Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
¿Homossexualidade ou empuxo-à-Mulher?
Aloysio Bello

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" ... não se torna louco quem quer...".
Lacan2

I - Os fenômenos elementares e o desencadeamento da psicose

È, sem dúvida, de fundamental importância para a direção do tratamento psicanalítico a observação de fenômenos que podem ocorrer, também, antes do desencadeamento da psicose. Fenômenos, chamados elementares, que são os de irrupção de vozes de Outros, de discursos alheios, de um grande Outro tirânico. Fenômenos referentes ao desmembramento, à estranheza, à decomposição do próprio corpo (exemplo de decomposição: no Raul Soares atendi, em dezembro de 2000, um cidadão que se queixava de estar com um barulho de panela de pressão na cabeça e que, de vez em quando, a panela apitava; pedia para livrá-lo daquilo. Na entrevista, acabou relatando que dentro de sua cabeça havia uma panela de pressão, onde se cozinhava a sua mente... e que a panela não saía puxada pelo cabo, era preciso fazer um buraco na cabeça, pra tirá-la...). E ainda observar fenômenos elementares relativos a vivências inexprimíveis ou de certeza absoluta (o psicótico não pergunta quem ele é, mas fala a partir do lugar da verdade, ao qual está identificado). Mais ainda, fenômenos relativos à hostilidade de um estranho, a mensagens destinadas ao paciente as quais ele não sabe explicar o que significam, mas está certo de que são dirigidas a ele. E é importante ressaltar que o que especifica o fenômeno elementar, a alucinação psicótica, é o fato de ele ser verbal, como apontado por Antonio Quinet³. Alucinação do verbo, verbalização do verbo do grande Outro, portanto, não é um distúrbio ligado aos órgãos dos sentidos.

Constatei, também, a necessidade, na direção do tratamento, de mais conhecimentos sobre o desencadeamento da psicose. Pois os fenômenos elementares e o desencadeamento são fundamentais para o diagnóstico diferencial e para o esclarecimento de dúvidas no diagnóstico de psicose e de histeria.

Vejamos um caso relatado por Elisa Alvarenga, preceptora da residência de psiquiatria do Raul Soares, sobre determinada paciente que afirmava não saber se era homem ou mulher. "Pensamos logo", escreve Elisa Alvarenga, "que seria uma histérica". Mas a paciente contou, em entrevistas posteriores, que "um dia, ao se masturbar, surgiu em seu quarto uma luz, que queria dizer que podia vir a ter um filho". A paciente dizia que "era como se ela fosse, simultaneamente, um homem que penetrava e uma mulher que era penetrada"4.Esse fenômeno poderia ser tomado como alucinação histérica, não fosse a significação de enigma para essa paciente. Pois ela passou a relatar, nas entrevistas seguintes, que as mulheres eram suas perseguidoras, faziam gestos para ela na rua, cochichavam a seu respeito no ônibus, riam dela de maneira obscena. E que ela tinha medo de ser violada sexualmente por outra mulher. Temia, ainda, uma situação que ela considerava pior: os vizinhos de frente de sua casa sabiam o que ela estava pensando.

E para tentar entender um pouco mais os fenômenos elementares, o desencadeamento da psicose e o empuxo-à-Mulher (descoberta de Lacan na psicose), busquei extrair algo dos trabalhos do próprio Daniel Paul Schreber, em suas Memórias de um doente dos nervos (1903) 5, algo de Freud e de Lacan, e de alguns de seus comentadores, e assim tornar mais clara essa transposição desse frágil limite, esse desencadeamento que pode acontecer, inclusive, a partir de uma intervenção do psicanalista. Como observa Antonio Quinet,

tomar a palavra, fazer uso dela é algo que já evoca o Outro, lugar onde se constitui o sujeito (je) que fala com aquele que ouve. A dimensão de alteridade aparece a quem está falando e, nesse sentido, a situação analítica, que é uma forma de tomar a palavra, pode ser o desencadeador de uma psicose 6.

Gérard Miller em ¿Como se analiza hoy?, pergunta e responde: A partir de que pode então operar o analista? A partir do Nome-do-Pai? Nada é menos seguro, porque o encontro de Um-pai intervém classicamente nos desencadeamentos da psicose... 7

II -A transposição do limite

No livro 3, As psicoses (1955/1956), Lacan se pergunta:

A partir de que momento vamos decidir que o sujeito transpôs os limites, que ele está no delírio?". ( ...) Como situar o limite entre esse momento de confusão [de Schreber] e aquele em que seu delírio terminou por construir que ele era efetivamente uma mulher, e não qualquer uma, a mulher divina, ou mais exatamente a prometida de Deus? 8.

