Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Retórica e conceito em Michel Foucault
(Escritura arqueológica
versus Crítica filosófica)
Augusto Bach

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"O anonimato literário não nos é suportável;
apenas o aceitamos a título de enigma
"
(Foucault in O que é um autor?).

O presente artigo tem por objetivo, a título de introdução à temática explorada no decorrer da etapa arqueológica de Foucault, chamar a atenção para alguns dos aspectos constitutivos de sua escrita. Com este intuito, lançaremos mão do estudo e da referência intermitente aos textos desse período marcando a diferença e a novidades que eles carregam em relação à prática histórica tradicional. A constante obsessão foucaultiana em distanciar-se de um determinado paradigma humanista de investigação histórica, protagonizado em sua biografia intelectual1(1) por Sartre, poderá nos auxiliar a conceber a gênese de sua reflexão arqueológica sobre a história e suas próprias condições de possibilidade. Pois afinal fora mediante um incansável debate com outros modos de escrever a história, mais particularmente com o que se convencionou chamar história das idéias ou do pensamento, que a abordagem arqueológica procurou definir seus objetivos e situar o escopo de suas temáticas. Noutras palavras, foi partindo de questões nascidas no interior dessa disciplina que Foucault primeiramente precisou seus estudos.

Antes, porém, de se querer empreender a leitura de suas grandes obras é necessário ter ao menos consciência de algumas dificuldades que será preciso enfrentar e ultrapassar. É acerca delas que versará este artigo. Estas dizem respeito, em primeiro lugar, ao objeto próprio de nosso estudo – a arqueologia – e ao fato de que ninguém, inclusive Foucault, a tenha precisado nitidamente. Ela não se ensina e não se deixa apreender pela simples leitura de seus escritos, por sérios que sejam; pois eles exprimem apenas imperfeita e parcialmente o pensamento de Foucault. O leitmotiv pessoal e intransferível que acompanha suas obras requer do leitor, previamente, uma libertação que é ruptura em ralação às formas tradicionais de interpretação de uma filosofia assim como uma desfamiliarização com hábitos contraídos na existência acadêmica. Resumidamente, será preciso justificar antes de mais nada nossa postura assumida como historiadores da filosofia perante as démarches de Foucault e os problemas de conceito que elas engendram. Formulemos de vez a questão: o que é a arqueologia e como situar esse nosso discurso segundo que visa ter por assunto aquilo que ela diz? Ab initio ressaltemos o perigo de realizar um estudo retroativo do método arqueológico que caracteriza a filosofia e a história foucaultiana deste período; de uma leitura que a posteriori enumerasse as construções intelectuais do filósofo partindo daquilo que ele mesmo observou posteriormente a respeito de sua obra aceitando suas declarações como evidências inquestionáveis de uma mesma e idêntica postura. Instalados nesta confortável região terminal, dispondo desde o sempre da ótica privilegiada de seu resultado, seria fácil discernir aqui e acolá a identidade de um mesmo percurso prolongando-se inabaladamente no decorrer de sua vida e de seus estudos. Sua morte abrupta e inesperada em 1984 – devida a uma doença infecto-contagiosa como a AIDS, na época considerada signo dos portadores de um desvio de conduta e exclusão de comportamento – deixou contudo seu programa histórico-filosófico em aberto, delegando aos seus críticos a tarefa de salvaguardarem a suspensão e a abertura de seus escritos.

Com efeito, para tanto, demanda-se encontrar uma outra maneira de pensar sua obra sem deixar-se enveredar na "senda perdida" que ele chamou ironicamente um dia de a "monarquia do autor"2.(2)

"Para quem escreve o livro, é grande a tentação de legislar sobre todo esse resplandecer de simulacros, prescrever-lhes uma forma, carregá-los com uma identidade, impor-lhes uma marca que daria a todos um certo valor constante. Sou o autor: observem meu rosto ou meu perfil; é a isto que deverão assemelhar-se todas essas figuras duplicadas que vão circular com meu nome; as que se afastarem dele, nada valerão, e é a partir de seu grau de semelhança que poderão julgar do valor dos outros. Sou o nome, a lei, a alma, o segredo, a balança de todos os seus duplos. Assim se escreve o Prefácio, ato primeiro com o qual começa a estabelecer-se a monarquia do autor, declaração da tirania: minha intenção deverá ser seu preceito, leitor; sua leitura, suas análises, suas críticas se conformarão àquilo que pretendi fazer. [...] Sou o monarca das coisas que disse e mantenho sobre elas uma soberania eminente: a de minha intenção e do sentido que lhes quis atribuir."3 (3)

A inviabilidade de sustentar-se a equivalência entre a significação da obra e da subjetividade do autor posta como sua responsável insere-se num debate com a história tradicional do pensamento caracterizada justamente pela procura dessa identidade. Recusando reduzir o sentido da sua filosofia à possível intenção do sujeito do discurso, será na distância mesma entre os conceitos de autor e de obra que se fundamentará toda a autonomia possível de sua palavra. De acordo com esta concepção de Foucault, partir da intenção ou do sentido visados pelo autor em um determinado e circunstancial instante de sua carreira intelectual, descobrindo por sob os textos a significação que subjaz a eles e anima o processo de elaboração de sua filosofia, corresponderia a uma atitude de restrição à própria liberdade de quem lê. A possibilidade de sua compreensão não deve ser buscada na gênese de uma subjetividade criadora, na idéia de uma personalidade subjacente que definiria as leis e o significado do exterior de seu discurso. Do alto de sua eminente sabedoria, a palavra ad mentem auctoris apresentar-se-ia, deste modo, como a ordem universal de toda leitura possível encerrando seu projeto crítico numa única interpretação.

Muito pelo contrário, é preciso constatar, tijolo por tijolo no exame de seus textos, que suas teses arqueológicas e genealógicas caracterizam-se por uma intermitente redefinição de seus conceitos e pela alternância dos objetos de pesquisa, não se deixando captar num ponto fixo a partir do qual pudéssemos julgar o filósofo e sua sombra. Elas não admitem, devido ao perfil de seu trabalho, serem enquadradas facilmente neste ou naquele domínio prévio de conhecimento. Por manifestarem uma multiplicidade de temas, seus trabalhos dificultam o enquadramento da obra de Foucault em disciplinas ou áreas tradicionalmente reconhecidas. O caráter anti-sistemático de seu pensamento nos leva assim para além das fronteiras previamente estabelecidas por uma separação arbitrária dos saberes. Foucault volta e meia teve o hábito de estar ali onde não o esperávamos, despistando seus perseguidores e reaparecendo cada vez sob uma outra máscara. Para ele, suas teorizações não deixavam de possuir um caráter eminentemente provisório, contingente, reféns do próprio estado inacabado de desenvolvimento em que se encontravam. Sem demais pudores em aceitar os limites e as parcialidades dos próprios conceitos engendrados, Foucault logo em seguida os revê, reformula-os substituindo por um novo material trabalhado mais uma vez impedindo a utilização de seus escritos como um vademecum de referência para seus leitores. Assim, as pesquisas arqueológicas do início de sua carreira são seguidas pela genealogia que, ao seu turno, desemboca num estudo das "técnicas de si"; e a cada um desses tipos de investigação corresponderá, respectivamente, diferentes objetos de inquérito: epistemaï, "regimes de verdade" ou "problematizações".

