Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
O eloqüente silêncio das veredas
Mariângela de Andrade Paraizo

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"Calada, tua voz é partitura."
Poeta à procura de editor

Resumo: Este estudo visa avaliar a importância da escuta, em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, focalizando o papel do doutor a quem Riobaldo se dirige, bem como a maneira como esse processo se duplica no episódio da Maria Mutema, que da narrativa do romance se destaca para melhor se fazer ouvir.

Summary: This paper intends to evaluate the importance of the hearing, in Grande Sertão: Veredas, by João Guimarães Rosa, foccusing on the doctor´s role to whom Riobaldo addresses his conversation, as well as the way this process comes up again, like cloning itself, at Maria Mutema´s episode, which stands out from the narrative of the romance in order to make itself better heard.

 

Há, em Grande Sertão: veredas, um episódio aparentemente destacado da trama narrativa, através do qual ficamos sabendo, com Riobaldo, da existência de Maria Mutema. Mulher de propósitos sem propósito, senhora do anti-verbo, ela mata pelo gosto de matar, sempre visando o ouvido de suas vítimas. Considerando-se, porém, que todo o relato do Grande Sertão se dirige à escuta de um chamado "doutor ", através da voz de Riobaldo, percebe-se que essa narrativa faz um contraponto para a leitura do romance. Não é, pois, circunstancial, que seja um dos acontecimentos citados na sinopse da obra, escrita para o lançamento do livro e reproduzida na edição da José Olympio. Neste trabalho, tentaremos comparar, então, duas vertentes: a escuta oferecida a Riobaldo por esse doutor, e aquela que o Padre Ponte submete à fala da mulher que o procura no confessionário.

Tomemos primeiro a trilha que nos leva a Maria Mutema. Riobaldo acaba de receber seu batismo de fogo e não consegue dormir. Na mesma situação, encontra-se Jõe Bexiguento, um homem simples, para quem, ao contrário do que ocorre a Riobaldo, não há dificuldade em distinguir o que é de Deus e o que é do demo e que, nessa noite, relata esta história acontecida no arraial de São João Leão:

Era uma mulher como as outras do vilarejo, e seu marido amanheceu morto, sem ter estado doente. Maria Mutema não demonstra maiores tristezas, nem se esperava isso dela, mas chama a atenção o hábito que adquiriu de se confessar.

Quem a ouvia era o Padre Ponte, bom pároco. Vivia e tinha três filhos com a Maria do Padre, sem despertar censuras. Estranhos eram os novos hábitos da Mutema, e com visível desgosto o padre se dispunha a prestar-lhe "pai-ouvido" . Com o tempo, Padre Ponte foi entristecendo-se, emagrecendo e morreu. Maria Mutema nunca mais voltou à igreja.

Anos depois, chegaram missionários no arraial, dois padres que "... tinham de Deus algum encoberto poder". (ROSA, 1974, p.171) Na véspera de encerrarem suas práticas no vilarejo com a comunhão geral, Maria Mutema entra na igreja. Um deles a expulsa: caso ela quisesse confessar-se, ele a ouviria, mas na porta do cemitério.

O que Maria Mutema então declarou ali mesmo, de público, foi que matara o marido, sem motivo nenhum, despejando-lhe no ouvido chumbo derretido; e que, depois, mentira reiteradas vezes no confessionário, dizendo que cometera o crime por amor ao padre e que dele queria tornar-se amante. Quanto mais ele se zangava, mais lhe deleitavam aquelas declarações; um gozo que só pôde ser freado com a morte do Padre Ponte, que se deu, como se soube, em "desespero calado". (ROSA, 1974, p.173)

Pela confissão de seus crimes, até ser levada para a cadeia de Araçuaí, Maria Mutema é presa na "casa-de-escola", onde "... não comia, não sossegava, sempre de joelhos, clamando seu remorso, pedia perdão e castigo, e que todos viessem para cuspir em sua cara e dar bordoadas." (ROSA, 1974, p.173) Entretanto, a reação do povo é simetricamente oposta à que parece demandar essa explosão de palavras, depois do longo mutismo. O que se vê é uma forte e reiterada demonstração de perdão e a insinuação de que, por sua "arrependida humildade", Maria Mutema estaria santificando-se. Segundo o narrador, "...tantos surtos produziam bem-estar e edificação." (ROSA, 1974, p.174) Não por acaso, o nome da cidade onde a cena tem lugar invoca o evangelista do Apocalipse, texto bíblico em que os segredos se desvelam para o julgamento final.

