Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Jacques Lacan
Seminário V – cap. XVII
cita Jean-Paul Sartre –
O Ser e o Nada

María Lucía Petraglia

 

"Para todo o sempre, o desejo humano continuará irredutível a qualquer redução e adaptação. Nenhuma experiência analítica irá contra isso. Um sujeito não satisfaz simplesmente um desejo, mas goza por desejar, e essa é uma condição essencial de seu gozo. É absolutamente errôneo omitir esse dado primitivo, ao qual , devo dizer, a chamada investigação existencialista trouxe algumas luzes, colocando-as sobre um certo prisma esclarecedor". (Sem.V). J. Lacan.

Em O Ser e o Nada, Sartre nos afirma da impossibilidade do ser humano de obter a satisfação de seu desejo. O homem capturado pela presença do Outro funda sua relação com o mundo. O mundo só aparece à medida que possibilita explicitamente a relação com o Outro.

Ao se perguntar sobre o desejo, Sartre lança quatro instigantes questões, que a meu ver parecem fundamentais: "Antes de tudo, há desejo de quê?" (pág. 479); "Quem deseja?" (pág. 481); "Qual será a significação do desejo?" (pág. 484); e "O que a consciência espera do objeto de seu desejo?" (pág. 479).

O objeto de desejo é um objeto transcendente. Um objeto que não visa sua supressão e não encontra em um ato em particular seu objetivo último. "O sujeito não poderia sair deste estado de imanência, a fim de atar seu desejo a um objeto". (pág.479). O próprio desejo seria o objeto a "ser suprimido". Mas como, se não participa de uma consciência reflexiva e é, portanto, irrefletido? É "o desejo que se torna o desejável". (idem?)

O ser se acha somente velado por sua função, porque ao desejar o Outro, ao transformá-lo em objeto, o perde e se perde na própria transcendência. Momento de captura, seguido do momento de perda. Destrói-se as possibilidades para se destruir o mundo e transformá-lo num "mundo de desejo", desestruturado, que perdeu seu sentido, no qual as coisas se revelam em seu estado de qualidade bruta. ( pág.491)

Mas não se pode desconsiderar o papel das proibições morais e dos tabus da sociedade, como estrutura originária do desejo, definido como "turvação", pois nele há "qualquer coisa" de invisível que compromete a subjetividade . (O que) Seria nada mais que repulsa sexual. (pág. 481).

E, Assim, "o desejo me compromete, sou cúmplice de meu meu desejo". (pág.482). "O desejo é consentimento ao desejo". (pág.483). "O desejo é consciência, já que só pode existir como consciência não-posicional de si mesmo". Não é, no entanto, apenas apetite com vistas a um objeto através do corpo (pág, 481).

Quanto ao desejo sexual -- uma outra esfera do desejo -- participa da mesma estrutura de todos os apetites, porque é um "estado do corpo" . Fala-se que "o desejo nos possui, nos absorve, nos penetra". Sartre compara este desejo à fome e marca a diferença entre esses dois apetites; a fome só poderia nos absorver em caso de inanição. ( pá.482)

Na medida em que ao se desejar o outro se lhe desvela o corpo, temos simultaneamente (ao mesmo tempo temos) a revelação do que é o nosso próprio corpo, corpo como carne. Mas, o corpo do Outro não aparece como carne, e sim como forma sintética do? (de) ato, um corpo em situação e não em contingência: o "desejo é uma consciência que se faz corpo para apoderar-se do corpo do outro" (pág. 482) .

O esboço no vazio de um desejo é um esboço no vazio da turvação. Só se deseja com turvação; só se despe o outro, despindo-se a si mesmo e só se esboça a carne do outro, esboçando a própria carne. O desejo aponta, portanto, para o vazio no outro a quem apelo.