Marcado pela provisoriedade, seu pensamento jamais deixou de se lançar na direção do outro, do diferente, sempre em busca de novas alteridades. Ao seu projeto crítico falta pois, a priori, a coerência de um método único ou de uma doutrina filosófica preestabelecida capaz de enquadrá-lo sem demais problemas. Numa tarefa eminentemente empírica como a sua, as categorias mais gerais que nos permitem justificá-lo surgem apenas em última instância. Ou seja, seria forçosos atribuir de antemão aos seus textos uma dada identidade que teria de verificar-se. Decidirmos então, previamente a toda leitura, que seus estudos soem constituir uma mesma unidade seria soçobrar no preconceito estéril de que seu pensamento teria como princípio unificador o sujeito-autor de toda análise, quando em verdade nosso próprio autor não fez praça dela.

Além disso, por não se deixarem encaixar em nenhuma escola ou movimento de pensamento historicamente constituído, as análises de Michel Foucault – daí seu caráter de novidade – têm suscitado inúmeras interpretações divergentes e por demais incapazes de salvaguardar a coerência de suas démarches. Na falta ainda de consenso geral que faça papel de receita, nenhuma explicação singular de sua obra atingiu na literatura de comentadores o status de ortodoxia; sobretudo por estarem preocupados em demasia com questões acerca do método de sua escritura.4(4) Esse interesse pela metodologia histórica inaugurada por Foucault quiçá seja signo de estarmos preferindo falar sobre a maneira arqueológica de escrever a história, ou de traçarmos panoramas esquemáticos sobre o todo de sua obra a fim de se alcançar uma fundamentação para suas idéias, a fazer efetivamente a crítica de seu pensamento, revolvendo a intimidade dos textos em si mesmos, o deslocamento de seus argumentos e as circunstâncias que os permeiam.

Ao invés de operarmos portanto uma leitura genealógica das questões tratadas arqueologicamente na primeira etapa de sua obra – de estudá-lo sob um outro ponto de vista mais tardio denunciando, a partir dele, suas possíveis contradições e esquecimentos, ou ainda, acusando-o de ter cometido um erro, uma omissão (Verdeckung) cuja lacuna de pensamento seria nossa tarefa preencher – nossa tentativa primeira deveria consistir em entender a coerência do que escreveu em seus livros e artigos e do que disse em suas entrevistas. Numa palavra: daquilo que nos foi impresso. Por coerência, entendemos a integração e a adesão dos elementos imanentes que compõem seu trabalho: a estrutura de combinação e oposição de seus argumentos obtida através de um processo de leitura analítica. Esta concepção adotada visa primeiramente afastar-se da teoria segundo a qual uma obra filosófica possa ser vista quer seja como o mero reflexo ou o "documento" de uma sociedade (das gerações, das escolas, dos movimentos intelectuais), quer como o produto da personalidade do autor; partindo em ambos os casos de um critério alheio ao texto manifestando-se como o condicionador de seu aparecimento. Ao contrário de tributarmos a circunstâncias alienígenas a razão última da opus, descrevendo como ela reflete a alma ou a sensibilidade de sua época, a análise de sua filosofia precisaria antes ser a narrativa de seu desenvolvimento interno, de sua constituição íntima e dos elementos que a compõe; em vista de lhe entender sua arquitetura sem que qualquer informação exterior a essa rede venha substituir, com prioridade, a simples procura do modo particular como os enunciados articulam-se entre si. O viés estético assim conferido à obra foucaultiana por esta postura crítica, de uma entidade autônoma e do interesse pelas razões formais de sua força, reside pois no reconhecimento do primado do texto, e não no autor ou em seu meio; evidência que nos obriga a colocar em outro plano as razões extrínsecas de abordagem da sua filosofia, ao invés de somente descartá-las. É interessante notar como esta mise en question do documento é um tipo de abordagem histórica que não deixou de ser notada e adotada pela pena do próprio Foucault:

"Ora, por uma mutação que não data de hoje, mas que, sem dúvida, ainda não se concluiu, a história mudou sua posição acerca do documento: ela considera como sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se diz a verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e elaborá-lo: ela o organiza, recorta, distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do que não é, identifica elementos, define unidades, descreve relações. O documento, pois, não é mais, para a história, essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas rastros: ela procura definir, no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações. É preciso desligar a história da imagem com que ela se deleitou durante muito tempo e pela qual encontrava sua justificativa antropológica."5 (5)

Privilegiando então os fatores intrínsecos de constituição da estrutura de uma obra, poderíamos chamar nossa orientação de "formalista" ao atribuí-la de um critério de coerência sistematizadora. Um leitmotiv que muito se pareceria com a proposta sugerida por Martial Gueroult e Victor Goldschmidt de interpretação para a história das filosofias, ao proporem refazer a arquitetura de cada sistema de pensamento em encadeamentos lógicos que nos permitiriam reconstituir analiticamente uma tal imanente "ordem de razões". 6 (6) Com o intuito de privilegiar cada obra em sua validade e coerência internas, naquilo que tem de especificamente seu, esse enfoque estruturalista (close reading) ver-se-ia isento de causalidades exógenas ao discurso filosófico conferindo aos sistemas uma autonomia fundamental em relação à realidade exterior. Evitando-se assim perder de vista a natureza do objeto estudado, o filósofo, como diria Benedeto Croce, não seria mais do que sua própria filosofia.

Todavia, dado o caráter empírico das análises de Foucault sulcadas por tantas descontinuidades, será mesmo possível restaurar ao corpus de seus escritos a coerência de uma projeto singular? Pois contrariamente ao que esta tradição de leitura historiográfica estaria levada a pensar,7 (7) o conceito de obra arqueológica a que estamos propondo interpretar não se encerra meramente nos livros e escritos publicados por Foucault; fato aliás que dificulta em muito nossa tarefa. Mas se amplia de um certo modo a toda a sua atividade prática e política de intelectual engajado que envolve um questionamento do próprio modo de fazer histórico – o que não significa que as análises detalhadas dos textos arqueológicos devam ser desprezadas. Seu propósito militante de ampliar a compreensão da atualidade se processa num programa de desantropologização e clarificação da cena cultural em que se insere. Antes de situarmo-nos apenas como um método de análise interno, limitado ao escopo dos textos e escritos publicados sem referência a algum termo exterior ao seu discurso, é notório observar que a obra arqueológica de Foucault, por sua vez, deseja sobremaneira inserir-se no seio mesmo das transformações históricas em que as práticas e os discursos se efetuam.8 (8) Sendo assim, ela aponta inevitavelmente para um elemento residual irredutível a qualquer sistema; a algo que sua própria estrutura não pode dizer encaminhando seu interlocutor para além do universo da história da filosofia.9 (9) Há como que um excesso do mote arqueológico, plus aequo, perante as tentativas de sua recomposição teórica. Pois ao lado de seu descontentamento com a limitação (antropológica) da atividade filosófica ao mero comentário historiográfico dos filósofos, será possível encontrarmos também o anseio arqueológico de tomar em consideração a conjuntura política de seu tempo. A ligação do debate arqueológico ao dínamo da pesquisa acadêmica francesa, com suas diversas frentes em evolução, produziu um estilo novo de atuação política mais afim com os seus requisitos intelectuais desejados. No que tange à impossibilidade de que sua obra coincida forçosamente com sua letra, de que sua proposta resida num aquém ou além de sua letra mas jamais à sua crista, faz-se notório observar algumas de suas considerações tecidas num momento posterior (1973) mas oportuno sobre a questão tratada:

"Gostaria de acrescentar que a arqueologia, esta espécie de atividade histórico-política, não se traduz forçosamente por livros, nem por discursos, nem por artigos. Em última análise, o que atualmente me incomoda é justamente a obrigação de transcrever, de enfeixar tudo isso num livro. Parece-me que se trata de uma atividade ao mesmo tempo prática e teórica que deve ser realizada através de livros, de discursos e de discussões como esta, através de ações políticas, da pintura, da música..." 10 (10)

Em certo sentido, trata-se de uma interrogação simples que formulamos acerca de sua obra, é bem verdade, mas que exigirá por sua vez uma resposta doravante mais complexa ao ambicionar compreender um pensamento, como o de Foucault, a partir dele mesmo. Se, por um viés, à abrangência de temas que seus questionamentos nos oferecem sejam infinitas as possibilidades de leitura; por outro, ela ao mesmo tempo nos impõe uma escolha e uma demarcação necessárias.

