologicamente enquanto uma escritura que opera no real – e opera no real, acrescente-se, mostrando-o (posição S¹ / a, qual seja, "há saber no real") –. Noutros termos, quanto a este segundo ponto, é inteiramente dispensável dizer "energia (E) é igual ( = ) à massa (m) vezes ( . ) a velocidade da luz ao quadrado (c²)" e inserir este dizer no campo de uma prática ("a dos cientistas") para que a equação E = m . c² estruture-se como tal e opere com sentido. Ocorre exatamente o contrário: enquanto fórmula – portanto, a rigor, enquanto proposição elementar –, ela é, concretamente, uma escritura, a saber, a estruturação de algumas letras desde a qual é possível então objetivar quer um dizer ("que é o da linguagem"), quer uma prática ("a dos cientistas").

Tudo se passa portanto como se, antes da formalização em uma escritura que institui e delimita um campo de experimentação – por exemplo, o da física de Einstein e o da psicanálise de Lacan – estivéssemos, cega e exclusivamente, imersos em e às voltas com o savoir-faire (saber-fazer prático): no caso, pré-Einstein, imersos em e às voltas com o savoir-faire (saber-fazer prático) de Newton; pré-Lacan, imersos em e às voltas com o savoir-faire (saber-fazer prático) de Freud... Aliás, observe-se que nas escrituras que apresentam uma estruturação composta pelo menor número possível de elementos há sempre uma dimensão estética imediata e iniludível, obrigando-nos – no sentido precisamente grego do termo – à contemplação: em Einstein, E = m . c²; em Lacan, ÿ / Ø (72).

Assim, parece-me insustentável a proposição lacaniana segundo a qual "não há metalinguagem" – insustentável, pelo menos, quando aplicada à escrita –. De todo modo, creio que é preciso inserir a inteligibilidade desta questão no contexto da episteme tal como o próprio Lacan a define, e, pois, pensá-la no campo de forças demarcado, por um lado, pelo savoir-faire (saber-fazer prático), e, de outro, pelo saber-pensar teórico conceitualmente transmissível. Naturalmente, como procurei expor, este campo de forças é intensa e extensamente recortado pela indagação Quem tem direito ao pensamento verdadeiro?, e – frise-se – decide-se entre pares e em escritura o exercício deste direito: por exemplo, Newton // Einstein, Freud // Lacan. A propósito, incluindo-se na contingência dos processos decisórios – incluindo-se pois em o que cessa de não-se-escrever –, Lacan dirige-se aos seus ouvintes nos seguintes termos:

Para aqueles que me seguem nesse caminho, mas que no entanto viessem a lamentar não terem uma qualificação repousante, ofereço como prometi a outra via além da de me deixar: que me ultrapassem no meu discurso até torná-lo obsoleto. Saberei enfim que ele não foi em vão [grifos meus, JMCM] (73).

10

Concluo com mais quatro observações.

Primeira: o que procuro sustentar encontra ressonância teórica no próprio Lacan, pois a episteme – o colocar-se em boa posição para (os termos são de Lacan) "roubar", "raptar", "trair" o savoir-faire (saber-fazer prático) do escravo – é uma questão de direito e não de justiça, a saber, uma questão de lei. A este propósito, cito Lacan e abstenho-me de comentá-lo:

Tomemos a dominante do discurso do mestre, cujo lugar é ocupado por S¹. Se a chamássemos de a lei, faríamos algo que tem todo seu valor subjetivo e que não deixaria de abrir a porta para um certo número de observações interessantes. É certo, por exemplo, que a lei (...) não deve certamente ser considerada homônima do que pode ser enunciado em outro lugar como justiça. (...) a lei [continua] sendo algo que está, primeiramente e sobretudo, inscrito na estrutura. (...) há, talvez, leis de estrutura que fazem com que a lei seja sempre a lei situada nesse lugar que chamo de dominante no discurso do mestre [S¹] (74).

