Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Jacques Lacan
Seminário V – cap. VI y VII
Aquiles e a tartaruga

María Lucía Petraglia

Zenão de Elea, parceiro de Parmênides, pensadores do V século A.C. e mais ou menos um século antes de Aristóteles, afirmaram que os instrumentos lógicos são elaborados sobre o Ser e sobre o Um. Interrogam-se sobre o universo, contradizendo Platão em sua hipótese de formas separadas do sensível, mas afirmando que essas formas participam de momentos de encontros e de desencontros. A questão da unidade e da pluralidade se encontram no centro da preocupação desses pensadores.(1)

Zenão de Eléa, famoso por seus paradoxos, formulados em defesa da filosofia monista e contra a questão do movimento, que não admitem solução simples e são objetos de inúmeras controvérsias, inaugurando o reductio ad absurdum ( redução ao absurdo). Partindo da posição do adversário, na tentativa de demonstrar que tal posição leva ao absurdo. Considerado por Aristóteles como o fundador da dialética enquanto técnica argumentativa.

Vamos falar sobre o paradoxo de Aquiles e a tartaruga: "Aquiles, o mais veloz dos corredores, dá a dianteira à tartaruga em uma corrida. Mesmo assim, Aquiles jamais será capaz de alcançar a tartaruga, pois seria necessário percorrer a distância da dianteira dada à tartaruga; sendo tal distância da dianteira divisível ao infinito, ela jamais será percorrida: a diferença irá diminuindo, mas jamais será nula"( 2).

Jacques Alain-Miller , desenvolve a idéia principal ao buscar demonstrar que o "paradoxo de Zenão surge do esforço para se demonstrar que tudo é significante, esforço que se descobre infinito" . A versão que ele nos apresenta do apólogo de Zenão é valiosa para esse propósito: "dado um ponto de partida e um ponto final", para que este possa ser alcançado, é preciso percorrer primeiro a metade do caminho, mas antes disso é preciso percorrer "a metade dessa metade. Dessa maneira, sempre que se tem três pontos há uma parte que não pode ser recoberta", nos diz. Miller sustenta que esse parodoxal movimento é análogo ao movimento da cadeia significante . Quanto a esta afirmação de Miller, podemos entender que o movimento de reencontro de um significante primordial que portaria em si uma última significação (uma plena satisfação) acabaria por demostrar que, como ele mesmo diz, "não é possível chegar ao ponto final, a não ser sob a condição de separar, de cortar a última meta do resto da linha". Nesse sentido, ele acrescenta que o conceito de objeto a de Lacan delimita essa alguma coisa "que se pode separar da cadeia significante".(3)

Aquiles perde a bela Briseida, mergulha na melancolia e no ódio e apesar de saber de seu destino oracular - de que morreria cedo e em combate - não se esconde na ilha em que sua mãe, a imortal Tétis o levara. Volta à guerra de Tróia e é atingido por Páris exatamente aonde era não-todo, aonde continuava mortal: o calcanhar direito, por onde sua mãe o segurara ao banhá-lo em águas infernais, na tentativa de imortalizá-lo. Morre atingido no único lugar aonde o mãe o sustentara ... por, ou apesar, ou por causa desta ser deusa e de ser imortal, acreditava poder imortalizá-lo também, dizendo não à castração.

"O Outro é indispensável para o fechamento do circuito que o discurso constitui, na medida em que ele chega à mensagem em condições de satisfazer, ao menos simbolicamente, o caráter fundamentalmente insolúvel da demanda como tal. Esse discurso, é a autenticação pelo Outro, daquilo, que em suma, é uma alusão ao fato de que nada da demanda desde que o homem entrou no mundo simbólico, pode ser alcançado, a não ser por uma sucessão de passos-de –sentido. O homem, novo Aquiles perseguindo uma outra tartaruga, está fadado, em razão da captação de seu desejo no mecanismo da linguagem, a essa aproximação infinita e nunca satisfeita, liga ao próprio mecanismo do desejo que chamaremos simplesmente de discursividade." (4)

Lacan afirma do Seminário V, ser o apólogo de Zenão um dos elementos capazes de esclarecer algumas noções fundamentais da sua própria teorização:

"Assim a partir do momento em que o sentido passa pela dialética da demanda introduzida pela existência significante, nunca mais se toca na necessidade. Tudo o que diz respeito à linguagem procede por uma série de passos semelhantes àqueles com que Aquiles nunca, nunca chega à tartaruga – tende a recriar um sentido pleno que, no entanto, nunca a é atingido, que está sempre em outro lugar". (5)

A questão da necessidade, ou seja, da satisfação primeira de cada ser humano, o "encontro", já no desencontro e na perda do objeto que satisfez tal necessidade, de ordem puramente biológica, poderia ser comparada ao significante primordial, S1. Mas ao se endereçar ao Outro, ao demandar-lhe amor, surge a cadeia significante, e os S1, S2, ... Sn. Neste vazio entre este primeiro significante, significante mestre, e os demais, surge na tentativa de satisfazer a demanda, o objeto a, objeto causa de desejo. E a demanda jamais cessará, amor demanda amor.

O sentido, ao ser atravessado pelo simbólico e pela dialética do significante, e só podendo ser atingido através da dialética e da metonímia, afasta-se da necessidade. Surge a eterna demanda...

Lembra Lacan que a possibilidade de se restituir algo de gozo, à demanda essencialmente insatisfeita, seria pelo Witz, através da surpresa e do prazer – "o prazer da surpresa e a surpresa do prazer".(6).

Lacan vem a assinalar, após Freud um para além da ordem da necessidade, colocando uma condição para o desejo: a presença do Outro, promovendo a criança de um estádio de objeto ao estádio de sujeito. O desejo então, se situa entre a demanda – que é sempre endereçada ao Outro, e é sempre demanda de amor - e a necessidade. A demanda, ainda que incida sobre um objeto de necessidade, é dupla, porque o desejo que vemos é de ser, a criança, o único objeto de amor do Outro que satisfaz suas necessidades. Demanda que dirigida a um Outro que não existe, nome dado a um dos seminários ministrados por Miller, vem confirmar a impossibilidade da relação sexual, da impossibilidade de se ter um objeto capaz de suprir algo da demanda e do desejo.

Bibliografia:

1 – Platon – Parmênides – ed. GF-Flamarion. págs 18, 19, 20

2 – Iniciação à História da Filosofia – Danilo Marcondes – Jorge Zahar editora

3 – Logicas de la vida amorosa – Jacques Alain Miller – ed Manantial – pag 9.

4 – Sem. V . Jacques Lacan – pág. 127 – Jorge Zahar editora

5 – ídem – pág - 107 .

6 - ídem – pág. 126.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 11 - Julio 2000
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