É preciso, em outras palavras, garantir a exposição da lógica interna de seu raciocínio sem descaracterizar ao mesmo tempo seu aspecto móvel e real, sua própria inquietude que lhe punha a pensar sempre diferentemente e de uma nova maneira. Por mais que invariavelmente sua postura intelectual tenha se caracterizado pela mudança, que ele pensasse via mutações que não nos delegam um mesmo rosto fixo e imóvel ao longo de toda sua carreira filosófica, a tarefa necessária do crítico de sua obra ainda assim é a de articular um modo de apreensão de seus escritos que visa se colocar dentro das problematizações estudadas tentando tornar suas argumentações o mais consistentes possíveis.

Sem embargo, dadas essas condições, será mesmo possível atribuir ao seu empreendimento alguma unidade outra que não a puramente formal, uma congruência que não apareceria senão como uma ficção surgindo de ilusões extemporâneas e de uma anacrônica procura pela coerência? Ora, a consistência desta identidade, embora em parte descoberta analiticamente, necessitará ser ela por nós comentadores outrossim inventada. Contrariamente à suposição de uma necessidade lógica maior que subsumiria as diferenças de posição entre leitor e obra, será preciso introduzir nessa articulação um elemento de contingência, de arbítrio, chamado invenção. Pois em caso de textos caracterizados por sua corriqueira falta de estruturabilidade, o historiador da filosofia costuma dizer tratarem-se de estudos não filosóficos; atribuição possível para outras disciplinas, mas sem sombra de dúvida não a sua. Daí a recusa geral de se creditar a Foucault o epíteto de filósofo e a ignara ignorância de quem esquece que cada filosofia possivelmente requeira tratamento peculiar. No limite, a análise da organização interna de uma obra pode vir a ser um expediente que se baste, como de fato acontece em alguns modos de formalização excessiva, para os quais a referência a circunstâncias exteriores não é uma questão artística nem crítica, mas sim uma impureza. Contudo, se uma obra como a de Foucault pode se revelar contraditória ou inestruturável (leia-se "não filosófica") em boa parte de seus momentos, nem por isso ela deixa de ser inteligível caso logremos superar suas contradições numa organização lógica e formal. Neste sentido, a estrutura de leitura que é mister ao historiador da filosofia recompor não poderá deixar de diferir daquilo que, ao menos deliberadamente, define para Foucault o ethos de sua escritura. Na falta de solução de continuidade entre a experiência escriturária da arqueologia e nossa reordenação estrutural, leitor e escritor não poderão percorrer o mesmo itinerário prévio, muito menos efetuar a mesma catarse. Há uma distância que as atravessa; já que toda ordem, indispensável a qualquer investigação intelectual, só se estabelece em prejuízo da abundância infinita de minudências e pormenores que perfazem a riqueza da obra mesma.

Se o empreendimento arqueológico então não nos entrega a chave mestra de seu projeto, a linguagem em que se apoia, mas apenas o repúdio em relação aos discursos que ele pretende demolir, na medida em que se trata de definir uma análise histórica que esteja liberta do tema antropológico; será preciso nos valermos de alguma "chave micha", de um achado crítico que permita o acesso a sua obra. A riqueza de seu conteúdo possibilita uma diversidade tamanha de enfoques entre os quais será mister optar. Mesmo cientes de que não dispomos tacitamente de um sistema de referências que se compare àquilo de que carecemos explicitar, será preciso mesmo assim não ceder em nossa tarefa. Devemos admitir portanto que numa busca de coerência interpretativa para o seu pensamento, há forçosamente um elemento de arbitrariedade, escolha e risco de assimilação. Ou seja, aliada a uma leitura que busca encontrar o encadeamento arquitetônico das demonstrações, não está ausente uma interpretação que a apreende também como um exercício, um prática política que, por sua vez, deseja retoricamente introduzir mudanças no estatuto de nosso conhecimento.

Isto posto, devemos observar que toda a dificuldade de interpretação de sua obra encontra-se no fato do discurso foucaultiano se desdobrar em mais de um nível argumentativo. Há como que uma volúpia de Foucault, sponte sua, em entregar-se a um fluxo difuso e indeterminado da escrita impondo um enigma que se recusa a se ver reduzido por uma estrutura articulada única. Escapando aos mecanismos culturais voltados para o controle a à ordenação das práticas discursivas que fazem parte do aparato social destinado à conjuração de toda e qualquer liberdade, a escrita arqueológica está defendendo a idéia avessa de uma verdade que apenas ela saberia como dizer e que é a contestação de todas as demais formas de discurso. Não obstante, essa viva consciência do fundo conflitual de sua tempo, inerente às diversas posições engajadas entre as quais sua época se divide, traz consigo a marca de uma postura crítica que se revela intransitiva ou indecidível. Trata-se de um propósito militante do arqueólogo, mas à distância de todos os campos identificáveis. De fato, os sinais exteriores de participações no campo político da arqueologia são todos negativos, e não positivos. Se ele se insere no debate de sua época, nunca o faz a partir de um lugar facilmente determinável nas categorias históricas de nossos saberes, mas sempre à distância operando uma certa arte retórica da palavra com ironias, esquivas e gaio saber. Pois o parti pris político dos textos de Foucault não se concebe senão a partir de uma certa perspectiva fundamental de resistência, através da qual se resgata uma vontade de interrogar o lado obscuro dos discursos e das razões; de colocar em dúvida sua segurança e seu poder de sujeição, de se espantar com suas falsas evidências. Não mais portanto uma filosofia decidida de direito a fundar a legitimidade de todo saber, não mais uma filosofia transcendental colocando o sujeito incondicionado de toda representação, mas um discurso que procura desfazer a falsa evidência dos demais saberes e de sua articulação. De um tal leitmotiv retórico, é preciso dizer que ele não é jamais seguro de seus resultados, que ele se joga antes em batalhas singulares não se encarregando do onus probandi de suas afirmações e que suas conseqüências visam recordar a gênese múltipla e provisória de todo pensamento contestando suas significações instituídas com o intuito de produzir um outro apelo de sentido.