Supostamente, os acontecimentos tramados em Grande Sertão não permitem que Riobaldo faça quaisquer reflexões a respeito dessa narrativa, embora as anuncie: "E foi isso que Jõe Bexiguento a mim contou, e que de certo modo me divagasse." (ROSA, 1974, p.174) Um dos companheiros de outro destacamento chega no momento em que a narrativa termina, desviando-se o assunto para o argumento inicial, ou seja, a primeira batalha entre jagunços da qual Riobaldo participa.

Mas, como o enredo, em Grande Sertão , não segue uma ordem cronológica, a interrupção promovida pelos fatos não implicaria um corte no relato, e, por isso mesmo, evidencia-se uma estratégia de narração que empresta ao episódio um caráter muito particular. Ele se destaca do enredo, dá-se a ouvir intensamente e interrompe-se de maneira quase abrupta. Riobaldo não o mencionará novamente, mas seu relevo se apresenta quando percebemos a relação entre esse homem que narra, que confessa seu amor e seus crimes, e o doutor que o escuta. Sabemos que as possíveis falas desse interlocutor não se fazem ouvir para o leitor, mas toda a narrativa é pontuada pelas observações que o próprio Riobaldo lhe dirige. Como exemplo, cabe citar o comentário que segue o relato desse episódio:

"Vou reduzir o contar: o vão que os outros dias para mim foram, enquanto. (...) Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe, mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba." (ROSA, 1974, p.175)

Calcado no não-saber, o discurso de Riobaldo é diferente do discurso da Mutema. Às vezes, ele quer poupar seu interlocutor: "Mas, as barbaridades que esse delegado fez e aconteceu, o senhor nem tem calo em coração para poder me escutar." (Rosa, 1974, p.17) Coloca-se na condição de ouvinte: "Imagine o senhor que eu fosse sacerdote, e um dia tivesse de ouvir os horrores do Hermógenes em confissão." (Rosa, 1974, p.237) Vale lembrar que, depois que ele próprio faz (ou não faz?) o pacto, há passagens em sua vida que rivalizam com as barbaridades do Hermógenes, pelo menos no que concerne a seu comportamento geral e muitas de suas esboçadas intenções, que ele acaba por não levar a termo, mas que despertam em Diadorim o desejo de encomendar a Otacília que reze por ele. Assim, a diferença entre a fala da Mutema e a de Riobaldo não está no enunciado, nos episódios que vão sendo desfiados.

De que se trata, então, na confissão de Maria Mutema quando as palavras que ela diz ao padre têm o mesmo poder do chumbo derramado quente no ouvido do marido?

A hipótese que aqui levantamos é a de que, se era fingido o amor, a paixão era verdadeira: o gozo de dizer palavras amorosas, contagiantes e certeiras, ainda que por vias tortuosas; gosto de desafiar a Lei e de alimentar-se da dor que suscitava.

De princípio, há que se marcar que Mutema faz duas diferentes confissões, uma falsa e uma verdadeira, e o que vai forçar uma mudança é a escuta que as acolhe. Sem perder de vista os ensinamentos de Freud sobre a escuta analítica, por enquanto, basta como referência a marcação de Calvino: "Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido." (Calvino, 1990, p.123)

Em seu Fragmentos de um discurso amoroso, Roland Barthes, desdobrando a figura da "declaração", propõe: "A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras." (BARTHES, 1984, p.64) No romance de Rosa, a metáfora escolhida é a do chumbo, como já vimos. Entretanto, pele ou chumbo, observamos a pregnância dessas palavras, investidas de uma extensão imaginária tanto do corpo de quem fala quanto do de quem ouve, de sorte a fazer consistir um lugar marcado pela voz, diferente daquele ocupado pelo som. Trata-se de um investimento de gozo, tanto do falante quanto do ouvinte, tocando os corpos daqueles que nele estão implicados; gozo perverso, encapsulado nos vazios dessa fala que inventa o outro ideal para cada um dos interlocutores e faz consistir o Outro, de onde as palavras se extraem e vão adquirindo seu peso de chumbo.