Segunda: o escravo moderno é o que é, a saber, uma classe... operária. Há muito que o escravo deixou de "saber-fazer" algo de "próprio", de "seu", de "autoral": surrupiado, o savoir-faire (saber-fazer prático) e sua transmissibilidade passam para as cabeças dos mestres, destas para a dos professores e pesquisadores universitários, destas para as dos engenheiros e técnicos industriais e destas voltam para as mãos dos operários na forma de estranhos objetos denominados "máquinas" e de não menos estranhas "linhas de montagem ou de produção"... Ora, o resultado imediato deste "saber transmissível" – primeiro tempo: das mãos para as cabeças; segundo tempo: das cabeças para as cabeças; terceiro tempo: das cabeças para as mãos – é que não mais cabe ao escravo saber-fazer absolutamente nada e sim saber-operar a maquinaria exposta – claro, imposta – por esta estranhíssima paisagem cognominada "parque industrial". – Certo, neste "parque", nenhuma diversão...

Parece-me então que Lacan inibe-se ao afirmar que a filosofia, "em toda a sua evolução", é o "roubo" do savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria, pois, em verdade, desde pelo menos Descartes e Kant a produção filosófica está a reboque do discurso da ciência (no limite, a reboque da indústria, do capital [escritura: $ / S¹ ÿ S² / a]). Por exemplo, os textos de Descartes são pari passu a contraposição das conquistas de Galileu na física às incertezas ("falta de método") de Montaigne; e o esforço descomunal de Kant em suas três críticas transcorre para que se possa, partindo dos juízos sintéticos a priori conquistados na física e na matemática (com Newton, sobretudo), estabelecer as condições de possibilidade de tais juízos também no pensamento filosófico (metafísico).

Um adendo: não por acaso as primeiras revoltas operárias são decididamente contra os seus mestres/senhores mais imediatos, isto é, as próprias máquinas.... Todavia, supondo saber o que "em realidade" estava em jogo nestas revoltas – a burguesia é que deveria ser "o alvo" da destruição –, os cabeças-feitas Marx e Engels bradavam aos operários: "Não quebrem as máquinas! Não quebrem as máquinas!" – Pois é, outra vez o saber-pensar teórico conceitualmente transmissível surrupiando o savoir-faire (saber-fazer prático) da escravaria...

Terceira: antes de mandar distribuir entre seus ouvintes figurinhas representando elefantes, Lacan encerra a última aula de O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (aula de 7 de Julho de 1954) com estas palavras trágicas e ao meu ver premonitórias de seu próprio percurso:

O sujeito que pensa o pensamento do outro vê no outro a imagem e o esboço dos seus próprios movimentos. Ora, cada vez que o outro é exatamente o mesmo que o sujeito, não há outro mestre exceto o mestre absoluto, a morte. Mas é preciso ao escravo um certo tempo para ver isso. // Porque ele está bem contente de ser escravo, como todo o mundo (75).

Finalmente, quarta: se Marx supõe ter encontrado o "segredo da mercadoria" na mais-valia – a mais-valia era até então (até Marx) a "lógica insondável" do capitalismo, assim como, mutatis mutandis, o objeto (a) era até então (até Lacan) a "lógica insondável" da psicanálise) –, Nietzsche, por sua vez – "vez última", pontua Heidegger –, e retomo aqui a questão estruturante do saber-pensar teórico conceitualmente transmissível – Quem tem direito ao pensamento verdadeiro? –, Nietzsche, então, dizia eu, em duas passagens extraordinárias desvenda o enigma do pólemos heraclítico:

1) Nietzsche em Sobre o pathos da verdade:

Será que a glória realmente não passa do bocado mais saboroso de nosso amor-próprio? – Ela está ligada aos homens mais raros, e também aos momentos mais raros de tais homens, como ambição. São os momentos das iluminações súbitas, quando o homem estica seu braço imperiosamente, como que para criar um mundo, produzindo luz de si mesmo e espalhando-a em torno. Então, impõe-se a ele a certeza confortadora de que a posteridade não pode ser privada daquilo que o elevou e o ocultou no ponto mais distante, da altura de sua sensação única; na eterna necessidade, para todos os que virão, desta mais rara das iluminações, o homem reconhece a necessidade de sua glória. Em todo o futuro, a humanidade precisa dele, e como aquele momento da iluminação é o resumo e a concentração de sua essência mais própria, ele acredita ser imortal, como o homem de tal momento, enquanto atira para longe de si e entrega à transitoriedade tudo mais, como dejeto, podridão, vaidade, animalidade, ou como um pleonasmo (76).