Sem embargo, ainda que não possamos definir positivamente o que Foucault entende por uma cultura não antropológica ou pós-humanista – vide por exemplo seu uso de expressões como "contradiscurso" e "contraciências" para caracterizar em As Palavras e as Coisas os saberes capazes de pensar na ausência da finitude humana – essa justaposição de démarches de cunho ora retórico ora conceitual nos obriga a salvaguardar a obra em sua análise interna bem como de salientar seu papel do ponto de vista da edificação de uma outra cultura literária. Pois em relação ao discurso teórico cuja estrutura conceitual estaremos recompondo, pode-se notar também um recurso ou desvio da argumentação arqueológica ao uso sofístico da palavra. Sob este ponto de vista, a organização de seu pensamento que nos propomos refazer não pode abranger tão somente o que Foucault disse em seus textos ou está impresso em seus livros, mas deve residir também nos efeitos que visava produzir ou na maneira de dizê-lo, em seu modus faciendi, sobretudo naquilo que desejava fazer com aquilo que disse. A inversão de nossos códigos habituais, a reposição de questões e a alusão a outros caminhos possíveis imprimiram uma marca tão grande aos seus textos que, em A Arqueologia do Saber, ele não hesitou em colocar na boca de um hipotético crítico as queixas ao fluxo errante de sua pena:

"Você não está seguro do que diz? Vai novamente mudar, deslocar-se em relação às questões que lhe são colocadas, dizer que as objeções não apontam realmente para o lugar em que você se pronuncia? Você se prepara para dizer, ainda uma vez, que você nunca foi aquilo que em você se critica? Você já arranja a saída que lhe permitirá, em seu próximo livro, ressurgir em outro lugar e zombar como o faz agora: não, não, eu não estou onde você me espreita, mas aqui de onde o observo rindo."11 (11)

Numa análise da obra de Foucault, precisa-se preservar este riso que embaralhava nossos códigos habituais de sentido concatenando-o, paradoxalmente, à própria tentativa de sistematização e codificação de seu pensamento. A existência de um componente extra-discursivo que comanda o enfoque da arqueologia nos obriga a um afastamento crítico dos livros para identificarmos um componente de sua ordem profunda. Quem quiser ver em profundidade, soe aceitar com douta ignorância este contraditório. Pois se Foucault pôde muito bem contestar a noção "monárquica" de autor, é verdade mesmo assim que o fato de ler uma obra como a sua não pode ser feito no espaço impessoal da teoria, que lê-lo é interpretá-lo e encontrar novamente uma identidade. Não certos traços psicológicos individuais de uma pessoa ou as idiossincrasias da personalidade do autor, mas o índice de uma singularidade que se imprimiria por aquém ou para além de seus textos. Mesmo cientes de que paire sobre o mundo acadêmico uma imposição de análise dos textos filosóficos que seja imparcial, erudita, apolítica e acima de qualquer crença doutrinária ou engajada, devemos admitir que em realidade a prática arqueológica é muito mais problemática e resistente em relação a qualquer proposta de interpretação serena ou apolítica.

Nem mesmo Gueroult ou Goldschimidt descobriram um método que lograsse separar totalmente seja o erudito das circunstâncias da vida, seja o envolvimento do autor com uma classe social, um conjunto de crenças e ideologias de seu tempo, ou ainda, tão somente da mera atividade de ser membro de uma cultura ou civilização ocidental. Com efeito, a reconstrução da arquitetura imanente costuma confinar a obra em si mesma, enxergar nela seus traços distintivos e privativos, o privilégio daquilo que no campo extra-filosófico não existe; razão por que a celebram como uma estrutura sem referência exterior. Não obstante, ao adotar tal ideal de historicidade e o tipo de estrutura elaborado nesta disciplina, esta história da filosofia incorpora por vezes um paradigma indiferente a aspectos decisivos de seu objeto. Haja visto que a insistência em aplicar, sem matizes, o método estruturalista a textos que permanecem imcompreendidos constitui uma repugnância em pensar a singular diferença da obra foucaultiana perante o cenário da filosofia ou da crítica literária do século XX, assim como a versão nova de uma velha forma de reconstituir sistemas.

Entretanto, ao revés do fechamento do texto filosófico sobre si mesmo será mister atentar, pro re nata, à abertura própria do mote arqueológico para o contexto histórico em que se formula.12 (12) Malgrado a ambição de Foucault em escrever anonimamente e de que sua pesquisa tenha alcançado um relativo grau de liberdade no que tange a essas restrições, pode-se perceber que tudo isso continua ainda a influenciar aquilo que fez profissionalmente. Se de fato Foucault inventou um estilo novo de escrita chamado "discurso sem referências", necessário se faz compreender aquilo que essa invenção implica, o que pressupõe e mesmo o que visa combater: um dado regime de verdade e o tipo de poder de sujeição que lhe é correlativo. Ao lado das razões de composição interna da escrita arqueológica, é digno de nota reservar portanto um papel não menos importante aos elementos da realidade externa, que assim se torna, como seu riso, uma das forças ordenadoras do projeto de Foucault. Como se vê, a sondagem de correspondências estruturais entre filosofia e contexto social tem de se haver com dificuldades bem mais reais que as simplesmente metodológicas; aliás tão recordadas. Não pelo fato de que seus livros sejam resultados de circunstâncias exógenas ou de que em sua imanência eles espelhem a situação histórica na qual se inserem, mas para que o processo histórico mesmo seja incorporado à sua obra. Tomado apenas como invólucro de sua filosofia, o meio social poderia desempenhar o papel de enquadramento da obra. Mas se concebido como um elemento incorporado ao seu desdobramento autônomo, numa lógica que escapa à comparação externa, é agora a arqueologia que tem parte com os desdobramentos do mundo. Se apontarmos para o componente não filosófico, ou literário como nos demonstram suas obras, da sua filosofia, poderemos apreciar o trabalho especificamente arqueológico de assimilação do que, à primeira vista, tão somente pareceria mas não era externo. Essa reversibilidade da relação "obra-circunstância" possibilita ao crítico filosófico uma formulação estética mais justa, pois o compromisso com a vida cultural que caracteriza tão bem a arqueologia de Foucault costuma inexistir para outros modos de se fazer a história da filosofia. Aí está, dito em outras palavras, o inconcebível para aqueles que gostam de interpretar uma filosofia de costas para o mundo: o dinamismo arqueológico produzindo transformações sobre a realidade externa.

Ipso facto, a isso dever-se-ia acrescentar também que sua escrita não plana num espaço incondicionado, não porque dependa da sociedade ou seja refém dela, mas pela razão de existir e tomar seu sentido dentro um campo de gravitação histórico chamado Modernismo Literário. Partindo da experiência artística de uma linguagem de vanguarda centrada sobre seu próprio eixo, a escrita empenhada e interessada da arqueologia buscou ser não apenas um novo método de escrever a história, mas uma outra maneira de transgredir os fundamentos humanistas de nosso pensamento. Não poderia ser deixando pois de considerar o caráter retórico e ensaístico de seu projeto – experiência modificadora de si no jogo da verdade – que deveremos interpretar seu aviso dado ao término de O Nascimento da Clínica que este "livro que se acaba de ler é, entre outros, o ensaio de um método no domínio tão confuso, tão pouco e tão mal estruturado da história das idéias".13 (13) O debate público sobre a linguagem no qual Foucault se insere é pois uma discussão sobre uma outra cultura política para a modernidade. Acerca de uma cultura de vanguarda, não antropológica que, situando-se em seu limiar, inverte seus valores e aponta para uma nova era. Concebida como o cânone da obra modernista, na intransitividade de uma écriture que só faz laço consigo mesma figura a questão constituinte de uma nova forma de arte. Desse modo, seu engajamento como escritor consiste menos em refazer o elo entre a realidade exterior e a palavra literária do que em descrever o modo como se constitui essa literatura. Um "arabesco no ar" diria Bento Prado acerca dessa escrita.14 (14) Será quiçá em torno deste eixo vertical da literatura moderna que poderemos devolver à linguagem dispersiva de Foucault a rigorosidade sistematizadora de um sentido unificador de seu percurso. O espírito de esquema, assim, intervém para traduzir a multiplicidade do real. Adiante, nos próximos capítulos, voltaremos com maior propriedade acerca desta questão que será a chave para a inteligibilidade e a historicidade de sua obra.