Estará aí, se pergunta Lacan, "algo que basta para situar a entrada na psicose? Certamente que não"9, responde. O momento do delírio, afirma Lacan, acontece a partir da iniciativa vinda do Outro e é fundada em uma atividade subjetiva. "O Outro quer isso, e ele quer sobretudo que se saiba disso, ele quer significar"10. O Dr. Flechsig, "no caso de Schreber, ou o Deus de tal modo capaz de seduzir que põe em perigo a "ordem do mundo" 11. Lacan articulou o desencadeamento da psicose no encontro com um objeto como o paterno na entrada do Édipo que, na psicose, aponta Luiz Carlos Drummond, vai funcionar como o Outro absoluto, (não barrado) cuja voz, cuja palavra, trará como efeito a submissão a um Super-Eu tirânico.

Schreber tinha o ar de ter o seu papel de homem, de ser alguém. Mas era subjugado à imagem do grande Outro, à imagem de Deus Pai, como seu pai procurou "construí-lo". E a função de pai é tão exaltada em Schreber – embora sempre faltando em sua função simbólica - que é preciso Deus

para que o delírio chegue a seu ponto de acabamento, de equilíbrio. A prevalência, em toda a evolução da psicose de Schreber, das personagens paternas que se substituem umas às outras, e vão sempre crescendo e se envolvendo umas às outras até se identificarem com o próprio Pai Divino, com a divindade marcada pela ênfase propriamente paterna, é inegável, inabalável12.

Personagens como o pai - o médico ortopedista Daniel (nome dele e do irmão mais velho, Daniel Gustav, que suicidou aos 38 anos, logo depois de nomeado conselheiro de um tribunal) Gottlieb (Gott=Deus, lieb=amado) Moritz Schreber; o seu médico, Paul Emil Theodor (Theo=Deus, dor=adorado) Flechsig; o Rei da Saxônia; o Ministro da Justiça da Saxônia; os juízes mais velhos e experientes do que ele e cujos atos ele iria presidir.

E, antes do desencadeamento, ele parecia um homem como pareciam Pais esses personagens que passaram por sua vida. Era uma pessoa com vastíssima cultura, que sabia grego, latim, italiano e francês (a língua dos outros) e que conhecia história, ciências naturais e literatura clássica (conhecimentos vividos e produzidos por outros), além de ser excelente pianista (executando músicas que não eram de sua autoria) e ter profundos conhecimentos jurídicos (da lei aprovada pelos Outros e que ele como juiz devia cumprir rigorosamente, sem obedecer a critérios pessoais de decisão, pois uma das normas fundamentais do Direito é a impessoalidade). Conhecimentos jurídicos que lhe permitiram preparar o próprio recurso, que resultou em sua saída do hospício. Ele era, ainda, um homem criado segundo os mais rigorosos princípios impostos por seu pai: "Poucas pessoas cresceram com princípios morais tão rigorosos como eu e poucas (...) se impuseram, ao longo de toda a sua vida, tanta contenção de acordo com esses princípios, principalmente no que se refere à vida sexual", escreveu Daniel Schreber em suas Memórias (sua única obra pessoal e não mais dos outros).

A primeira crise de Daniel Paul Schreber se deu quando, em 28 de outubro de 1884, concorreu às eleições parlamentares pelo Partido Nacional Liberal e sofreu fragorosa derrota. Ele não conseguiu perlaborar a perda no simbólico, foi internado e tentou o suicídio. A segunda aconteceu em junho de 1893, após receber a visita do Ministro da Justiça da Saxônia que comunicou sua nomeação, pelo Rei, para Juiz-Presidente vitalício da Corte de Apelação de Dresden, cargo que não podia ser solicitado e cuja recusa implicaria delito de lesa-majestade. Empossado, Schreber não suportou assumir uma função tomada por ele como de grande Outro. E a função não era de grande Outro no real, mas ele a tomou assim, em seu imaginário. O psicótico não "sabe" como responder quando é chamado a ocupar um lugar no campo simbólico (campo do Outro). Nesse momento, ele "desfalece".