2) Nietzsche em Do ler e escrever :

Corajosos, descuidados, zombeteiros, violentos – assim nos quer a verdade –; ela é mulher: ela ama sempre somente aquele que é um guerreiro (77).

 

POST-SCRIPTUM

A posição discursiva ao estilo de uma episteme adotada por Lacan face à obra de Freud resta afinal como uma espécie de "carta roubada", a saber, é colocada à superfície de sua transmissão, e, pois, "são sempre as coisas mais visíveis, à mostra, as que menos vemos" (78). Assim, a estratégia de "pôr as coisas..." – as coisas do savoir-faire (saber-fazer prático) de Freud – "...em seu lugar" – com precisão, "na medida em que sua possibilidade [a da psicanálise] se atém ao discurso da ciência" (79) –, esta estratégia então, dizia eu, infelizmente passa desapercebida (80).

Sim, infelizmente, porque se trata de uma operação decisiva: a sustentabilidade dos motivos teórico-clínicos e políticos que levam Lacan a propor e a realizar o "retorno a Freud" (e o que a ele se seguiu) seria completamente impossível caso tal projeto não se estruturasse e se inserisse no percurso lógico-discursivo que, desde sobretudo Platão (81), realiza o ato de ultrapassagem do savoir-faire (saber-fazer prático) para o saber-pensar teórico conceitualmente transmissível. Naturalmente, acrescente-se, este percurso conflui para o estabelecimento do discurso científico, qual seja, para o da posição discursiva cuja enunciação maior é a de que – e é precisamente Lacan que a formula nestes termos – "há saber no real" (escritura: $ / S² ÿ S¹ / a). – A propósito, dentre inúmeras outras ocorridas em contextos semelhantes, uma rápida passage m ilustra com pontualidade e clareza a importância da démarche lacaniana (trata-se do diálogo entre Lacan e o renomado sociólogo Lucien Goldmann, realizado durante o simpósio internacional As linguagens da crítica e as ciências do homem [Johns Hopkins Humanities Center, 18 - 21 de Outubro de 1966, Baltimore, USA]):

GOLDMANN: (...). Parece que o senhor falou que o inconsciente é a língua comum, o inglês, o francês, que todos falamos.

LACAN: Eu disse que é como a língua, francês ou inglês, etc.

GOLDMANN: Mas é independente desta língua? Se é, eu paro por aqui, não tenho mais perguntas a fazer. Ou se liga à língua falada na vida consciente?

LACAN: Liga-se.

GOLDMANN: Muito bem. A segunda coisa que me chama a atenção, se bem entendi o que o senhor falou. Etc (82).

Em seguida, Lacan responde ao epistemólogo Charles Morazé (especialista em história da matemática, professor da École Pratique des Hautes Études, Paris, France):

MORAZÉ: Fico feliz em ver o uso da gênese dos números nesta discussão [entre Lacan e Goldmann]. Respondendo ao sr. Goldmann, quando estudo a história dependo desta mesma gênese dos números como da mais sólida das realidades. A esse respeito, eu gostaria de fazer uma pergunta para verificar se nossos postulados são realmente os mesmos, ou se são diferentes. Parece-me que no início de sua exposição o senhor disse que, para o senhor, a estrutura da consciência é a linguagem e, já no final, o senhor disse que o inconsciente estrutura-se como a linguagem. Se a segunda formulação é a correta, é também a minha.

LACAN: É o inconsciente que se estrutura como a linguagem: eu nunca disse outra coisa (83).

Pois bem. Os psicanalistas ditos lacanianos deveriam ser os primeiros a atentar para a posição discursiva ao estilo de uma episteme adotada por Lacan face à obra de Freud. Isto porque tal posição é a única que permite "pôr as coisas [as coisas do savoir-faire (saber-fazer prático) freudiano] em seu lugar", a saber, o lugar lógico-conceitual "desde o qual – acentua-o Lacan – (tais) coisas se ordenem" (84). E se ordenem, exatamente, enquanto campo lógico-operacional – a justo título, campo freudiano – no qual é possível isolar conceitualmente um objeto – a justo título, o inconsciente de Lacan –, objeto este apenso a uma causa – a justo título, o objeto (a) de Lacan –. Tal ordenamento – e apenas ele – é o que faculta "pôr a psicanálise de pé" (85), qual seja, demarcar-lhe com precisão a ascendência discursiva – pois "sua possibilidade se atém ao discurso da ciência" (86) – e, isto feito, conferir-lhe com rigor cidadania lógica – melhor: topológica, ou, se pre ferirmos, no final da transmissão, a justo título, a física de Lacan (87) –. Obviamente, esta cidadania configura-se como laço social vis-à-vis os outros discursos (88), e, desde sua escritura própria (a / S² ÿ $ / S¹), opera a dobra discursiva (em extensão e em intensão) na qual – contingencialmente, frise-se (89) – a psicanálise poderá, com Lacan, sustentar que há o que não cessa de não-se-inscrever (escrever) – logo, há o real –, e / ou, com Freud, postular que há o para-além do princípio de prazer – logo, há o sintoma, a saber, o mal-estar na e da cultura –.