De mais a mais, não seria nosso intuito neste breve artigo fazermos papel de receita, afirmarmo-nos como a última análise possível dos textos foucaultianos na literatura de comentadores. Não somos tão arrogantes assim! Pois afinal, o mal-entendido não apenas estrutura como faz parte outrossim de uma boa conversa, de uma boa argumentação. Trata-se, pois, pelo contrário, tão somente de mais uma proposta de interpretação possível de seu pensamento que intencionamos fornecer ao leitor, e não da única e necessária interpretação que alcançaria finalmente o status quo de ortodoxia. Ademais, todos sabemos que ao longo dos séculos cada geração de intelectuais redescobre e reinventa novamente o seu Platão, o seu Kant, o seu Marx. Quiçá o mesmo se dê com o nome próprio Michel Foucault: sua transformação em um clássico de nossa cultura ocidental. A história da filosofia a ser praticada perante os textos de Michel Foucault é enfim um "work in progress" , uma tarefa em andamento, cabendo a cada geração refazê-la, recompô-la, alterando-a, com ou sem propriedade, num processo que doravante continuará aberto.

Em certo sentido, isto acaba por ser inevitável acerca de qualquer obra filosófica significativa, geradora de seus próprios conceitos e termos ímpares de referência. Mas com Michel Foucault a tensão contraditória entre leitor e obra parece se revelar ainda mais intensa devido à singularidade deliberada de sua linguagem. Pois ela alcança todas as características do estilo, da construção de argumentos, de intenção declarada. A significação de coerência para seus escritos deve ser buscada sobretudo na sua maneira de escrever; e esta maneira é, em todos os aspectos técnicos e tonais, parte integrante da própria coerência. Uma fusão essencial dessa ordem entre a necessidade interna dos argumentos e a singularidade formal caracteriza justamente uma grande prosa. Sua realização, por meios estilísticos, relaciona a arqueologia com a etnologia estrutural de Lévi-Strauss e a escrita literária de um Maurice Blanchot. Relaciona-se também com O Nascimento da Tragédia de Nietzsche. Com o fito de elaborar seu singular idioma proposicional e sua arquitetura interna, cada um desses autores, por sua vez, teve de romper com os modelos tradicionais aprovados de exposição filosófica, da crítica. Por conseguinte, não seria difícil encontrar em cada uma de suas obras dramatizações psicológicas e leitmotiv retóricos que interessam ao estudioso da etnologia e da linguagem ou da poética tanto quanto ao filósofo ou ao crítico. E entrementes a presença desses três autores na obra de Foucault não se reduz a uma questão estritamente estilística, mas é orgânica. Enquanto o estruturalismo em etnologia servia como justificativa para o abandono do paradigma fenomenológico de interpretação da história, Nietzsche lhe fornecia o arcabouço teórico para uma leitura crítica dos valores ocidentais. Já o elemento literário permanece incerto demandando um estudo mais pormenorizado na literatura de comentadores. De todo modo, a questão que os permeia aqui é a de um novo e rigoroso início que não se deixaria subsumir pelas antigas formas de pensamento. A questão de como os ler e do papel executado dentro da assimilação arqueológica de seus estudos – não em termos de apreensão analítica mas também em termos de uma recomposição dos valores e da conduta do leitor – continua sendo o desafio maior formulado ao historiador da filosofia.

Pois o que estará em qualquer dos escritos arqueológicos de Foucault é o modo como seu texto aponta, na liberdade desejada à escritura, para sua irredutibilidade a todos os esquemas conceituais e simplificadores que possamos arbitrariamente projetar acerca de sua obra, para seu intuito de introduzir fissuras no aparato conceitual de controle dos discursos ambicionando detoná-lo por completo. É na ausência de compromisso tácito entre leitor e obra, da base de uma cumplicidade prévia entre nossa leitura e aquilo que nos é escrito – stare sulla corda em meio a esta desconfortável senão esquizofrênica região de confronto entre o seu impulso espontâneo à proliferação indeterminada de significações e a nossa própria reação ordenadora, ao restituir um foco estável de coerência ao seu discurso – que será preciso então nos colocarmos. Mutatis mutandis, tudo se passa como se o propositado discurso anônimo de Foucault, tal como o Ulisses ou o Finnegan’s Wake de James Joyce, nos lançasse num empreendimento paradoxal por definição. Ironicamente, sua escritura, desta maneira, "intencionaria" tão somente dar trabalho aos críticos durante séculos a fio. Pois estes inevitavelmente, e não podemos esquecer de que de certa forma nos situamos entre eles, encontrarão antropologicamente sempre o mesmo rosto, o mesmo nome sob o diverso, o uno sob o múltiplo, o Mesmo sob o Outro na tentativa de fornecer um critério de coerência para sua obra. Percebe-se como é inevitável, em qualquer pesquisa da área de história da filosofia, nos inserimos numa literatura filosófica marcada pela idéia de comentário, de interpretação e também de análise interna de suas obras. Procura que, consoante o senso comum, padece de uma incongruência absoluta, a de investigar o ininvestigável, aquilo que fica fora de todo e qualquer nome possível, aquilo que não tem governo nem nunca terá, o que não faz sentido ... E alimentada também pela academia universitária, pois a tarefa que nos propomos como historiadores da filosofia é ainda assim a de encontrarmos uma identidade, de fixarmos um rosto qualquer, uma inteligibilidade sistematizadora tanto para os seus textos (aquilo que disse) como para o gesto político de sua intelectualidade (aquilo que desejava fazer com aquilo que disse). Conforme esta perspectiva, Foucault torna-se mais um personagem da história da filosofia, um autor cujo pensamento é dissecado pelo especialista, doutor de sua obra e figura duplicada que circulará nos corredores universitários com o seu nome. Precisamente o que mais lhe proporcionava horror.

Dessarte, constituindo-se o texto foucaultiano uma pluralidade infinita de significados virtuais, que aliás servem de caixa de ferramentas a diversas disciplinas acadêmicas tais quais a de História, Sociologia, Psicologia ou Direito, faz-se necessário um gesto arbitrário de nossa parte a fim de isolar certos traços – embora com certeza cientes de que devam existir infinitos outros – e garantir a exposição lógica de seu raciocínio. Pois não estamos no direito de confundir o ato anônimo de sua escrita como uma reivindicação de inconsistência para suas análises. Paradoxalmente, um pensador que gostava de se definir por suas atitudes libertadoras e resistentes a qualquer critério de identidade fixa, estará sendo diagnosticado, aqui, por uma permanência que se estende de um canto ao outro de sua obra: a de um perene desejo de alternância e mobilidade a que obedece a ética intelectual de Michel Foucault. Seguindo um rumo já antes traçado pelo escritor Samuel Beckett, ele dirá numa comunicação apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia em 1969 intitulada "O que é um autor?" o seguinte:

"Peço emprestada a Beckett a formulação para o tema de que gostaria de partir: ‘Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala". Creio que se deve reconhecer nesta indiferença um dos princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo ‘ético’, porque tal indiferença não é inteiramente um traço que caracteriza o modo como se fala ou como se escreve; é sobretudo uma espécie de regra imanente constantemente retomada, nunca completamente aplicada, um princípio que não marca a escrita como resultado, mas a domina como prática. [...] Pode dizer-se que a escrita de hoje se libertou do tema da expressão: só se refere a si própria, mas não se deixa porém aprisionar na forma da interioridade; identifica-se com a sua própria interioridade manifesta."15 (15)