Segundo Rosa Maria Calvet i Romaní13 , o desencadeamento, o encontro com um significante no real, frente ao qual o psicótico não tem resposta, produz um esvaziamento completo das significações. Das significações que anteriormente o sustentavam e o faziam parecer um homem. Era como se fosse um homem. E quando há a foraclusão do Nome-do-Pai, o Outro não se submete à organização imposta pela Lei do Pai e permanece como o lugar desregrado de uma vontade que submete o indivíduo aos caprichos de um gozo contra o qual ele não tem como levantar nenhuma barreira ou oposição. Decorre daí que quando o indivíduo, em certas circunstâncias de sua vida, é chamado a responder por um lugar puramente simbólico, apoiando-se na função paterna (encontros sexuais, envolvimento do nome em relações socializadas, serviço militar, noivado, casamento, etc.), ele não se vê capacitado para enfrentá-lo, já que só encontra o vazio ao invocar o Nome-do-Pai. "Há aí uma dissolução dos suportes fálico-imaginários do Sujeito e a possibilidade do desencadeamento clínico de um surto psicótico" 14, escreveu Luiz Carlos Drummond.

III - O empuxo-à-Mulher

a) Este termo Lacan o inventou (1972) ao comentar as fórmulas de sexuação no L´Étourdit, mas já vinha tratando da questão anteriormente. E em "De uma questão preliminar..." (de 1957/1958) encontra-se esta expressão: "Como podemos perceber, ao observar que não é por estar foracluído do pênis, mas por ter que ser o falo, que o paciente estará fadado a se tornar uma mulher" 15. Schreber, fadado a se tornar mulher, indica uma posição que torna impossível uma escolha qualquer do sexo pelo psicótico. O "fadado a" barra toda escolha possível, segundo Serge Dziomba16. E a posição de Lacan, considerando como necessária a inclinação para a feminização na psicose, levanta o problema da escolha da sexuação, tese lacaniana central. Para ele, há escolha para o sujeito colocar-se do lado homem ou do lado mulher, independentemente do seu sexo anatômico ou/e de seu estado civil: aí está claramente posta a liberdade do sujeito. Ora, a inclinação para a feminização, o empuxo-à-Mulher, marca, ao contrário, uma obrigação, uma necessidade forçada quanto à sexuação do sujeito, quanto à sua identificação sexual. O que Lacan indica é que não há escolha possível da sexuação na psicose. E por não conseguir o psicótico ascender ao significante que lhe permitiria colocar-se como homem na repartição dos sexos e por dever ser o falo, ele é levado a situar-se do lado mulher. O psicótico não tem, pois, escolha possível de seu sexo, ao contrário do neurótico. E a foraclusão do Nome-do-Pai limita estruturalmente a escolha do ser sexuado. Há uma forçação ao empuxo-à-Mulher, independentemente da posição subjetiva do psicótico. Assim, o empuxo-à-Mulher é um efeito de estrutura, efeito de uma escolha prévia, a da foraclusão do Nome-do-Pai.

Se o empuxo se refere, escreve Serge Dziomba, ao sujeito e à sua sexuação, sendo a escolha do sexo forçada, a homossexualidade concerne ao objeto e, especialmente, à escolha do objeto. E as noções de escolha do objeto e de escolha de sexuação são distintas. Pois se o empuxo é uma forçação estrutural para o psicótico, uma inclinação em direção à-mulher não conduz necessariamente a uma escolha do objeto homossexual. E é a psicose, quer dizer, a foraclusão do Nome-do-Pai que regula a escolha da identificação sexual do lado mulher. Mas isto não diz nada quanto à posição do psicótico, concernente à escolha do objeto. Não há, pois, vinculação na psicose entre empuxo-à-Mulher e homossexualidade; a escolha do objeto permanece aberta. E para Freud, prossegue Serge Dziomba, existe uma oposição fundamental entre a homossexualidade do sujeito perverso ou neurótico e a do psicótico. O homossexual não psicótico vai procurar o seu objeto do lado do mesmo sexo, do mesmo lado sexual. E a escolha do objeto se baseia em um objeto semelhante no nível do seu sexo. A homossexualidade masculina, não psicótica, se inscreve, pois, nas fórmulas de sexuação – formalizadas por Lacan – do lado homem, enquanto que o empuxo-à-Mulher como inclinação em direção à mulher estruturalmente obrigada, se inscreve do lado mulher. A castração permite diferenciar e situar a homossexualidade a partir do processo de diferenciação dos sexos.

b) É a partir do caso do presidente Schreber, destaca Pierre Skriabine 17, que Jacques Lacan demonstra que a homossexualidade, longe de ser determinante da psicose, segundo as teorias que tentam explicar a paranóia pela repressão de uma pulsão homossexual, é, ao contrário, um sistema articulado no próprio processo da psicose. Invoque-se, a este respeito, os dois elementos capitais do delírio de Schreber, sua transformação em mulher e sua posição preferencial diante de Deus, nestas duas formulações: como seria bom ser uma mulher copulando e ser a mulher de Deus. A identificação pela qual o sujeito assumiu o desejo de sua mãe, diz Lacan, está no fundamento da psicose: por não poder ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta aos homens. É isto que está na origem de sua tentativa de eviração, de emasculação, desde que a transformação do sujeito em mulher implica que, para poder ser o falo, é preciso renunciar a tê-lo: o que Schreber traduz no imaginário por "não poder mais possuir pênis".