Contudo, surpreendentemente os psicanalistas ditos lacanianos são os primeiros quer a desconhecer por completo a posição discursiva ao estilo de uma episteme adotada por Lacan, quer a confundir tal posição – quando alguns, ao contrário, descrevem-lhe os contornos – com "epistemologia", ou "teoria do conhecimento", ou "teoria da ciência", etc. Bem, quanto aos primeiros não há o que fazer, posto que a inocência – acentua-o Rousseau – é o estado natural dos homens; e quanto aos segundos há talvez menos ainda, posto que a debilidade mental – acentua-o Lacan – é o estado natural dos psicanalistas...

De fato, a situação é curiosa: obtusamente aferrados ao que supõem ser "a autêntica posição do analista em e sob qualquer estado de coisas" – qual seja, na discursividade que lhe é própria, semblant de (a) enquanto docta ignorantia ("saber ignorar que sabe", cf. – nas palavras de Giordano Bruno – "o divino Cusano" [Nicolau de Cusa (1401 – 1464)]) –, tais sujeitos impõem a si mesmos um ideal de rigor que em verdade não tem absolutamente nada de rigoroso... Sobretudo, ao desconhecer ou recusar a estratégia epistemo-topo-lógica de Lacan, os ditos lacanianos laboram na contramão do hercúleo esforço do psicanalista francês para "pôr a psicanálise de pé", a saber, parasitam o seu obstinado esforço para articular a psicanálise ao discurso da ciência (90), e, pois, conferir-lhe (à psicanálise) cidadania lógica e ontológico-ética vis-à-vis os outros discursos. Os efeitos deste parasitismo são assustadores: a clínica perde cada vez mais o estatuto de ser uma experimentação capaz de questionar os referenciais teóricos, tornando-se, infelizmente, apenas um exercício corriqueiro ilustrativo do corpus doutrinal; e os referenciais teóricos, desconectados por sua vez dos últimos e extraordinários avanços do discurso científico, patinam em um círculo vicioso autoreferente e – no pior sentido do termo – escolástico (talvez o personagem Jorge de Burgos – retrógrado e autoritário bibliotecário-diretor do sinistro mosteiro imaginado por Eco em O nome da rosa (91) – expresse em sua fala o que via de regra tem ocorrido dentre aqueles que deveriam ser – e recusam-se terminantemente a sê-lo – "o bando de Lacan" – cito [livremente] Burgos: "Irmãos, não devemos querer ir além do que já sabemos: devemos, ao contrário, nos dedicar a uma compenetrada e sublime recapitulação!").

De todo modo, o desafio que Lacan lançara em seu Discurso à Escola Freudiana de Paris (6 de Dezembro de 1967) – a saber, para que o ultrapassassem, "até torná-lo [ao seu discurso] obsoleto" (92) – parece que encontrou pelo menos um que tenha séria e corajosamente aceito tal desafio (aliás, o aceitou antes mesmo que Lacan o formulasse naqueles termos): seu nome, Jacques-Alain Miller. Isto porque desde o início Miller compreendeu que a posição discursiva de Lacan face à obra de Freud – a saber, posição ao estilo de uma episteme enquanto saber-pensar teórico conceitualmente transmissível – seria, em acordo com a tradição da estrutura desta posição discursiva, inevitavelmente superada. Sobretudo, Miller rapidamente percebeu que havia no ensino lacaniano – em que pese o barroquismo estilístico – uma clara e poderosa linha de sustentabilidade, a saber, e como de resto o próprio Lacan a enunciara, aquela segundo a qual a possibilidade lógica e ontológico-ética da psicanálise se ateria "ao discurso da ciência" (93). Todavia, Miller também percebeu com rapidez que esta possibilidade – enquanto referida ao discurso da ciência (referência, lembre-se, inteiramente em acordo com o atávico desejo de Freud no tocante a esta questão) – apenas poderia ser demarcada de maneira rigorosa se na análise do ensino de Lacan trouxéssemos cada vez mais à superfície o recorte lógico entre verdade e saber, e isto de tal modo que fôssemos paulatinamente ultrapassando o pathos configurador da verdade em benefício de uma posição discursiva estruturada, ao contrário, pelo lógos agenciador e operador do saber – cito Miller:

Hay marcas muy claras en la enseñanza de Lacan de que la promoción del saber se acompaña de una degradación de la verdad. Como destaqué, esta degradación parece sustraer a la retórica lacaniana un término que alimentaba los efectos patéticos y proponer, a cambio, a fin de ordenar la verdad, no tomar como referencia la progresión dialéctica del no saber, el Sócrates interrogador o la Pitonisa en sus vaticinios – todas figuras admirables, clasificadas –, sino, de manera más prosaica, la lógica matemática. Luego, la definición del inconsciente como saber en la enseñanza de Lacan despatetiza la verdad y la conduce del lado del matema, precisamente, del lado de las matemáticas o, al menos, del esfuerzo matemático para vaciar a la verdad de su carga pasional (94).

Com efeito, continua Miller,

Hay algo radical en este giro de 180 grados respecto de la concepción patética de la verdad. En el pasaje sobre lo no sabido, en la Proposición... del pase, que no está bajo el régimen de la primera distinción entre verdad encima de la barra, y saber, debajo, donde la verdad es lo reprimido, que exige del saber que se barre, Lacan propone hacer de la lógica matemática, de un saber bien particular, su referencia. La idea allí expuesta es que la buena manera de actuar con la verdad en el análisis es la lógica; esto es, borrar la pasión para conservar su valor de letra, una letra entre otras. Y contrariamente a lo que se desprendería si se la mira demasiado rápido, la Proposición... se basea en la dominación de la verdad por el saber (95).

E o mais decisivo:

Este viraje que marca el paso del inconsciente como verdad al inconsciente como saber es contemporáneo de la valorización del matema, del desprendimiento del término mismo, y de un acento que ya no se pone sobre hablar, sino sobre escribir. Pero un escribir que no es literario, sino que depende justamente de la forma lógica del saber científico; es, pues, adoptar para el psicoanálisis esta forma lógica del saber (96).

Naturalmente, falta-me aqui espaço para continuar o comentário destes interessantes deslocamentos e avanços teóricos propostos por Miller. Concluo então com mais duas passagens daquele que é para mim o melhor dos contrapesos – outra vez cito Nietzsche:

1) Nietzsche em O estado grego:

 

Como se gerou o escravo, a toupeira cega da cultura? Em seu instinto de direito popular, os gregos o denunciaram, e mesmo no apogeu de sua civilização e de sua humanidade jamais deixaram de pronunciar palavras como: "O vencido pertence ao vencedor, com mulher e filho, com bens e sangue. É a violência que dá o primeiro direito, e não há nenhum direito que não seja em seu fundamento arrogância, usurpação, ato de violência (97)."

2) Nietzsche em Do ler e escrever:

 

De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com seu próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito (98).

 

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Psicanalista. Membro da Escola Letra Freudiana (Rio de Janeiro, Brasil). Tels.: (021) 2205 58 56 / (021) 9888 41 85. E-mail:

jmcastromattos@uol.com.br

(2) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 19.

(3) Idem: 70.

(4) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda (1972 - 1973), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 105 - 120.

(5) Cito Heidegger: "Quem pensa profundamente deve profundamente errar." – HEIDEGGER, M. Da experiência do pensar, Porto Alegre: Editora Globo, 1969: 41. – Atenção: o errar (em alemão, das Irren), e não o erro (em alemão, der Irrtum).

(6) ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES, HERÁCLITO. Os pensadores originários, Petrópolis: Vozes, 1991: 73.