É portanto ao aspecto singular de sua escrita que devemos computar a responsabilidade por tamanhos mal-entendidos e também pela dificuldade de inseri-lo dentro de qualquer referência de tradição filosófica ou horizonte histórico a partir do qual sua obra tornou-se possível. Embora o presente seja o solo sobre o qual ele desenvolva seu ofício, o constante deslocamento espacial e temporal de suas pesquisas – sua eminente liberdade ou contingência – nos dificulta a apreensão de seu discurso dentro de uma específica temporalidade, datada ou constituída historicamente. Ele nos introduz assim a questão a respeito de seu interlocutor, sobre qual sujeito possível se endereçam todas as suas longas interrogações. Obedecendo ao imperativo de escrever sem qualquer espécie de identidade prévia, ele dirá futuramente acerca disso, no final da introdução a Arqueologia do Saber (1969), as seguintes palavras:

"Vários como eu sem dúvida, escrevem para não ter mais um rosto. Não me pergunte quem eu sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis (documentos). Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever."(grifo nosso).16 (16)

Buscando fugir de uma moral de estado civil – dos institutos de identificação de polícia civil responsáveis, ao menos num país como o Brasil, pelo fornecimento de nossos registros gerais, pela emissão de nossas carteiras de identidade, tão preocupados em saber nossas profissões, grau de escolaridade ou estado civil (se somos solteiros, casados, desquitados, viúvos, sodomitas porque não?, etc.) – esta tentativa foucaultiana de um anonimato para a pena de sua escrita está obedecendo à urgência libertária da produção do diferente em nossa cultura. A problematização histórica do sujeito moderno e sua relação com a escritura passa necessariamente pela desconstrução da evidência da própria subjetividade daquele que escreve como fundamento do discurso, pelo desvanecimento do sujeito escritor na própria linguagem de sua escrita. Se a crítica arqueológica do autor, a recusa do nome, tem o seu motivo político e seu momento numa dada leitura da experiência moderna, aquele que se coloca a escrever poderá estar inevitavelmente retomando-a num antigo e mesmo horizonte intelectual que possibilitou esta própria forma de discurso. Ser autor, e não um anônimo, implica necessariamente a fixação a um modo prévio de tradição valendo-se de um ponto de apoio historicamente datado que o salvaguarde; já que é inerente à função autor estar concatenada ao sistema jurídico e institucional que encerra propriamente o universo dos discursos. Recuperar essa função autoral para dentro de sua linguagem seria correr o risco portanto de colocar toda sua argumentação sob o cômputo geral de uma posição essencial, perene e portadora de sentido, ocupada por um sujeito presente indefinidamente em sua linguagem.

Ora, mas já vimos que Foucault deseja sobretudo desconstruir e se libertar justamente desta noção como um dado preexistente à sua escritura, subvertendo os princípios de uma ética da autenticidade autoral consagrada desde longa data, para conferir ao seu texto a total autonomia de referências. Pois no momento em que todo um feixe de discursos é classificado e delimitado em torno de um nome de autor, domestica-se o caráter transgressivo de sua linguagem.17 (17) Enquanto a produção da categoria de autor está ligada em nossa cultura a este adestramento, o leitmotiv da arqueologia obedece por sua vez à necessidade de se desligar da estrutura da linguagem moderna, assim como das visões de mundo e ideologias que sustentam seus diferentes sistemas discursivos. Fugindo de perguntas que repousam portanto sobre este pressuposto moderno do autor, fundamento do discurso onde projetamos "o jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do eu"18, (18) ele dirá, por exemplo:

"Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem recebidos sem que a função autor jamais aparecesse. Todos os discursos, qualquer que fosse o seu estatuto, a sua forma, o seu valor, e qualquer que fosse o tratamento que se lhes desse, desenrolar-se-iam no anonimato do murmúrio. Deixaríamos de ouvir as questões por tanto tempo repetidas: ‘Quem é que falou realmente? Foi mesmo ele e não o outro? Com que autenticidade, ou com que originalidade? E o que ele exprimiu de mais profundo de si mesmo no seu discurso?".19 (19)

Se a problemática do sujeito aparece em seus estudos, é porque está precisamente balizada pela noção de que este não é um dado prévio, mas sim algo efetivado historicamente. A noção de sujeito a partir da qual todos nos concebemos, ao mesmo instante consciência de si e indivíduo jurídico-moral, não é de fato uma aparência ou ilusão. Ela certamente faz parte de nossa realidade, sendo um dos modos dominantes pelos quais representamos nossa existência. Noção contudo que não está correta de todo, já que ela não é senão uma das versões culturalmente possíveis do ser-sujeito abertas na história. Assim, a identidade subjetiva que projetamos acerca de nós mesmos é antes uma conquista frágil e não uma essência, momento de um processo contingente de muitas outras possibilidades. Noutras palavras, Foucault não inventa, pois, um universo simplesmente sem sujeitos; mas antes descreve as condições históricas que tornaram possível este mesmo horizonte moderno em que o sujeito já foi previamente captado pelo discurso. Estabelecendo uma digressão, poderíamos dizer que a arqueologia de Foucault acompanha um processo histórico de despersonalização – ou dessubstancialização – da noção de sujeito na filosofia ocidental. Outrora para Descartes, por exemplo, ele fora considerado como uma coisa ou substância pensante; com Kant ele irá desempenhar o papel de uma função transcendental legitimadora do conhecimento. Por sua vez, a filosofia contemporânea parece acentuar esse processo colocando o sujeito quer seja nos limites da linguagem, como para Wittgenstein, quer situando-o abaixo de uma cadeia de significantes, como para Lacan. Já Foucault, no anonimato de sua pena, deseja efetuar uma redução nominalista do sujeito que passa então a ser lido não como uma coisa, mas como um nome: mero produto de uma formação histórica discursiva.

Dito de outro modo, será preciso doravante pensarmos o sujeito, conforme deseja a arqueologia, desprovidos de sua definição tradicional como consciência, como identidade, substância, suporte ou estabilidade – algo aliás que Foucault defenderá ao longo de sua trajetória mediante diversas teses. Por exemplo: no início de sua carreira se processa a interpretação do primado da historicidade sobre a essência, ou seja, não há mais sujeito articulador da história mas unicamente modos históricos de funcionamentos subjetivos. Em Vigiar e Punir até a História da Sexualidade pode-se encontrar a interpretação de que, afinal de contas, não haverá senão práticas discursivas chamadas dispositivos de saber-poder em cujo registro a dimensão subjetiva deve ser pensada; além da defesa do primado da multiplicidade sobre a unidade. Ou seja, estuda-se o poder não mais como uma dimensão global que se pluraliza e se difunde de maneira homogênea através do corpo social, mas tendo agora uma existência e especificidade próprias situadas no nível mais elementar. Deixar-se-á de representá-lo como uma instância estranha à sociedade e de opô-lo ao indivíduo. Sob este aspecto, a figura do Estado não poderia estar mais na origem a partir da qual se deveria partir para compreender-se a constituição dos saberes na sociedade, pois de acordo com Foucault seria muitas vezes fora de sua dimensão negativa – aquela que impõe um "limite à liberdade" – que as relações entre poder-saber se estabeleceram.20 (20) Pensar o poder consoante seu arcabouço jurídico e contratual corresponderá, em outras palavras, ao genealogista Foucault uma maneira tradicional de interpretação que conforma seu estudo a uma matriz única e originária. Numa inversão do modo tradicional de abordagem, precisaríamos pensar genealogicamente o sujeito menos como o Outro do poder e mais propriamente como um de seus efeitos. O que significa dizer que o poder não tem uma identidade representada em instituições, localizada na esfera do Estado ou em seus aparelhos ideológicos; mas é antes efeito de uma multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio em que se exercem.21 (21) A noção de poder concebido por Foucault diferirá, por exemplo, daquelas professadas pelas teorias contratualistas do século XVII e XVIII ultrapassando a dicotômica oposição indivíduo versus sociedade, característica marcante nas teorias que se baseiam na forma da jurídica da lei.