No episódio em questão, sabemos que Maria Mutema mais se satisfaz, quanto maior é o sofrimento que consegue infligir. Seu discurso alimenta-se da angústia daquele que o escuta e que ela seduz. Mesmo não respondendo ao que aparentemente ela demanda, mesmo negando-se a se tornar seu amante, o padre reage conforme seu comando: submete-se, definha e morre. Esse parece ser o mecanismo que enlaça o que se trama entre eles dois. Mas o que levaria esse homem e essa mulher a se entregar até a morte de um deles à voragem desse processo?

Em seu livro O olhar e a voz, Paul-Laurent Assoun trata especificamente destes dois objetos, olhar e voz, tal como seus efeitos podem ser percebidos à luz da psicanálise, tanto na clínica quanto em textos literários. Creio que cabe, aqui, uma observação que ele faz sobre A Mãe de Deus, de Sacher-Masoch:

"No dispositivo em que se ritualiza a dominação, talvez não se tenha sublinhado bastante o papel da voz dessa mulher, ao mesmo tempo carrasco sem misericórdia e rosto impiedoso da Lei passional, à qual o apaixonado se expõe (ele "paga com sua pessoa") "fisicamente", para sustentar este Amor sem limites." (ASSOUN, 1999, p.170)

Voltando ao texto de Rosa, acredito que possamos imaginar o que ocorre naquele confessionário. A princípio, qualquer narrativa dita ali não tem como prioridade o caráter informativo, mas deve visar a obtenção de um perdão para aquilo que se conta. Dito de outra maneira, o sujeito que se confessa fala para se livrar do que ali depõe. Normalmente, padre e fiéis não se olham, velados pela estrutura do confessionário. A voz, então, fica incumbida de portar toda a eloqüência do que se diz e do que se cala.

Há semelhanças entre uma situação como essa e aquela por que passa o paciente no divã do analista, mas tomemos o cuidado de marcar pelo menos uma diferença radical entre os relatos que nos dois lugares se produzem: em uma análise, não cabe a idéia de culpa ou a de redenção. Se, em alguns momentos, podemos aproximar as posições de quem fala no confessionário e de quem fala no divã, o mesmo não se dá com relação a quem escuta em cada um desses lugares.

Sabemos que Mutema quebra um acordo quando procura o Padre Ponte para confessar-lhe o seu pretenso amor, mas, ainda que fingida, a declaração irá atingir uma verdade no corpo desse padre. Ele diz que não se interessa pelo oferecimento que ela lhe faz. Entretanto, sem resvalar pelo moralismo, podemos afirmar que ele também olvida a Lei que se estampa em seu próprio nome: como confessor, ele deveria mediar a relação entre Deus e a mulher que se confessa, mas a ponte não é feita. Já a Mutema, não por acaso, escolhe um padre para com ele desafiar a Lei do pai. (Sabemos, com Freud, que esse desafio é um dos caminhos da construção do Édipo para uma mulher.) Bem diferente é a situação da segunda confissão dessa mulher porque, quando o missionário se recusa a dar-lhe ouvidos, põe a nu o interdito, prerrogativa que não ocorreu a Padre Ponte.

A cena de Maria Mutema com o missionário dá lugar a um efeito de catarse percebido por toda a população, causando o restabelecimento da ordem para os espectadores, que sentiam "bem-estar e edificação", depois de vivenciar a aflição e o horror proporcionados pelo espetáculo. Mesmo que Maria Mutema não corresponda à imagem do herói trágico, uma vez que é responsável por seus crimes, pelos quais será julgada em foro próprio, verifica-se uma identificação dos espectadores. Neste caso, aparentemente é Riobaldo, e não Jõe Bexiguento, quem tem razão, ao julgar que entre Deus e o diabo não há pastos demarcados. Entretanto, ainda que desafiada, a Lei vigora, implacável, e, ao ser posta em questão, reafirma o interdito.