(7) Cito Heidegger: "Nossa interrogação pelo nada tem por alvo apresentar-nos a própria metafísica. O nome ‘metafísica’ vem do grego tà metà physiká. Esta surpreendente expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da interrogação que vai metà – trans, ‘além’ do ente enquanto tal. // Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensão." – HEIDEGGER, M. "Que é metafísica?" , in Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1989: 42 - 43.

(8) LACAN, J. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 - 1954), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983: 142.

(9) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

(10) Ao longo de toda a minha exposição mantenho-me fiel à definição que Lacan oferece do termo episteme, definição esta que não tem absolutamente nada a ver com epistemologia enquanto "teoria do conhecimento" ou "teoria da ciência ". Portanto, a escansão em epistemo-lógico refere-se exclusivamente àquela definição de Lacan, acrescentando-se que se trata de uma posição lógica.

(11) Portanto, a pedagogia no Ocidente é, também ela, tributária da episteme (tal como Lacan a define).

(12) "Experiência única: diante dos teóricos utopistas e dos jovens burgueses bem-intencionados, que querem curar suas misérias e promover o trabalho do futuro, esses artesãos vivenciam a questão inaugural da filosofia: quem tem direito ao pensamento? Com que marcas se distinguem aqueles que nasceram para trabalhar com as mãos daqueles que nasceram para pensar? Assim, eles nos pegam pelo avesso." – JACQUES RANCIÈRE, "Entrevistas do Le Monde", in Filosofias, São Paulo: Editora Ática, 1990: 149.

(13) HERÁCLITO, Fragmento 35: "È bem necessário serem os homens amantes da sabedoria (philósophos) para investigar muitas coisas." – ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES, HERÁCLITO. Petrópolis: Vozes, 1991: 67.

(14) Com Marx inicia-se o processo de "superação" da metafísica: em Marx, a reversão (do hegelianismo); em Nietzsche, a inversão (do platonismo); em Heidegger, a destruição (da ontologia tradicional); em Freud / Lacan, a subversão (do sujeito transcendental).

(15) HEIDEGGER, M. Sobre o humanismo, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995: respectivamente pp. 91, 98 e 59.

(16) HEIDEGGER, M. "A tarefa de uma destruição da história da ontologia", in Ser e Tempo, Petrópolis: Vozes, 1988: 47 - 56.

(17) Os diálogos Parmênides, Teeteto, O sofista, O político e A república expressam a plena maturidade intelectual de Platão, a saber, a sua superação do socratismo.

(18) Cito Lacan: "A partir de então ele [o psicanalista] sabe que é um dejeto. É o que a análise deve tê-lo feito ao menos sentir. Se ele não for com isso levado ao entusiasmo, pode ser que tenha havido análise, mas psicanalista, não há nenhuma possibilidade." – LACAN, J. "Nota italiana", in Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 52.

(19) LACAN, J. O seminário: livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979: 28 - 29.

(20) Idem: 19.

(21) LACAN, J. "Abertura da sessão clínica", in Dizer 13, Rio de Janeiro: Escola Lacaniana de Psicanálise, circulação interna, sem data: 9 - 10.

(22) Cito Lacan: "O estilo é o homem; vamos aderir a essa fórmula, somente ao estendê-la: o homem a quem nos endereçamos?" – LACAN, J. "Abertura desta coletânea", in Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 9.

(23) LACAN, J. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 -1954), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983: 50 e 55.

(24) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 19.

(25) LACAN, J. "Da estrutura como intromistura de um pré-requisito de alteridade e um sujeito qualquer", in A controvérsia estruturalista (as linguagens da crítica e as ciências do homem), São Paulo: Cultrix, 1976: 198 - 212.

(26) LACAN, J. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 - 1954), Jorge Zahar Editor, 1983: 327.

(27) LACAN, J. Televisão, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 70.

(28) LACAN, J. Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 827.

(29) Idem: 827.

(30) Sobre a questão de uma escrita capaz de estabelecer a univocidade de sentido, ver WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus, São Paulo: EDUSP, 1993.

(31) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 19 - 20.

(32) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda (1972 - 1973), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 165.

(33) HEIDEGGER, M. "Que é metafísica?", in Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1989: 42 - 43.

(34) HEIDEGGER, M. Ser e Tempo, Petrópolis: Vozes, 1988.

(35) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 19.

(36) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 161.