Freud e Lacan, enfatiza Pierre Skriabine, mostram em particular a satisfação, surgida das práticas transexualistas, que leva Daniel Paul Schreber a contemplar, vestido de mulher, sua imagem no espelho, e a dimensão do gozo ligado à cópula divina, nos termos de uma voluptuosidade de alma, de beatitude, que o conduzem, por uma transformação espiritual, a tornar-se digno da fecundação divina. Nesta figura de Deus que goza dele se evoca o gozo do Outro que lhe é imposto, que é um gozo não fálico ligado a uma falta da castração. É este efeito diante do chamado do gozo sem limite que Lacan chamou de empuxo-à-Mulher, estritamente ligado à falta da função fálica. E o empuxo, na psicose, poderia ser considerado como uma tentativa de encontrar um limite, quer dizer, funcionar como uma forma de suplência estabilizadora, como se verifica na extraordinária história de Auguste Comte 18.

Em Schreber a suplência estabilizadora funcionou até 1907, depois que ele novamente foi chamado a assumir a paternidade e a autoridade através da adoção de uma filha de 13 anos por sua mulher, que já tivera seis abortos espontâneos (a paternidade de Schreber abortou repetidamente). Além disso, nessa época ocorreram a morte da mãe, o derrame cerebral da esposa e o pedido de representantes das Associações Schreber para que ele reconhecesse sua legitimidade para aplicar os métodos "pedagógicos" de seu pai. Aconteceu, então, a terceira e última crise que o manteve internado até a morte, em 1914.

IV - A Mulher, encarnação de um gozo infinito

"Sem dúvida", escreve Jacques Lacan, "a adivinhação do inconsciente adverte o sujeito, desde muito cedo, de que, na impossibilidade de ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta aos homens" 19 ou, ainda mais, ser a Mulher de Deus. E a foraclusão do Nome-do-Pai tem como efeito fazer existir A Mulher, a encarnação de um gozo infinito. Uma Mulher completa, não marcada pela castração. Acontece aí a Mulher como necessidade de feminização ligada à estrutura psicótica: é um sintoma próprio do processo psicótico do empuxo-à-Mulher.

Em Sigmund Freud observa-se um movimento forte na direção da homossexualidade na psicose. Em 1911 ele expõe, a propósito de Schreber, sua teoria da homossexualidade como causa da paranóia, que Lacan criticará (1957/1958) em "De uma questão preliminar...", substituindo-a por uma causalidade articulada ao significante, a foraclusão do Nome-do-Pai. Para Jacques Lacan, a direção na psicose é para um gozo transexual, de transformação em mulher, não se tratando de homossexualidade, mas de empuxo-à-Mulher. Para Lacan, aponta Antônio Beneti (Instituto Raul Soares, 3/5/2000), o empuxo é um movimento espontâneo natural na paranóia, de passagem à Mulher, de empuxo-à-Mulher, embora possam acontecer passagens ao ato homossexual.

V - O dever ético e o desejo do analista

A distinção entre homossexualidade e empuxo-à-Mulher é ponto fundamental, pois, para a direção do tratamento psicanalítico, conduzido por analista cônscio de seu dever ético de não ceder frente à psicose. É ponto fundamental que deve ser levado sempre em conta, tendo em vista a distinção entre neurose e psicose e um provável desencadeamento da psicose. Sinais de empuxo-à-Mulher podem indicar a possibilidade de desencadeamento provocado pelo analista, se ele se colocar na posição de grande Outro; se não se colocar como semblant de objeto causa de desejo, de objeto pequeno a, mas, ao contrário, como portador de um significante imperativo ao qual o analisando deva se submeter.