Retomemos então a comparação entre a escuta em um confessionário e a escuta analítica. Sabemos que Freud e Breuer desenvolveram juntos um tratamento pelo método catártico, que acabou sendo abandonado por ambos. Por Breuer, que recuou diante da transferência; por Freud, que a partir desse método desenvolveu a técnica analítica, remanejando o lugar ocupado na clínica pelo olhar e pela voz, subvertendo o papel que até então se atribuía à escuta entre médico e paciente. A título de exemplo, podemos tomar o texto "Observações sobre o amor de transferência" (FREUD, 1981), em que nos dirá que não cabe ao analista aceitar ou negar o amor que a paciente lhe ofereça, mas sustentá-lo e dele se servir para o manejo da transferência que aí se verifica, fazendo desse laço um mecanismo poderoso na direção do tratamento.

Tendo em vista os dois parâmetros: a fala no confessionário e a fala numa sessão de análise, onde situar o doutor que ouve Riobaldo em suas especulações? Dele, não teremos nenhuma informação sobre a maneira como se posiciona. Nesse romance, o próprio narrador trata de demarcar o lugar onde quer encontrar o seu ouvinte. Desde o começo, esclarece seu propósito: "E me inventei neste gosto, de especular idéia." (ROSA, 1974, p.11) Enquanto sujeito, ele nasce do discurso e envereda-se por esse dentro e fora que a linguagem nos proporciona. É nesse percurso que seu saber avizinha-se do não-saber. Se ele pressupõe algum saber em seu ouvinte, não afirma que ele saiba de tudo. É no suposto saber do Outro da linguagem que se sustenta a travessia. Mesmo porque, não é só a "carta de doutor" (ROSA, 1974, p.22) que estabelece a condição para que se eleger o ouvinte:

"O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. (...) Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo. Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?" (ROSA, 1974, p.33)

Dessa maneira, Riobaldo também procura no relato uma forma de catarse que, no seu caso, virá com um melhor entendimento dos fatos que viveu. Às vezes pede ao doutor uma resposta, especialmente no que concerne a sua grande dúvida: firmara-se o pacto? Outras vezes, antecipa a fala desse doutor com expressões do tipo: "eu sei que o senhor vai discutir" (ROSA, 1974, p.14) ou "o senhor dirá..." (ROSA, 1974, p.14). Pede autorização para falar: "O senhor concedendo eu digo" (ROSA, 1974, p.15), ou ainda condiciona sua fala à escuta desse outro: "O senhor ouvia, eu lhe dizia" (ROSA, 1974, p.16), mas não se entrega totalmente à mercê de seu interlocutor: "Ai, arre, mas: que esta minha boca não tem ordem nenhuma. No senhor me fio? Até-que, até-que." (ROSA, 1974, p.19) e chega a pedir-lhe silêncio: "Mas o senhor calado convenha. Peço não ter resposta; que, se não, minha confusão aumenta." (ROSA, 1974, p.108) Cabe ainda a seu interlocutor promover os cortes necessários ao andamento do relato e pactuar com a construção da narrativa: "Eu conto; o senhor me ponha ponto." (ROSA, 1974, p.401) Para situar a escuta desse doutor, resta-nos, então, acompanhar a trilha do que Riobaldo lhe demanda.