(37) WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus, São Paulo: EDUSP, 1993.

(38) Idem. Cf. também a excelente introdução de Luiz Henrique Lopes dos Santos, "A essência da proposição e a essência do mundo", in op. cit.: 9 - 112.

(39) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 161.

(40) LACAN, J. "L´étourdit" (14/07/1972), in Scilicet 4, Paris (France): 1973, § 90.

(41) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 161.

(42) Idem: 161.

(43) ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES, HERÁCLITO. Os pensadores originários, Petrópolis: Vozes, 1991: 71.

(44) HEIDEGGER, M. Heráclito, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998: 382.

(45) LACAN, J. Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 406.

(46) LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979: 24 - 25.

(47) Idem: 25.

(48) Ibidem: as páginas estão indicadas ao final de cada citação. Sobre a questão do "objeto da psicanálise" – e, pois, a questão da psicanálise enquanto ciência –, o ensaio Freud e Lacan (1964), de Louis Althusser, é imperdível. – ALTHUSSER, L. "Freud e Lacan", in Freud e Lacan, Marx e Freud, Rio de Janeiro: Edições Graal, 1991: 45 - 71.

(49) NANCY, J-L. e LACOUE-LABARTHE, PH. O título da letra, São Paulo: Escuta, 1991: 97 - 98.

(50) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 – 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 178.

(51) LACAN, J. "Nota italiana", in Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 51. – Escritura do discurso da ciência: $ / S² ÿ S¹ / a

(52) Idem: 51.

(53) Idem: 52.

(54) Idem: 53.

(55) LACAN, J. "Entrevista coletiva com o Dr. Lacan", in Dizer 12, Rio de Janeiro: Escola Lacaniana de Psicanálise, circulação interna, sem data: 21.

(56) Escritura do discurso do analista: a / S² ÿ $ / S¹

(57) ZACHARIAS, A. L., VIDAL, E. e TOLIPAN, E. "Transferência de trabalho e transmissão da psicanálise", in Fascínio e servidão, Belo Horizonte: Autêntica, 1999: 107.

(58) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1992: 178.

(59) LACAN, J. "Congresso sobre a transmissão", in Escola Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 66.

(60) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 15.

(61) Idem: 83.

(62) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda (1972 - 1973), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 112.

(63) Idem: 115 - 116.

(64) Ibidem: 119.

(65) LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979: 26.

(66) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 181.

(67) LACAN, J. "Congresso sobre a transmissão", in Escola Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 66.

(68) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda (1972 - 1973), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 164 - 165.

(69) Idem: 165.

(70) Ibidem: 165.

(71) Ibidem: 165.

(72) Lê-se: Sigma (ÿ, notação para sinthome / escritura) "sobre o" Vazio (Ø, notação matemática para conjunto vazio).

(73) LACAN, J. "Discurso à Escola Freudiana de Paris", in Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 35.

(74) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 – 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 41.

(75) LACAN, J. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 - 1954), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983: 327.

(76) NIETZSCHE, F. "Sobre o pathos da verdade", in Cinco prefácios para cinco livros não escritos, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000: 23 - 24.

(77) NIETZSCHE, F. "Do ler e escrever", in Assim falou Zaratustra, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000: 66 - 67.

(78) LACAN, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969 - 1970), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992: 70.

(79) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 119.

(80) Há pelo menos quatro importantes exceções: a) ALTHUSSER, L. "Freud e Lacan", in Freud e Lacan, Marx e Freud, Rio de Janeiro: Edições Graal, 1991: 45 – 71; b) JURANVILLE, A. Lacan e a filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987; c) MILNER, J-C. A obra clara (Lacan, a ciência, a filosofia), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996 e d) NANCY, J-L. e LACOUE-LABARTHE, Ph. O título da letra, São Paulo: Escuta, 1991.