E o desejo do analista deve ir na direção do tratamento a partir de sua posição de agente, semblant de objeto a, para que o analisando descubra, ele próprio, pelo seu dizer, pelo seu associar, pela obediência à regra fundamental, o que fazer com a verdade surgida do saber de seu inconsciente e possa produzir sua particularidade, seu estilo. Como se percebe, a partir do discurso do analista, este, como agente do discurso (a) que domina esse laço social, ao conferir o tom e a característica primordial, apoiado na verdade do saber do inconsciente (S2), verdade que sustenta esse laço social e é ao mesmo tempo escondida, vai ao outro barrado ($), a quem esse discurso se dirige ou se submete, para produzir um (S1), com sua diferença e sua maestria:

a > $

S2 // S1

O analista deve, pois, guiar-se pelas capacidades do paciente, o que não retira a sua responsabilidade na condução do tratamento, como indica Sigmund Freud em "Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise" 20 .

E essa responsabilidade é ainda mais complexa na psicose, diante da qual o analista não deve mais apenas fazer o papel de testemunha/secretário do psicótico, mas ser ativo, intervir como companheiro na construção de espaços possíveis ao paciente e que lhe permitam entrar em uma suplência estabilizadora ou se manter na suplência que o estabiliza. Mas não como um grande Outro, cuja voz seria seguida pelo paciente. Fazer-se destinatário dos sinais, e não necessariamente do sentido, para dar ênfase às soluções encontradas pelos sujeitos em outras produções que não a da metáfora delirante, geralmente pouco estabilizadora e precária em seus recursos para apoiar um laço social. Como nos exemplos clássicos de possíveis suplências estabilizadoras: na pintura, Dalí; na dança, Nijinski; na literatura, James Joyce; e um menos "falado" e aparentemente "bem-sucedido", o francês Auguste Comte, que fundou a sua Igreja positivista a partir de uma construção delirante...

Esta é, pois, sem dúvida, uma questão preliminar a todo tratamento...

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

1. ESTE trabalho foi apresentado na Jornada do Aleph – Psicanálise – Trasmissão ( Belo Horizonte, dezembro, 2000), com o título de A Mulher de Deus e com esta denominação, com alterações, na Jornada da Letra Freudiana ( Rio de Janeiro, 2001)

2. LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 24.

3. QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977, p. 24

4. ALVARENGA, E. "Fenômenos elementares da psicose", in A psicologia da psicose:uma questão de lingugem? Belo Horizonte, 1993. Publicação da Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares.

5. SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos. Trad. Marilena Carone. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

6. QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Idem, p. 21.

7. MILLER, G. ¿Como se analiza hoy? Buenos Aires: Manantial, 1984, p. 213.

8. LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Idem, p. 219.

9. Idem, ibid.

10. Idem, p. 220.

11. Idem, p. 221.

12. Idem, p. 353.

13. CALVET Y ROMANÍ, R.M. "Metáfora delirante", in ALEMÁN, J. et al, Metáfora y delirio. Madrid: Eolia-Dor, 1993.

14. DRUMMOND, L.C. Comentários a este texto. Belo Horizonte, novembro 2000.

15. LACAN, J. "De uma questão preliminar..." Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 571.

16. DIZIOMBA, S. "Homosexualité masculine et pousse-à-la-femme" in La Lettre Mensuelle, Paris, n. 92, p. 24-27,1992.

17. SKRIABINE, P. "Le pousse-à-la-femme et la jouissance" in La Lettre Mensuelle, Paris, n. 140, p. 18-19, 1996.

18. KOFMAN, S. Le devenir-femme d’ A. Comte. Paris: Aubier-Flammarion, 1978, apud MALEVAL, Jean-Claude, in "Varietés cliniques du pousse-à-la-femme", Cahier (ACF-VLB), Paris, n.6, p. 56-68, 1996. Maleval cita Sarah Kofman ao relatar uma metáfo ra delirante, uma suplência estabilizadora que "deu certo", a do filósofo Auguste Comte, autor intelectual do lema Ordem e Progresso contido em nossa bandeira: "Depois da morte de Clotilde de Vaux, o fundador do positivismo a incorporou, identificando-a com A Mulher, pois para ele ela reunia em si a filha, a esposa e a mãe. Ele passou a ser, ser ao mesmo tempo, mulher e homem para se tornar o "venerado Grande pastor" da religião positivista, criada por ele com santos e clérigos. E seus últimos dezenove anos de vida foram dominados pela incorporação de um princípio feminino na sua filosofia e no seu pensamento, embora sem repercussão sobre a imagem do corpo".

19. LACAN, J. "De uma questão preliminar..." Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 572.

20. FREUD, S. "Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise". Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XII, p. 149-159.

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