(O desejo aponta para o vazio no outro a quem apelo). Ao olhar o Outro, deparamos não com um todo, mas apenas com os seus olhos e, na tentativa de se apoderar desse Outro, de fazer dele o Outro-objeto, ele escapa ao mundo em seu caráter transcendente. (ao mundo). O Outro objeto desmorona à medida que Outro-olhar aparece e, a consciência desfalece em sua carne ante o olhar do Outro. A realidade se apresenta fora do alcance e participa da falta . O desejo é um projeto vivido que não pressupõe qualquer deliberação prévia, mas comporta em si seu sentido e sua interpretação". (pág. 489)

No último parágrafo da página 489, Sartre afirma a impossibilidade da satisfação do desejo: "Eis aí o ideal impossível do desejo: possuir a transcendência do outro enquanto pura transcendência e, ao mesmo tempo enquanto corpo; reduzir o outro à sua simples facticidade, por estar então no meio de meu mundo, mas fazendo com que tal facticidade seja uma apresentação perpétua de sua transcendência nadificadora".

"O ser dos existentes se encontram velados por sua função". (...) "se o outro me aparece como servente ... não é somente sua transcendência extramundana que me escapa, mas também seu puro ser-aí- enquanto pura existência contingente no meio do mundo" (pág.490):

Na página 491, Sartre nos diz que o objetivo a ser alcançado seria o de fazer o Outro encarnar-se, a seus próprios olhos, como carne, (a) nada mais do que carne, transformado em um objeto transcendente e, podendo ser alvo de minha posse. Ele Acrescenta então que faz-se carne para provocar no Outro o desejo: "o desejo é um convite ao desejo". (pág 491?) " O objetivo verdadeiro do desejo seria o desabrochar de uma carne contra a outra". (pág.492). Porém, Mas "o próprio desejo se encontra condenado ao fracasso". (referência) Ao se olhar o outro, acariciá-lo, "fazer amor" com ele, ao se querer tomar e se apropriar dessa consciência encarnada, depara-se com a decadência da carne, transformada em puro objeto, que escapa com toda sua transcendência. "O Outro-objeto desmorona, o Outro-olhar aparece, e minha consciência é consciência desfalecida em sua carne ante o olhar do Outro". ( pág. 494).

Perde-se a compreensão do que se busca, mas a busca continua, e o desejo se vê condenado a não satisfação. É, talvez, por isso que o sadismo se encontre como em germe no próprio desejo, como sendo o fracasso do desejo. (pág. 491). Ao acabar o coito, ao se atingir o prazer, depara-se com a morte e o fracasso do desejo; "o prazer é a morte e o fracasso do desejo". (pág.493) . Morte por não se tratar somente de satisfação, mas de seu arremate e de seu fim. "O prazer é a barragem do desejo, porque motiva aparição de uma consciência reflexiva de prazer cujo objeto vem a ser o gozo". (pág. 495)

Estabelece-se um círculo vicioso das relações com o Outro: o desejo surge da morte do Amor para desmoronar e procurar este Amor. Com a morte do Outro-objeto, visa-se apoderar (-se) do Outro-sujeito, inconsistente, que se desvanece para dar lugar à conduta primeira (pág 479). Sartre ainda (na página 479) afirma que o ser humano aprendeu erradamente que "o ato sexual suprime o desejo". O desejo não seria somente desejo de "fazer amor ou de possuir o outro fisicamente"; seria um mais além, desejo de um objeto transcendental. (idem)

Sartre e Lacan apontam para a impossibilidade da relação de objeto, da inexistência da própria relação sexual – não há objeto algum que colmate o desejo. O objeto causa de desejo, remete-nos à outros objetos, e cada um, por sua vez, ao aparecer, cai. O desejo, metonímia e metáfora, do qual nenhum sujeito escapa. Desejo de desejo, desejo de gozo, pois goza-se, cada um de seu jeito, em busca desse impossível objeto, deste encontro sempre faltoso.

Mas o desejo, por causa de sua insatisfação, movendo o homem, que vive na e da esperança de um dia o suprimir, segue sendo a mola do mundo.

Referências Bibliográficas:

Jacques Lacan –O Seminário – as formações do Inconsciente- livro 5 – Jorge Zahar Editor, ano 1999.

Jean-Paul Sartre – O Ser e o Nada – ensaio da ontologia fenomenológica – Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 11 - Julio 2000
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