"No caso da teoria jurídica clássica, o poder é considerado como um direito de que se seria possuidor de um bem e que se poderia alienar total ou parcialmente por um ato jurídico ou um ato fundador do direito, que seria da ordem da cessão ou do contrato. O poder é o poder concreto que cada indivíduo detém e que cederia total ou parcialmente para constituir um poder político, uma soberania política. Neste conjunto teórico a que me refiro, a constituição do poder político se faz segundo modelo de um operação jurídica que seria da ordem da troca contratual."22 (22)

Sua tese primordial será portanto a de que o poder não se subsume à interdição da lei. Contrapondo-se à idéia de que o poder não se resume a um artefato ou criação de uma soberania do Estado, Foucault advogará a concepção de um "outro poder" que se exerceria permanentemente e através do qual, parafraseando Clausewitz, a arte da política seria a continuação da guerra. Não mais uma dimensão transcendente e fixa que constrangeria a todos renunciar a uma parcela de seus direitos naturais, deixando-se capturar na forma da lei ou do contrato social. Mas uma forma resultante de correlações de forças móveis entre indivíduos e grupos.23 (23) Desta maneira, o que nós costumamos chamar de funcionamento subjetivo se processa antes como o efeito de uma multiplicidade de práticas e discursos subjacentes, e não como o agente de uma operação jurídica fundadora de direitos. Por fim, pode-se encontrar também a interpretação da primazia do acontecimento sobre a substância e da descontinuidade sobre a continuidade: o sujeito não é mais uma entidade substancial, um suporte ou substrato do discurso; mas aquilo que se produz em um determinado momento do tempo sob uma certa forma, em dada conjuntura histórica, e que pode tão bem cessar de se produzir dessa maneira tão logo mudem as condições de possibilidade de sua produção.

Vê-se, além do mais, que a escrita arqueológica não pretende ser a versão nova de uma velha história; ou seja, a mera repetição de um antigo horizonte. Ela visa também pensar as relações entre a filosofia e a história fora de toda referência à dialética ou ao antropologismo. Assim, a antiga convivência estabelecida entre a filosofia e a história, a relação necessária estabelecida por ambas24, (24) se transforma arqueologicamente na contingência que tornou possível um discurso se constituir historicamente em saber do homem. Recusando as limitações morais desse estado civil que restringem a produção do acaso ou do diferente em nossa vida cultural, Foucault estará preocupado não apenas em pensar o novo, mas também em encontrar uma nova maneira de pensar este novo.

"Sei bem que no empreender da análise interna e arquitectónica de uma obra (quer se trate de um texto literário, de um sistema filosófico ou de uma obra científica), pondo entre parêntesis as referências biográficas ou psicológicas, já se pôs em questão o carácter absoluto e o papel fundador do sujeito. Mas seria preciso talvez voltar a esse suspens, não tanto para restaurar o tema de um sujeito originário, mas para apreender os pontos de inserção, os modos de funcionamento e as dependências do sujeito. [...] Colocar antes as questões seguintes: como, segundo que condições e sob que formas, algo como um sujeito pode aparecer na ordem dos discursos? Que lugar pode o sujeito ocupar em cada tipo de discurso, que funções pode exercer e obedecendo a que regras? Em suma, trata-se de retirar ao sujeito (ou ao seu substituto) o papel de fundamento originário e de o analisar como uma função variável e complexa do discurso."25 (25)

Ambicionando pensar fora dos limites operacionais da linguagem, fugindo da gravitação de sua órbita denotativa, ele se defrontará, já no início dos anos 60, com saberes mutantes que escapam ao paradigma representativo da linguagem e celebram uma outra experiência de nossa cultura. Afirmando-se contra todos os discursos historicamente estabelecidos, ao colocar seu projeto histórico sob o signo de uma escrita que se esvai sem compromissos de nenhuma espécie, Foucault reivindica para sua pena o mesmo caráter de transgressão, intransitividade e auto-referência da linguagem enunciada e avalizada pela moderna literatura de então. O que estará em jogo portanto neste deslocamento da função do sujeito-autor para a autonomia literária do texto escrito não poderá ser compreendido apenas como a substituição, a troca metafórica de um fundamento por outro. Trata-se, pelo contrário, de sua consumação na própria elocução, da destruição de toda evidência, de todo fundamento possível ao destino de nosso pensamento; graças ao que Foucault acredita poder reconectar o ato de sua escrita filosófica postulando uma interminável espiral da palavra desdobrando-se sobre si mesma. O poder de fundamentação hodiernamente concedido à linguagem vê-se então recusado. A partir de então, ela não será mais a "morada do ser"; mas se porventura veio a sê-lo em um determinado momento da história, é devido antes ao seu caráter aleatório.

Não obstante, poderia de fato alguém conceder ao âmbito discursivo a autonomia que a arqueologia postula? Seria Foucault um "positivista feliz", tal como ele mesmo sugere? Será preciso em outros artigos vermos que essa pretensão de anonimato ao seu discurso presente desde o início dos anos 60 e ao meu ver nunca alcançada, assim como as tentativas ulteriores do próprio Foucault em A Arqueologia do Saber para elaborar reflexivamente uma teoria metodológica que unificasse e legitimasse seu empreendimento, não correspondem, ipso facto, ao espírito e à letra da história operada em seus primeiros livros. Devido às nuances que poderíamos observar no modo de sua argumentação, e sobretudo à necessidade presente nesta primeira fase de seu pensamento em amalgamar sua escrita filosófica ao anonimato da linguagem literária, não será de bom grado aceitar sem questionamentos sequer a palavra do autor da arqueologia como critério de autoridade a respeito de sua obra. Projetando subverter os mecanismos culturais de controle do discurso, nosso autor acabará "obedecendo" a alguns deles. Cumpre admitir pois cum grano salis suas declarações e considerações tributárias de circunstâncias diferentes. Sedutoramente, elas podem nos fazer denegrir a realidade política, estética e superior da própria obra foucaultiana. Acerca desta mitologia do escritor, será preciso paradoxalmente antepor o mesmo questionamento cético – (épochè) atitude anti-dogmática e esclarecida em que culminava o ato de leitura arqueológica de nossa cultura – a que Foucault submeteu os domínios de suas análises para quem sabe, então, reconstituirmos historiograficamente uma unidade ao aspecto anti-sistêmico de seu pensamento.

Notas

1 Conferir a respeito: (Eribon, Didier; Foucault, uma biografia).

2 A expressão encontra-se publicada num segundo e "curto" Prefácio à História da Loucura de 1972 (segunda edição) e não deixa de manifestar as reticências de Foucault quando solicitado a redigi-lo.

3 (Foucault, História da Loucura p. VIII. H.F. p.9-10).

