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Tenho menos de 30 anos. Quando nasci, o computador já era uma realidade, embora distante da vida doméstica das pessoas. Era algo visto como uma tecnologia do futuro, algo capaz de realizar proezas para além das capacidades humanas. Nos filmes eles pareciam modernos, grandes, com letras verdes na tela escura. Em criança eu queria muito ter um, mas não sabia bem o que faria com ele.
O tempo passou e há cinco anos o sonho de criança se realizou: eu estava com um computador em casa. Objeto estranho, difícil de manejar e frustrante à princípio. Aos poucos a dificuldade foi cedendo e a familiaridade chegou a um ponto tal que eu, simplesmente, não entendo como vivi tanto tempo sem ele ou como conseguiria viver sem ele. Mas é fácil perceber que somos nós que criamos nossas próprias necessidades e, depois disso, não conseguimos mais viver sem elas.
Há pouco tempo o mundo entrou no que chamamos de Era da Globaliza ção. E o que a caracteriza é a troca de informações cada vez mais rápida, cada vez mais abrangente. É preciso repensar, a partir disso, nossas relações com o tempo e com o espaço, porque as distâncias estão cada vez menores e a velocidade parece conseguir vencer e domar o tempo. A internet é figura central nesse processo em que tudo acontece em tempo real, em que as informações circulam sem barreiras ou impedimentos.
Passado o primeiro momento de fascínio, aparece um certo medo: como dar conta de tanta informação? O conhecimento parece ter se tornado algo sem limites pois não há legislação específica, não há controle; em suma, não há um "dono da rede". Posso montar uma homepage e colocar nela textos da mais alta sabedoria filosófica ou ensinar passo a passo como fazer uma bomba caseira, como invadir sistemas e tantas outras coisas.
No momento atual, seria preciso repensar a internet em termos éticos. No meio da infinitude de ofertas, dessa rede complexa e mundial onde "encontra-se de tudo", o homem continua desejante de algo que não sabe o que é, impossível de se encontrar.
Há exatos três nos eu comecei a acessar a internet. A experiência de ampliação de horizontes e fronteiras, no sentido literal , é algo alucinante. Dado que já estava, neste momento, irremediavelmente apaixonada pela psicanálise, foi por ela que comecei a procurar. E esta busca me levou a descobrir uma fronteira na internet: o idioma.
As informações em português são vastas, mas logo se tornaram insuficientes. O inglês não é muito generoso com a psicanálise. Meu francês não era (e ainda não é) suficientemente bom. Então, eu comecei a pesquisar em espanhol.
A primeira coisa que encontrei foi um artigo sobre o Sonho de Irma numa curiosa revista chamada Acheronta. Logo procurei outros artigos e, ao fim, percebi que a Revista Acheronta estava dentro de um grande site chamado PsicoNet.
Logo percebi que o trabalho desenvolvido ali era muito sério, com riquíssima produção teórica não só, mas principalmente, no que diz respeito à psicanálise. As dificuldades de ler num idioma que, apesar de guardar semelhanças com o português, não deixa de ser outro, longe de se transformar em barreira intransponível, acabou por se tornar mais uma fonte de instigação. Acabou acontecendo algo curioso: ao invés de aprender espanhol para ler os textos do site PsicoNet, comecei a aprender o espanhol através da leitura destes textos.
Trago este exemplo prosaico apenas para mostrar que é possível sustentar o desejo diante de dificuldades mais ou menos paralisantes que nos aparecem.
No entanto, não se pode negar que o idioma apresenta uma barreira. Não intransponível, é certo. Mas é uma dificuldade real para a qual seria possível tentar ensaiar algumas soluções.
Em meados de 99, já com uma maior familiaridade com esta nova mídia, publiquei um artigo em português na Revista Acheronta. Neste mesmo ano, descobri uma área que ainda não explorara: a troca de e-mails, com tudo o que ela pode ter de enriquecedor. Nesta troca fui encontrando uma série de pessoas interessantes, com objetivos em comum, e acabamos tendo a idéia de criar uma lista de discussão de psicanálise, através de e-mail.
No início do ano 2000, com a lista já bem estruturada, imensa foi minha surpresa (e minha alegria) ao ver agregar-se a esta o psicanalista Michel Sauval, diretor do site PsicoNet e da Revista Acheronta. A surpresa deu lugar a uma extensa troca de idéias, que culminou no projeto de criar, dentro do site PsicoNet, um espaço totalmente em português. Nasceu neste momento o site PsicoNet Brasil, inaugurado, não totalmente por acaso, em 22 de abril de 2000, data de comemoração do aniversário de 500 anos deste país.
Era a proposta de atravessamento de mais uma fronteira.
Estamos aqui, portanto, levando a sério o desafio de criar um espaço de trocas muito amplas. São países cuja proximidade geográfica não diminui as diferenças culturais. Mas há uma aproximação possível, quando se tem o interesse comum em fazer um trabalho de qualidade, incentivando a produção te órica e a pesquisa em psicanálise.
O espaço está aberto às pessoas que compartilhem de nosso interesse de incentivar o trabalho de produção escrita em psicanálise.
Ao aceitar a proposta de Michel Sauval para escrever uma apresentação de PsicoNet Brasil nesta grande Revista Acheronta, sinto uma alegria muito grande ao poder voltar à essas páginas e divulgar este belo trabalho.
Aline de Alvarenga Coelho
9 de dezembro de 2000.
Rio de Janeiro, Brasil.