(81) A leitura que Heidegger realiza da passagem do "Livro VII" de A república, de Platão, – passagem conhecida como "mito da caverna" –, exemplifica com inacreditável rigor e precisão a posição discursiva ao estilo de uma episteme adotada pelo filósofo grego: a superação da noção de verdade como alétheia ("des-velamento") pela noção de verdade como homoiósis ("ir ao igual", "adequar-se a") é pari passu a apropriação do savoir-faire (saber-fazer prático) pelo saber-pensar teórico conceitualmente transmissível. Cito Heidegger: "[O objeto do mito da caverna não é a alétheia e sim o] acontecimento, que ele [Platão] não menciona, da dominância da idéa sobre a alétheia. // Assim orientada, a percepção se conforma ao que deve ser visto. É isso a evidência (Aussehen) daquilo que é. Essa adaptação da percepção, da ídein à idéa acarreta uma homoíosis, um acordo do conhecimento e da própria coisa. Da preeminência conferida à idéa e à ídein sobre a alétheia resulta uma mudança na essência da verdade. A verdade se torna orthóthes, a exatidão da percepção e da enunciação." – HEIDEGGER, M. Platons Lehre von der Wahrheit (Mit einen Brief über den "Humanismus"), 3, Aufl. Bern und München, Francke Verlag, 1975: 40 - 42. Citação colhida em NUNES, B. Passagem para o poético (filosofia e poesia em Heidegger), São Paulo: Editora Ática, 1986: 218 - 219.

(82) MACKSEY, R. e DONATO, E. A controvérsia estruturalista (as linguagens da crítica e as ciências do homem), São Paulo: Editora Cultrix, 1976: 210.

(83) Idem: 211 - 212.

(84) LACAN, J. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953 - 1954), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983: 50.

(85) LACAN, J. "Abertura da sessão clínica", in Dizer 13, Rio de Janeiro: Escola Lacaniana de Psicanálise, circulação interna, sem data: 10.

(86) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 119.

(87) "Com qual física operar? É justamente aí que eu espero que meus nós – ou seja, aquilo com que eu opero, e eu opero assim na falta de outros recursos (eu não cheguei a isso imediatamente) – me forneçam coisas, e coisas – é bem o caso de dizer – nas quais me amarro." – LACAN, J. O seminário, livro 23: o sinthoma (1975 - 1976), inédito.

(88) "O discurso que digo analítico é o laço social determinado pela prática de uma análise. Ele merece ser elevado à altura dos laços mais fundamentais dentre os que permanecem para nós em atividade." – LACAN, J. Televisão, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 31.

(89) "A psicanálise não triunfará sobre a religião. A religião é indestrutível. A psicanálise não triunfará: sobreviverá ou não. // O analista, por sua vez, é algo muito diferente. Está numa espécie de momento de mutação. Durante um breve instante pudemos nos dar conta do que era a intrusão do real. O analista permanece ali. Está ali como um sintoma, e não pode durar mais do que a título de sintoma. A senhora já verá que vão curar a humanidade da psicanálise. À força de afogá-lo no sentido – no sentido religioso, é claro – se chegará a reprimir esse sintoma [a psicanálise]. Compreende-me? Acendeu-se uma luzinha no seu entendimento? Não lhe parece que a minha posição é sensata?" – LACAN, J. "Entrevista coletiva com Dr. Lacan (em 29 de Outubro de 1974 no Centre Culturel Français)", in Dizer 12, Rio de Janeiro: Escola Lacaniana de Psicanálise, sem data: 13 - 15.

(90) Ao lado das muitas outras passagens citadas por mim e que explicita exaustivamente esta articulação, eis outra: "Penso que a psicanálise não apareceu num momento histórico qualquer: apareceu correlativamente a um passo capital, a certo avanço do discurso da ciência." – LACAN, J. "Entrevista coletiva com Dr. Lacan", idem: 14.

(91) ECO, U. O nome da rosa, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983.

(92) LACAN, J. "Discurso à Escola Freudiana de Paris (6 de Dezembro de 1967)", in Letra Freudiana, documentos para uma escola 2: Lacan e o passe, Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, circulação interna, 1995: 35.

(93) LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993: 119.

(94) MILLER, J-A. "El saber y la verdad (I)" , in El banquete de los analistas, Buenos Aires (Argentina): Paidós, 2000: 339.

(95) Idem: 342.

(96) MILLER, J-A. "El saber y la verdad (II)" , in El banquete de los analistas, Buenos Aires (Argentina): Paidós, 2000: 355.

(97) NIETZSCHE, F. "O estado grego", in Cinco prefácios para cinco livros não escritos, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000: 46.

(98) NIETZSCHE, F. "Do ler e escrever", in Assim falou Zaratustra, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000: 66.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 15 - Julio 2002
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