4 O leitor poderá encontrar, revolvendo a literatura de comentadores citada na bibliografia desta tese, principalmente no que tange à etapa arqueológica de Foucault, inúmeros estudos consagrados à metodologia a que estamos fazendo referência.

5 (Foucault, A Arqueologia do Saber p.7).

6 A expressão pode ser encontrada em ambos os autores cumprindo assim exemplificá-la. Para Goldschimidt uma filosofia é constituída por "teses ligadas umas às outras numa ordem por razões" (Goldschimidt, V. Tempo Histórico e Tempo Lógico na Interpretação dos Sistemas Filosóficos, p.146). Por sua vez Gueroult dirá: "‘Desafiar os jogos de reflexão que, sob o pretexto de descobrir a significação profunda de uma filosofia, começam por negligir a significação exata’: esta máxima de Victor Delbos tem sido constantemente a nossa enquanto escrevemos a presente obra. Ela subordina o ‘compreender’ ao ‘explicar’. [...] A análise objetiva da obra, em especial a das Meditações, que contém o essencial da metafísica cartesiana, é a nossa tentativa aqui. A descoberta de tais estruturas é capital para o estudo de toda filosofia, pois é por meio delas que se constitui seu monumento ao título de filosofia, em oposição à fábula, ao poema, à elevação espiritual ou mística, à teoria científica geral, ou às opiniões metafísicas. Tais estruturas têm por característica comum o fato de serem demonstrativas, qual seja a via escolhida, racional ou irracional. Trata-se sempre de um processo de validação. Esta demonstração combina os meios lógicos aos meios arquitetônicos." (Gueroult, M. Descartes selon l’ordre des raisons-p.9-10-11).

7 "Em história da filosofia [...] se a obra se apresenta como estrutura a ser explicada, a estrutura explicativa é a própria obra, ou seu ‘método em ato’, e não haverá agora nenhum termo exterior de comparação. [...] Tanto mais que as teses e questões levantadas pelo estruturalismo em história da filosofia já estavam todas presentes em uma tradição da historiografia francesa, tradição mito anterior à transformação do Curso de Linguística Geral em manual de epistemologia." (Moura, Carlos Alberto R. História stultitiae e história sapientiae p.153 : São Paulo – Discurso n.17).

8 "Diz-se, com efeito (e estamos ainda em presença de uma tese muito familiar), que a função da crítica não é detectar as relações da obra com o autor, nem reconstituir através dos textos um pensamento ou uma experiência; ela deve, sim, analisar a obra na sua estrutura, na sua arquitectura, na sua forma intrínseca e no jogo das suas relações internas. Ora, é preciso levantar de imediato um problema: ‘O que é uma obra?’ Em que consiste essa curiosa unidade que designamos por obra? Que elementos a compõe? Uma obra não é o que escreveu aquele que se designa por autor? [...] A teoria da obra não existe [...] De tal forma que não basta afirmar: deixemos o escritor, deixemos o autor, e estudemos a obra em si mesma. A palavra ‘obra’ e a unidade que ela designa são provavelmente tão problemáticas como a individualidade do autor. (Foucault, O que é um autor? p 37-39).

9 Posicionamento de Foucault avesso às palavras do eminente historiador estruturalista da filosofia: "Nenhuma doutrina filosófica real escapa à lei que é aquela do sistema." (Gueroult, Philosophie de L’Histoire de la Philosophie, Paris, Aubier, 1979, p.244).

10 (Foucault, A Verdade e as Formas Jurídicas p.158).

11 (Foucault, A Arqueologia do Saber p.20).

12 "O objetivo filosófico aplicado aos objetos da história da filosofia, [...] é um modo de encarar a matéria dessa história, ou seja, os sistemas como objetos que têm em si mesmos um valor, uma realidade que só a eles pertence e só por eles se explica." (Gueroult, M. Philosophie de l’histoire de la philosophie, Aubier, 1979, p.243).

13 (Foucault, O Nascimento da Clínica p.225).

14 A expressão arabesco no ar utilizada por Bento Prado para justificar a constituição da escrita literária pode ser encontrada em dois de seus ensaios publicados na década de 60: A Sereia Desmistificada e Destino e Decifração: linguagem e existência em Guimaraens Rosa.

15 (Foucault, O que é um autor? p.34-35).

16 (Foucault, Arqueologia do Saber; p.20).

17 "Os textos, os livros, os discursos começaram efectivamente a ter autores (outros que não personagens míticas ou figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os discursos se tornaram transgressivos. Na nossa cultura (e, sem dúvida, em muitas outras), o discurso não era, na sua origem, um produto, uma coisa, um bem; era essencialmente um acto. [...] Historicamente, foi um gesto carregado de riscos antes de ser um bem preso num circuito de propriedades. [...] Foi nesse momento que a possibilidade de transgressão própria do acto de escrever adquiriu progressivamente a aura de um imperativo típico da literatura." (Foucault, O que é um autor? p.47-48).

18 (Foucault, L’Ordre du Discours. p.13) Paris, Galimard,1971.

19 (Foucault, O que é um autor? p.70).

20 De acordo com Roberto Machado, a pretensão de Foucault era: "insurgir-se contra a idéia de que o Estado seria o órgão central único de poder, ou de que a inegável rede de poderes das sociedades modernas seria uma extensão dos efeitos do Estado, um simples prolongamento ou uma simples difusão de seu modo de ação, o que seria destruir a especificidade dos poderes que a análise pretendia focalizar." (Machado, R. Por uma genealogia do poder. In: Microfísica do poder X-XI.).

21 "O poder não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada." (Foucault, História da Sexualidade, p.89).

22 (Foucault, Microfísica do Poder, p.174).

23 "Em suma, o poder não é um ser, ‘alguma coisa que se adquire, se toma ou se divide, algo que se deixa escapar’. È o nome atribuído a um conjunto de relações que formigam por toda a parte na espessura do corpo social (poder pedagógico, pátrio poder, poder do policial, poder do psicanalista, poder do padre, etc.). Por que, nestas condições, conferir tanta honra ao tradicional e arcaico poder de Estado, constituído na época das monarquias absolutas européias!!" (Lebrun, G. O que é poder? p, 20-21).

24 Foi Hegel quem astuciosamente transformou a história da filosofia em uma filosofia da história.

25 (Foucault, O que é um autor? p.69-70).

 

Bibiliografia

Michel Foucault

Livros e textos menores

Bibiliografia Complementar

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Eribon, D. Michel Foucault. Trad. H. Feist. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

-----------. Michel Foucault e seus contemporâneos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1996.

Gueroult, Martial. Philosophie de la histoire de la philosophie Paris, Aubier 1979

Gueroult, Martial. Descartes selon l’ordre des raisons

Gutting, Gary (ed.) The Cambridge Companion to Foucault Cambridge University Press 1994.

Lebrun, G. O microscópio de Michel Foucault in Passeios ao Léu. São Paulo : Brasiliense.

------------ O que é poder! São Paulo: Brasiliense 1994

------------. O selvagem e o neurótico in Passeios ao Léu.

------------. Transgredir a finitude in Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense 1985.

------------. Note sur la phénoménologie dans Les Mot et les Choses in Michel Foucault philosophe, Paris, Seuil, 1989.

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Moura, Carlos Alberto Ribeiro. História stultitiae e história sapientiae São Paulo: Discurso, 17.

Ribeiro, R. Janine (org.). Recordar Foucault. São Paulo : Brasiliense, !985.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 21 - Julio 2005
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