Antes de prosseguirmos, é imprescindível situar a posição de Diadorim, a eterna companhia de Riobaldo, no recorte que escolhemos nesta leitura. Aqui, é importante que nos lembremos de que Diadorim se caracteriza principalmente por seu silêncio; seja porque se cala a respeito de sua própria identidade, seja porque é assim que Riobaldo o escuta: "Com ele calado eu a ele estava obedecendo quieto." (ROSA, 1974, p.25) Também neste trecho: "... Diadorim me agarrava com o olhar, corre que um silêncio de ferro. " (ROSA, 1974, p.141) Ou ainda: "Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto..." (ROSA, 1974, p.220) Sabendo que "diá" é um dos nomes do diabo, que ele também permanece em silêncio nas Veredas Mortas, na noite da encruzilhada, não há como não relacioná-lo à figura ambígua de Diadorim, com quem efetivamente Riobaldo tem um pacto: "Ser dono definitivo de mim era o que eu queria, queria. Mas Diadorim sabia disso, parece que não deixava..." (ROSA, 1974, p.32)

Se Maria Mutema aprisiona o padre por suas palavras, e Diadorim captura Riobaldo em seu silêncio, onde demarcar os pastos de Deus e do diabo? Novamente, podemos nos confrontar com a questão da escuta desse doutor, que, como o Compadre meu Quelemém, ouve sem se deixar prender pelo visgo do relato. Antes de mais nada, evocando novamente a Lei, que deve ser deduzida do próprio discurso que ela ordena: "Apre, o que eu ia dizendo, no meio do som de minha voz, era o que o umbigo de minha idéia, aos ligeiros pouquinhos, manso me ensinava. E era o traçado." (ROSA, 1974, p.426)

Finalmente, avançamos no sentido de uma conclusão. Não podemos precisar um lugar onde situar esse doutor, cuja voz não ouvimos, mas sabemos que ele proporcionou a Riobaldo a confiança e o silêncio necessários para que ele chegasse ao fim de seu relato, para que pudesse exorcizar mais uma vez os seus demônios e refazer a travessia de sua história de amor e guerra.

Como silenciosa é também nossa posição, o lugar que ocupamos nessa trama não será muito diferente desses que investigamos, na medida em que a construção de Riobaldo acaba por demarcar um estatuto para seus leitores. Como tais, podemos nos situar diante de um texto da maneira como o faz o Padre Ponte e nos tornarmos presa da teia das palavras; não nos é dada a liberdade de interferirmos na fala do narrador, como poderia fazer o doutor, uma vez que o relato está concluído quando vem a público. Por outro lado, também sabemos que o texto se conclui em aberto, e cabe a nós, leitores, a opção de expectadores, se assim o desejarmos, lugar de onde poderemos usufruir os efeitos do escrito. Só nos é interditado acreditarmos, ingenuamente, que não será com nosso corpo que pagaremos o preço de uma leitura.

Se o Real "... se dispõe para a gente é no meio da travessia" (Rosa, 1974, p.52), no sulco aberto no meio do som, entre palavra e silêncio – o que fica mais claro diante do texto escrito - resta a voz como objeto de desejo, dejeto que ganha corpo em nossa própria enunciação, corpo que tem o peso da falta e do vazio. Sabendo que é o crivo do desejo que vai revelar o traçado da Lei, gostaria de concluir ainda citando Guimarães Rosa: "...o senhor escute, me escute mais do que eu estou dizendo; e escute desarmado. (....) Muita coisa importante falta nome." (ROSA, 1974, p.86)

 

BIBLIOGRAFIA:

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Ed. Tecnoprint, s/d. 290p.

ASSOUN, Paul-Laurent. O Olhar e a Voz. Lições Psicanalíticas sobre o Olhar e a Voz. Trad. Celso Pereira de Almeida. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. 205p.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um Discurso Amoroso. Trad. Hortênsia dos Santos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984.200p.

CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 150p.

DÜRING, Ingemar. Aristóteles. Exposicion e interpretation de su pensamiento. Trad. y ed. Bernebé Navarro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1990. 596p.

FREUD, Sigmund. La Techinique Psychanalytique. Trad. Anne Berman. 3ª ed. Paris: Press Universitaires de France, 1981. Cap. XI, "Observations sur l’amour de transfert", pp.116/130

ROSA, Joao Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 9ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974. 461p.

Este trabalho é dedicado a Iara, com os votos de boas vindas e felicidade nessa travessia.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 15 - Julio 2002
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